Há ‘usurpação’ e ‘confusão’ em relação à ideia de liberdade de expressão, dizem especialistas
BRASÍLIA – O conceito de liberdade de expressão vive tanto uma “usurpação” quanto uma “confusão” no Brasil. A avaliação permeou o debate promovido pelo Estadão nesta terça-feira, 29, com Eugênio Bucci, professor titular da ECA-USP e membro da Academia Paulista de Letras, Pierpaolo Bottini, advogado criminalista e professor de Direito Penal da USP, e Sebastião Ventura, presidente do Instituto Millenium.

O debate foi feito no painel sobre liberdade de expressão em essência, do “Fórum Liberdade de Expressão – 150 anos em defesa da liberdade e da democracia”, promovido pelo Estadão nesta terça-feira, 29. O painel foi mediado pelo editor executivo do Núcleo de Política e Internacional do Estadão, Renato Andrade.
O evento, aberto pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin e que integra as comemorações de 150 anos do jornal, está sendo realizado desde as 14h30, em Brasília, e transmitido ao vivo pelo Estadão.
O tema abordou o que a sociedade brasileira tem debatido sobre o direito de cidadãos de se expressarem. A comunicação por meio das plataformas digitais, que se tornou cotidiana na maior parte do mundo, teve centralidade no debate.
Crítico do poder de manipulação de companhias como a Meta (dona de Facebook, Instagram e WhatsApp) e Alphabet (Google e YouTube), Bucci afirma que o mundo nunca viu a coordenação de tamanho oligopólio de plataformas digitais, e que a legislação deveria “cuidar de estabelecer limites não para a liberdade de expressão, mas para o abuso de poder”.
“Muitas vezes nós não estamos lidando com liberdade de expressão quando presenciamos certas atrocidades na esfera pública. Não é o exercício da liberdade de expressão que nos vitimiza, mas algo diferente, que eu caracterizaria como abuso de poder. Liberdade de expressão não é prerrogativa de conglomerados monopolistas globais. Há uma usurpação da liberdade de expessão. Há verdadeiros abusos cometidos sob o véu conveniente da liberdade de expressão”, disse Bucci.
Bottini segue na mesma linha ao afirmar que é comum se deparar “com certa confusão conceitual”.
“Por muitas vezes, usa-se o conceito de liberdade de expressão para tentar legitimar um discurso de ódio e de abuso de poder”, afirmou Bottini.
O advogado afirma que a discussão no Brasil ficou no meio do caminho entre os entendimentos sobre liberdade de expressão canonizados nos Estados Unidos, onde o conceito é amplo, e na Europa, em que existe maior restrição. Para Bottini, a liberdade de expressão no País tem nas questões da honra, do ódio e da disseminação intencional e dolosa de inverdades os seus principais limites.
Ventura, por sua vez, considera a liberdade de expressão como a “mãe” de todas as outras liberdades, como a de associação, de imprensa, de empreendimento e da própria escolha dos governantes das nações. Para ele, “a origem dessa liberdade essencial é um grito de basta e rejeição à injustiça e à repressão em todas as suas formas”, referindo-se a sociedades europeus que saíram às ruas contra monarquias absolutistas.
Ele diverge de Bucci e Bottini, no entanto, ao colocar ressalvas a eventuais limitações no direito de expressão como forma de defesa de valores mais importantes. “Eu vejo surgir uma linha para que nós, para defender a democracia, temos que restringir a liberdade de expressão. Eu acho esse ponto delicado”, afirmou Ventura.
Sessão solene
O Congresso Nacional realizou mais cedo uma sessão solene pelo aniversário de 150 anos do Estadão. Durante a cerimônia, autoridades e profissionais do jornal destacaram o compromisso com a democracia e a verdade, em discursos que reuniram frases marcantes sobre a trajetória do veículo.
O CEO do Estadão, Erick Brêtas, destacou durante a sessão no plenário do Senado a missão do Estadão de levar informação aos cidadãos sem “fugir do dever da honestidade”.
“Um jornal que pretende ser consciência crítica de seu tempo não pode deixar de reportar, analisar e criticar a atividade dos homens e mulheres que constituem os Poderes da República”, declarou Brêtas em referência aos parlamentares do Congresso Nacional.
O presidente do Conselho de Administração da S.A. O Estado de S. Paulo, Francisco Mesquita Neto, ressaltou os principais valores que o Estadão carrega em seus 150 anos de história.“ O Estadão faz oposição a todos os governantes que se mostrarem fiscalmente irresponsáveis, libertíssimas ou reacionários”.
Já o diretor de jornalismo do Grupo Estado, Eurípedes Alcântara, falou sobre o papel do Estadão na fiscalização do poder público: “O Estadão compreendeu que ser os olhos e os ouvidos da nação requer acompanhar criticamente a atuação dos Poderes públicos, entre eles, o Congresso Nacional”, declarou.