PF prende 23 e procura mais 12 por tráfico em veleiros do PCC para a Europa e África
A Polícia Federal deflagrou nesta terça, 29, a Operação Narco Vela para reprimir tráfico internacional de drogas com o uso de veleiros e barcos que seguiam do Porto de Santos, litoral paulista, com destino à Europa e África. A investigação conta com ações do DEA (Drug Enforcement Agency), Marinha dos EUA, Guarda Civil Espanhola e Marinha Francesa.
A investigação teve início a partir de uma comunicação do DEA sobre a apreensão de 3 toneladas de cocaína em fevereiro de 2023, no interior do veleiro ‘Lobo IV’, em alto mar próximo ao continente africano, com abordagem da Marinha Americana. Na ocasião, foi preso Flávio Pontes Pereira.
Com base em informações enviadas pelo Drug Enforcement Agency (DEA), núcleo anti-drogas dos EUA, a Polícia Federal identificou a participação de Leandro Ricardo Cordasso, ligado ao Primeiro Comando da Capital (PCC), que ‘mantinha relação de afinidade com Rodrigo Felício, o ‘Tico’, e Levy Adriani Felício, o ‘Mais Velho’, ambos integrantes da facção.






O tráfico fazia uso de satélites e embarcações com autonomia para travessias oceânicas, inclusive veleiros. Mais de 300 policiais federais e 50 policiais militares do estado de São Paulo dão cumprimento a quatro mandados de prisão preventiva, 31 de prisão temporária e 62 de busca e apreensão, em endereços de São Paulo, Rio de Janeiro, Maranhão, Pará e Santa Catarina. Até agora, 23 investigados foram presos.
Além das prisões e buscas, a Justiça Federal também determinou o bloqueio e apreensão de bens até o valor de R$ 1,32 bilhão.
Outros carregamentos também foram interceptados em águas internacionais pela Guarda Civil Espanhola e Marinha Francesa.
OITO TONELADAS, R$ 1,54 BILHÃO
A Operação Narco Vela foi deflagrada por ordem do juiz federal Roberto Lemos dos Santos Filho, da 5.ª Vara Criminal Federal de Santos, no litoral paulista, onde se situa o maior porto da América Latina e por onde o PCC despachou a maior parte da droga para o exterior.
Roberto, com larga experiência adquirida ao longo de mais de 20 anos de magistratura, tem enfrentado sem tréguas o tráfico internacional via o porto de Santos. Ele mandou prender 35 investigados amparado em amplo relatório do Grupo Especial de Investigações Sensíveis, braço da Superintendência Regional da PF em São Paulo que registra a apreensão, em operações distintas nos últimos três anos, de pelo menos 8 toneladas de cocaína, carga avaliada em R$ 240 milhões – ou cerca de R$ 1,54 bilhão.
Pelo menos quatro suspeitos estão fora do País. Roberto Lemos decretou a prisão preventiva de Peterson Rodrigues da Silva, Soufyan Hossam El Dani, Wellington Salustre e Flávio Pontes Pereira. “Expeçam-se mandados de prisão preventiva, devendo constar destes o compromisso de se requisitar a extradição dos investigados presos.”
O juiz mandou incluir os nomes dos quatro na Difusão Vermelha da Interpol – o índex dos mais procurados em todo o mundo.
A Narco Vela aponta para a ligação de duas empresas de comércio exterior e apoio marítimo com o esquema de alcance internacional do PCC. As empresas são controladas por quatro investigados.
Ao longo das investigações, ocorreram oito grandes apreensões de cocaína transportadas em embarcações, como veleiros, barcos pesqueiros e navios cargueiros. O primeiro golpe no tráfico foi em fevereiro de 2023, quando o veleiro ‘Lobo IV’ foi interceptado com 3.082 quilos da droga. Flávio Pontes Pereira foi preso e interrogado pelas autoridades americanas.
Os relatos de Pereira foram reportados pelo DEA à Polícia Federal brasileira detalhando outro carregamento de cocaína por via marítima e levaram à identificação de Leandro Ricardo Cordasso, ‘pessoa que possui vínculos com o PCC’.
A quebra do sigilo de celulares e de e-mails, principalmente com relação a terminais telefônicos concatenados a Pereira, possibilitou a identificação do grupo responsável pela logística de comunicações realizadas via satélite, de regra utilizadas para travessias oceânicas.
Em outra operação, realizada em julho de 2022, a PF já havia confiscado 1,9 tonelada de cocaína a bordo do veleiro ‘Vela I’. Outras embarcações – ‘Batuta IV’ e ‘Eros’ (carregada com 2.400 quilos de cocaína) – foram recolhidas em abril e maio de 2024.
Ainda em maio do ano passado, os federais pegaram 560 quilos de cocaína em Belém. A PF flagrou também ‘atos preparatórios’ para uso do veleiro ‘Obelix’ e abordou a lancha ‘Albatroz 2’, também na capital paraense.
O avanço das apurações resultou na identificação de quatro núcleos ligados ao tráfico internacional de drogas e/ou de lavagem de capitais, assim nominados: Grupo Baixada Santista, Grupo Limeira, Grupo Eros e Grupo Batuta IV (logística).
O ‘Baixada Santista’ é definido pela PF como ‘um grupo com ampla experiência na logística marítima voltada ao transporte de grandes quantidades de cocaína, cujo modus operandi compreende desde o planejamento e execução da comunicação por meio de aparelhos satelitais até a realização de operações complexas de transbordo da droga para embarcações de diferentes tipos – veleiros, barcos pesqueiros ou navios cargueiros – com destino final às proximidades do continente europeu’.
“No centro dessa engrenagem criminosa figura Marco Aurélio de Souza, o ‘Lelinho’, apontado como um dos principais articuladores do tráfico marítimo na costa brasileira”, diz a PF. ‘Lelinho’, que atua formalmente no setor náutico, é proprietário de diversas embarcações, é responsável direto por uma empresa de serviços marítimos e controla uma outra, de comércio exterior.
A investigação destaca que foi constituído um subgrupo operacional com atuação voltada à região Norte do país, ‘possivelmente como estratégia para se esquivar da crescente fiscalização nas imediações do porto de Santos’.
Esse núcleo secundário passou a operar intensamente no Maranhão e no Pará. Essa etapa da apuração, que incluiu a quebra do sigilo do celular de Klaus Motta, levou ao nome de Gabriel Gil, o ‘Jogador’, ‘membro de destaque do PCC’.
O ‘Grupo Limeira’, supostamente liderado por Leandro Cordasso, advogado estabelecido naquele município do interior de São Paulo, ‘está diretamente vinculado às travessias ilícitas realizadas pelos veleiros ‘Vela I’ e ‘Lobo IV’.
A PF apurou que Cordasso ‘estabeleceu laços familiares com integrantes associados ao Primeiro Comando da Capital, o que possivelmente resultou em seu envolvimento direto em duas operações de tráfico internacional de drogas que culminaram na apreensão de mais de 5 toneladas de cocaína em águas internacionais’.
O advogado foi casado com Pamela Felício Cordasso, filha de Adriana Felício, que é irmã de Rodrigo Felício, o ‘Tico’, e de Levi Andrade Felício, o ‘Mais Velho’. Os dois, ‘Tico’ e ‘Mais Velho’ são reconhecidos nacionalmente por sua estreita relação com o alto escalão do PCC, diz a PF.
“Acredita-se que Leandro Cordasso utilizava sua posição de advogado para conferir credibilidade e desenvolver, de forma discreta, as atividades ilícitas comandadas pelos irmãos Felício”, diz o relatório da Operação Narco Vela.
Foram identificados ‘laranjas’ associados aos telefones satelitais adquiridos para as travessias dos veleiros ‘Vela I’ e ‘Lobo IV’.
Sobre o ‘Grupo Eros’, os federais destacam que recebeu essa denominação por causa da ligação dos suspeitos com o veleiro Eros. depois rebatizado ‘Diana II’. A PF suspeita que os integrantes do ‘Grupo Eros’ fizeram ‘empreitada criminosa transoceânica, culminando no transporte ilícito de aproximadamente 2,5 toneladas de cocaína’. A carga, no entanto, foi apreendida pela Marinha Francesa em setembro de 2023, ocasião em que a embarcação foi interceptada em águas internacionais.
“Não obstante a apreensão da substância entorpecente, por razões atinentes à legislação francesa, os tripulantes foram liberados e retornaram ao território nacional, permanecendo impunes naquele país”, acentua o documento da PF.
O ‘Grupo Batuta IV’ cuidava do núcleo logístico da organização. “Embora com características próprias, tal núcleo apresenta conexões técnicas e operacionais com o grupo liderado por Marco Aurélio de Souza, o ‘Lelinho’, notadamente pela utilização de equipamentos de comunicação satelital vinculados à empresa Jacksupply Assessoria de Bordo e Comércio Exterior, já amplamente identificada como braço logístico daquele grupo criminoso”, afirma a PF.
Um outro advogado, conhecido como ‘Doutor’, exercia papel de confiança dentro da organização criminosa, assinala o relatório. Ele atuava como ‘uma espécie de assessor jurídico estratégico do grupo’.
“As evidências colhidas indicam seu pleno conhecimento acerca das atividades ilícitas em curso, o que se reforça por registros de ligações realizadas com Luan durante a navegação transoceânica da embarcação ‘Batuta IV’, quando transportava considerável carga de cocaína pelo Oceano Atlântico.”
Ao representar pela decretação da prisão dos investigados, a PF argumentou ‘estarem todos envolvidos diretamente às operações de tráfico internacional de drogas’ e alertou para o risco de destruição e manipulação de provas.
O juiz Roberto Lemos dos Santos Filho acolheu o pedido da PF, destacando que o tráfico para a Europa e África é efetuado por sofisticados grupos, bem estruturados e constituídos de forma ordenada’,
“A análise das informações que embasaram a representação em exame dá concretude a tal conclusão”, anotou o magistrado. “Sem dúvida, os elementos coligidos indicam a ocorrência de conjunção de ideais, de esforços e de vontades entre os investigados para a prática de ações ilícitas de gravidade inconteste. Se apresenta imperioso o aprofundamento das investigações, para que melhor seja apurada de forma mais minuciosa e precisa a participação dos representados, e de eventuais terceiros, nas ações criminosas até o momento identificadas e de outras possíveis ocorrências.”
A imprescindibilidade da medida para as investigações ‘está bem evidenciada nos autos’, diz Roberto. “A prisão temporária, nesse cenário, não assume caráter punitivo, mas sim cautelar e instrumental, viabilizando o regular andamento do inquérito e a proteção da colheita de provas.”
O juiz pontua que ‘a própria natureza da organização criminosa investigada, com divisão de tarefas, uso de tecnologia avançada, atuação transnacional e estrutura profissionalizada, impõe maior grau de diligência estatal e exige, em casos como o presente, medidas de contenção excepcionais e proporcionais’.
Ao lembrar das apreensões de grandes volumes de cocaína, que somaram ao menos 8 toneladas, Roberto Lemos dos Santos Filho chama a atenção para ‘o extremo poderio financeiro e aprimorada organização dos investigados’.
O magistrado indica o alto valor da droga – o valor médio de revenda do entorpecente na Europa alcança aproximadamente 30 mil euros o quilo, ‘valor este compatível com o preço de mercado identificado em investigações realizadas, como na Espanha, onde se registrou, em 2024, a cotação de até 60 euros por grama’.
Com base nesse parâmetro mínimo de 30 mil euros por quilo, o total da droga já apreendida no âmbito desta investigação perfaz, em valor estimado, a quantia de 240 milhões de euros, ‘evidenciando a extrema gravidade dos fatos apurados, a elevada rentabilidade da atividade criminosa e a necessidade de medidas eficazes de contenção e persecução penal’.
“O volume de droga e o valor financeiro envolvido demonstram que se está diante de uma organização criminosa de grande porte, com estrutura transnacional e ampla capacidade de articulação logística e financeira”, alerta Roberto. A conversão alcança R$ 1,54 bilhão.
“Tal valor evidencia, de forma incontestável, a expressiva dimensão econômica da atividade criminosa investigada, bem como a gravidade dos fatos e o poder financeiro da organização criminosa responsável pelas operações ilícitas ora apuradas”, diz o juiz. “Essas elevadas cifras demonstram o enorme poder financeiro do grupo criminoso, e a real possibilidade de interferências e de criação de embaraços ao aprofundamento das investigações, o que revela ainda com maior nitidez a imprescindibilidade da providência para as investigações.”
Roberto Lemos dos Santos Filho fez questão de deixar expresso que sua decisão se fundamenta ‘no exaustivo e preciso trabalho de investigações realizado pela Polícia Federal, não se apresentando como meras conjecturas’.
“Ao contrário, estão lastreadas em elementos concretos e objetivos trazidos com os relatórios de informação e provas técnicas mencionadas na representação em apreço.”
O juiz observou, ainda, que os investigados em liberdade representam ‘ameaça à ordem pública manifesta, em razão da gravidade concreta dos delitos, o que ficou bem evidenciado pela elevada quantidade de entorpecente apreendida (8 toneladas de cocaína) e o modus operandi adotado (transporte transatlântico da droga por meio de embarcações)‘.
“Nunca é demais rememorar que o tráfico ilícito de entorpecentes, crime equiparado a hediondo, ainda que não seja cometido com violência ou grave ameaça, fomenta, em tese, a prática de outros delitos tão ou mais perigosos, provocando, com frequência alarmante, intranquilidade para o seio da comunidade, e prejuízos incalculáveis à sociedade”, escreveu Roberto. “Sob outra perspectiva, observo que além de difundir a droga no meio social, arruinando a saúde pública, nacional e internacional, e os pilares da família, essa espécie delitiva afronta diretamente os mecanismos e instituições de segurança do próprio Estado, gerando na sociedade verdadeiro sentimento de medo e impunidade, vulnerando sobremaneira a ordem pública.”
Ele prega que a ‘necessidade de interrupção do ciclo delitivo de associações e organizações criminosas é fundamento idôneo para justificar a custódia cautelar com fulcro na garantia da ordem pública’. “Revela-se como medida necessária e apta, posta no sistema legal vigente, para estancar as empreitadas criminosas. Em outras palavras, as constrições cautelares se mostram adequadas e necessárias, no caso concreto, para fragilizar a própria estrutura organizacional da qual, ao menos em tese, os investigados fazem parte, e, sobretudo, para evitar a continuidade da prática de outras infrações penais de gravidade inconteste.”