Bolsonarismo soube se apropriar da camisa da seleção e ninguém conseguirá reverter fenômeno tão cedo
Façam um teste empírico. Andem pela cidade. Procurem. Encontrem alguém trajando a camisa da seleção brasileira. Há chances de ser um senhor de meia-idade, com cabelos grisalhos. Respeitosamente, perguntem se ele utiliza aquele uniforme por razões de ser apaixonado pelo time brasileiro ou por preferência política. Se a resposta for verdadeira, o entrevistado deverá dizer que é por admiração ao ex-presidente Jair Bolsonaro, ou por aversão ao Lula e ao petismo.
A verdade é essa: desde aquelas manifestações monstro de 2013, contra tudo e todos, utilizar a camisa verde-amarela oficial da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) significa menosprezo pelo grupo político que hoje está no poder. Os apaixonados pelas seleções estão em minoria nos espaços públicos. Aparecem nos jogos da Copa e depois, envergonhados, deixam de usar a vestimenta, que se mofa no armário.

Em 2014, essa tendência do uso político da seleção ficou mais evidente quando milhares ofenderam a presidente Dilma Rousseff no primeiro jogo da Copa do Mundo, no Itaquerão, em São Paulo. Alegaram que era grosseria de gente rica, privilegiada, incomodada com as ações sociais do PT que tiraram milhões da pobreza. Ali havia o terrível paradoxo de um governo ter financiado estádios superfaturados que eram frequentados apenas por um público abastado que os odiava.
Em 2016, o futuro prefeito de São Paulo, João Doria, finalizava seus atos de campanha com o slogan “a minha bandeira jamais será vermelha”. Ao mesmo tempo, um assessor colocava nas caixas de som o “Tema da Vitória” de Ayrton Senna, e o candidato se enrolava numa bandeira do Brasil. Era um fenômeno que só crescia.

Fatos como esse se sucederam ao longo do tempo. O verde-amarelo teria virado uma espécie de paleta de cores de resistência à ameaça esquerdista, comunista, wokista, identitária, como queiram, contra as famílias brasileiras. Talvez tenha havido mesmo certa omissão entre os esquerdistas em sua insistência no vermelho nos atos públicos. Como não existe vácuo de poder, nem mesmo simbólico, o outro lado do espectro político tomou para si as cores oficiais do País e da seleção.
Mas a consequência é que a camisa da nossa seleção, que deveria ser de todos, passou a ser utilizada só por uma turma – bem barulhenta e radical, aliás. O próprio Bolsonaro está à frente neste movimento.
Segue misterioso se a Nike e a CBF de fato iriam produzir uma camisa vermelha para o time de Vini Jr. e companhia. E até mesmo a razão disso. Para que simpatizantes de outras correntes políticas, além do bolsonarismo, também pudessem adquirir o uniforme, ou por opção comercial/estética?
De qualquer forma, este é mais um exemplo da divisão de nosso País. Curioso que, mesmo em 1970, em pleno anos de chumbo da ditadura, ao que consta, o Brasil se uniu na maioria esmagadora em torno da magnífica seleção de Tostão e Pelé, sem essas divisões agressivas e histéricas de 2025 (existia a censura e não existiam as redes sociais).
Caso a cor de camisa vermelha da seleção fosse de fato implantada, poderíamos antever várias situações cômicas, mas com potencial de se tornarem trágicas. Por exemplo, nas arquibancadas dos jogos poderíamos identificar quem vota em quem. Poderíamos até mesmo fazer projeções eleitorais cientificamente não-válidas. Mas a chance de o experimento desbancar para a pancadaria dentro da torcida seria grande – uma guerra civil. Além disso, haveria uma camisa branca para os eleitores isentões?
Agora, fora os péssimos resultados do time, fora os escândalos envolvendo a gestão de Ednaldo Rodrigues frente à CBF, vemos o problema das cores e das camisas. Nesse meio tempo, quem é pragmático precisa jogar em vários times quando não se quer ser alvejado pelo radicalismo. Por isso, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, utiliza a camisa azul, e não a verde-amarela, nos eventos com Jair Bolsonaro. Quer se mostrar um igual, que, porém, é um diferente (na física, esse experimento se chama gato de Schrödinger). Na política, símbolos são quase tudo e a camisa da seleção não consegue se livrar disso.