CPI das Bets tenta sobrevida com prisão de ‘peixe pequeno’, mas lobby pró-apostas esquenta ‘pizza’
BRASÍLIA – O fim da CPI das Bets, do Senado, inicialmente previsto para esta quarta-feira, 30, deve ser adiado por mais 45 dias, prazo menor do que os quatro meses extras solicitados pela cúpula do colegiado. Apesar da sobrevida negociada com o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP), a investigação se encaminha para uma “pizza”, sem resultados expressivos após 120 dias.
Nesta terça-feira, 29, na última reunião antes de os trabalhos serem estendidos, a CPI prendeu em flagrante um homem que havia sido convocado como testemunha. Apontado como “laranja” de uma intermediária de jogos ilegais, ele foi acusado de falso testemunho.
No papel, Daniel Pardim é representante da Peach Blossom, empresa que tem parte da Playflow, firma da advogada Adélia de Jesus Soares. Participante do programa Big Brother Brasil, da TV Globo, em 2016, ela é investigada pela Polícia Civil do Distrito Federal por suspeitas de auxiliar um grupo chinês a operar apostas ilegais no Brasil.
Confusão na CPI das Bets após a relatora, Soraya Thronicke (Podemos-MS), anunciar a prisão de uma testemunha.
Preso em flagrante por falso testemunho, Daniel Pardim é apontado como laranja da advogada Adélia de Jesus Soares. pic.twitter.com/5XWngojFx6
— Vinícius Valfré 🔎👨🏻💻 (@viniciusvalfre) April 29, 2025
Classificado pelo próprio advogado como um “mero cozinheiro”, Pardim se negou a detalhar sua participação na firma, mas afirmou categoricamente desconhecer Adélia. A contradição foi vista como falso testemunho, o que rendeu a prisão dele em flagrante.
A CPI não detalhou quais crimes teriam sido cometidos por Daniel Pardim no esquema das apostas, mas alegou que ele prejudicou a apuração no depoimento. A defesa dele afirma que o colegiado cometeu abuso de autoridade porque ele foi convocado como testemunha e transformado em suspeito investigado.
Entre parlamentares contrários à CPI, a avaliação é a de que a comissão buscou criar um fato para justificar a falta de resultados. E para isso acabou mirando um “peixe pequeno” no universo das empresas de apostas.
Por outro lado, auxiliares da relatora da comissão, Soraya Thronicke (Podemos-MS), afirmam que o esquema no qual Adélia é investigada pode ter movimentado R$ 2 bilhões em dois anos. Pouco antes da prisão, entretanto, assessores se queixavam de a medida ser aplicada contra o homem que é “só o laranja”.
Soraya Thronicke solicitou prisão de suspeito de ligação com jogo ilegal
A ordem prisão, pouco comum, solicitada por Soraya Thronicke, rompeu uma sequência de reuniões esvaziadas e sem foco. Houve situações em que os poucos presentes não eram suficientes para votações de requerimentos básicos. Em algumas sessões, só o presidente, Hiran Gonçalves (PP-RR), e a relatora compareciam. Em outras, nem eles.
A senadora perdeu uma sessão para ir aos Estados Unidos para encontro da Comissão sobre a Situação da Mulher (CSW), da Organização das Nações Unidas (ONU). Nas redes, registrou o momento em que tietou o ator Mark Ruffalo em Nova York.
O ostracismo na CPI sucedeu um período de duros embates entre senadores. A fase inicial dos trabalhos foi marcada por acusações de extorsão e pela atuação de senadores pró-bets. A balança pendeu para o lado das casas de apostas, que se viram livres de quebras de sigilos financeiros.
Nos bastidores da CPI, a maior tensão girou em torno de inclusões na pauta de requerimentos de quebra de sigilos de dezenas das principais casas de apostas que atuam no País.
A possibilidade de aprovação dos pedidos trouxe um exército de lobistas das bets ao Congresso, e os pedidos sumiram sob o argumento de que eram genéricos demais e seriam retrabalhados. Eles foram incluídos e não votados em três das 14 sessões realizadas pela CPI até agora.
Para técnicos que acompanham os trabalhos da CPI, o surgimento de relatórios detalhados de movimentação financeira de empresas de apostas poderia ter o efeito de apontar conexões, no mínimo, danosas à reputação de empresas conhecidas do mercado.
O senador Marcos Rogério (PL-RO) foi o autor desses requerimentos em bloco. Procurado por meio da equipe de gabinete para explicar o porquê do recuo e o porquê de ter deixado de ir às reuniões da CPI, não comentou.
“Ele pediu para retirar. E nós temos um entendimento de que quando o autor do requerimento não está presente a gente não vota. E também ele fez um arrazoado de cada requerimento que era copia e cola”, afirmou o presidente da CPI, senador Hiran Gonçalves (PP-RR).
Apesar da relevância social e econômica do tema das apostas online, houve reuniões em que só estavam presentes dois senadores, o presidente e o relator substituto. O plenário passou a ter mais lobistas do que senadores. Os observadores enviados por associações de bets, casas de apostas e escritórios de advocacia ocupam os assentos destinados ao público externo.
No mês passado, durante um desfalque do presidente, a condução dos trabalhos foi delegada a Alessandro Vieira (MDB-SE). Ele reconhece que o resultado da comissão há de deixar a desejar.
“Aquele início turbulento seguramente atrapalhou bastante, uma série de dúvidas foram levantadas e isso dificulta o foco. Mas ao final imagino que tenhamos boas propostas legislativas. Vai ter algum resultado, mas distante daquele que poderia ser feito”, disse ao Estadão.
O senador se refere a uma denúncia apontada como o motivo da derrocada da CPI. O empresário e lobista Silvio de Assis, próximo da senadora Soraya Thronicke, estaria se apresentando a representantes de casas de apostas com a promessa de blindá-los de convocações e indiciamentos com base na influência que teria sobre integrantes da comissão.
A abordagem foi denunciada como achaque e pedido de propina. O empresário Fernando Oliveira Lima, o Fernandin Oig, de Teresina (PI), teria sido alvo do lobista, recusado o pagamento e reportado o que presenciou.
Àquela altura, as sessões eram marcadas por uma “blitz” de senadores da chamada “bancada das bets”, puxada pelo piauiense Ciro Nogueira (PP). Eles trabalhavam para esvaziar a comissão e evitar que empresas fossem investigadas. Com a denúncia, esses senadores passaram a afirmar que a credibilidade dos trabalhos foi comprometida.

Eles até articularam junto ao então presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), encerrar a CPI por antecipação. A iniciativa não foi exitosa, mas dali para frente a CPI perdeu força.
Com Alcolumbre na presidência do Senado, Hiran Gonçalves afirma haver um acordo para prolongar os trabalhos por mais 45 dias. O argumento foi o de espelhar a decisão que deu mais um mês e meio à CPI da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas, recém-encerrada.
Ao Estadão, a relatora insistiu na versão de que a presença do lobista Sílvio de Assis nos corredores da comissão tinha um propósito completamente diferente do que fora ventilado. “Aquele senhor que foi envolvido é um jornalista e está fazendo um documentário (sobre casas de apostas)”, disse.
A relatora promete entregar um relatório final para ser votado. Ela afirma que a CPI foi prejudicada por “senadores que trabalham contra”.
“Diante de retaliações, fake news e coisas não provadas, eu ergui minha cabeça. Ameaçaram esvaziar a CPI, que é o que está acontecendo. Quem esvaziou é o culpado. Eu falei: ‘vou ser a última pessoa a sair daqui’. Vou entregar o meu relatório. Se não quiserem votar, não votem”, afirmou à reportagem, em março.
Nesta terça, ela afirmou não estar segura sobre a manutenção do acordo de prorrogação, embora ainda não estivesse com seu relatório final pronto.
Antes de pedir a prisão em flagrante de um depoente, a estratégia da senadora para dar sobrevida à CPI e repovoar o plenário era trazer para depoimentos influenciadores que divulgam apostas legais e ilegais.
A retomada seria com a convocação de Deolane Bezerra, influenciadora com mais de 21 milhões de seguidores no Instagram e investigada na Operação Integration, em Pernambuco, por suspeita de envolvimento com jogos ilegais.
Também estava nos planos da relatora a convocação de Pamela Drudi, mulher de Fernandinho OIG, o empresário que relatou um suposto pedido de propina. O objetivo era reacender a polêmica da extorsão e forçar o ressurgimento dos senadores que esvaziaram a CPI.
“É o que quero (reacender o debate sobre a extorsão). Aquele senhor, inclusive, o Sílvio, protocolou aqui pedido para ser ouvido. Que votem. Eu quero ouvi-lo, porque ele foi caluniado junto comigo”, disse.
Os planos, entretanto, foram frustrados pela Justiça. Deolane conseguiu uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que a desobrigou de comparecer, e a CPI não analisou uma eventual convocação de Pamela Drudi.
Substituto eventual de Soraya na relatoria, o senador Izalci Lucas (PSDB-DF) afirma que o prazo de extensão acordado é pequeno. “Deve ser dado mais uns 40 dias, o prazo que não usamos no recesso. Com isso temos chance de concluir, evidentemente apenas com sugestões para mudar a legislação”, disse.