Juiz põe em prisão preventiva ‘contador’ de núcleo do PCC que se exibe em redes; ‘louco e sonhador’
A Justiça de São Paulo colocou sob prisão preventiva o contador Rodrigo de Paula Morgado, de 31 anos, apontado pela Polícia Federal como integrante do núcleo financeiro de uma ala do PCC que enviou oito toneladas de cocaína a bordo de veleiros com destino à Europa e África. Ele foi preso em flagrante na terça, 29, na posse ilegal de uma pistola Taurus 9 milímetros modelo G3C, no curso da Operação Narco Vela – investigação da Polícia Federal em parceria com forças especiais anti-drogas dos EUA, Espanha e França.
O Estadão busca contato com a defesa. À Justiça, ele alega ser primário e dono de “excelente reputação”.
Dono da Quadri Contabilidade, situada em Santos, no litoral paulista, Morgado é CAC (Colecionador, Atirador e Caçador) e se exibe nas redes ostentando requintes, a bordo de Ferrari e Lamborghini, e viagens internacionais por endereços paradisíacos.
Vaidoso, em seu perfil destaca que “veio de baixo”. Segundo diz, era tratado como “louco e sonhador”.
Ele teria ligações próximas com Marco Aurélio de Souza, o “Lelinho”, apontado pela PF como chefão do núcleo do PCC que mandava cocaína para o exterior em veleiros e lanchas de alta performance.

A PF prendeu Morgado em um hotel em São Paulo. Relatório de Inteligência Financeira do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) revela que ele é o controlador da Saito Construtora, fundada em maio de 2022. Em apenas sete meses, a empresa recebeu R$ 17 milhões “das formas mais bizarras possíveis”.
Os investigadores indicam que a empresa de Morgado aparece na “cadeia de pagamentos” da compra do veleiro “Lobo IV”, apreendido em fevereiro de 2023 pela Guarda Costeira americana com três toneladas de cocaína a bordo próximo ao continente africano. O confisco do “Lobo IV” foi o início da grande investigação que culminou na Operação Narco Vela, autorizada pelo juiz Roberto Lemos dos Santos Filho, da 5.ª Vara Criminal Federal de Santos.
Segundo o Grupo Especial de Investigações Sensíveis, braço da Coordenação Geral de Repressão a Drogas, Armas e Facções Criminosas da PF, a construtora informou, inicialmente, que faz venda de imóveis de heranças, mas não possui registro no Creci. Depois, alegou que “possui diversas obras em andamento em diversas localidades, o que justificaria o recebimento em espécie, porém sem documentos comprobatórios”.
“Pesam fundadas suspeitas de se tratar de empresa ‘fantasma’, laranja utilizada para ocultar os reais adquirentes da embarcação e para lavagem de dinheiro”, destaca a PF, amparada em relatórios do Coaf.
“Rodrigo de Paula Morgado possui atuação vinculada ao núcleo financeiro da organização criminosa sob investigação, exercendo papel relevante na estruturação de mecanismos voltados à ocultação e dissimulação de valores oriundos do tráfico internacional de drogas”, assinala a PF.

Embora não figure como executor de atos diretamente operacionais, a conduta de Morgado revela “papel estratégico no suporte à engrenagem financeira do grupo, notadamente pela utilização de sua condição de contador para constituir e manter empresas de fachada em nome de terceiros, muitos dos quais identificados nesta investigação, com o objetivo de viabilizar o branqueamento de capitais ilícitos”.
A Operação Narco Vela põe Morgado na condição de “elo entre empresas de fachada e a movimentação de recursos financeiros incompatíveis com a capacidade econômica de seus administradores”.
“Os elementos reunidos demonstram que tais empresas compartilhavam não apenas o mesmo responsável contábil, mas também apresentavam estrutura incompatível com os volumes financeiros movimentados, ausência de atividade operacional regular e vínculos societários entre si, sugerindo um sistema de interposição societária voltado à lavagem de capitais”, destaca a PF.
As transações entre essas pessoas jurídicas seguiram padrão de fracionamento típico de ocultação de origem de recursos, “indicando que a função exercida por Rodrigo Morgado extrapolava os limites de uma atuação meramente técnica ou contábil, colocando-o como provável operador financeiro da organização”.
A análise patrimonial também revelou “padrão de vida incompatível” com os rendimentos declarados por Morgado. “Viagens internacionais e elevado padrão de consumo, aliado aos demais elementos probatórios, reforça a hipótese de sua vinculação estrutural ao núcleo financeiro da organização criminosa liderada por Marco Aurélio de Souza, vulgo ‘Lelinho’.”
A extensão da atuação do contador que mostra luxos nas redes é detalhada em capítulo específico do relatório da PF dedicado à estrutura de lavagem de dinheiro utilizada pelo grupo.






Preventiva
Na audiência de custódia, conduzida na tarde desta quarta, 30, pelo juiz de plantão no Fórum Criminal da Barra Funda, Antonio Balthazar de Mattos, o suposto contador do PCC teve a prisão em flagrante convertida em preventiva – sem prazo para terminar. O juiz observou que Rodrigo Morgado tinha em seu poder a pistola automática de uso restrito, um carregador e 11 munições, sem documentação.
“Ora, quem, sem autorização legal, dispõe-se a andar armado, mormente se envolto em práticas ilícitas, salvo hipóteses excepcionalíssimas, está pronto a cometer os mais sérios crimes tipificados em lei”, advertiu Balthazar de Mattos. “A mera arguição de que circunstâncias judiciais favoráveis não é o bastante para impor o restabelecimento da liberdade.”
O juiz decidiu. “Conquanto primário, o autuado (Morgado) encontra-se vinculado a investigação federal, concernente a crimes afetos à Lei de Drogas, mais especificamente à Operação Narco Vela, que apura potencial tráfico internacional sob uso de veleiros e barcos, cujos indícios amealhados, inclusive, viabilizaram a expedição de mandado de busca e apreensão, além da imposição de cautelares diversas, em seu detrimento.”