Lei de Reciprocidade fortalece soberania e negociação, diz senadora Tereza Cristina

Aprovada recentemente, após mais de dois anos de debates no Congresso Nacional, a Lei nº 15.523, conhecida como Lei de Reciprocidade Comercial, oferece ao Brasil uma nova ferramenta para reagir a exigências desproporcionais de parceiros comerciais, especialmente em temas ambientais, sociais e sanitários. É o que diz a senadora Tereza Cristina (PP-MS), uma das principais articuladoras da proposta e relatora do projeto que deu origem à lei (PL 2.088/2023).
Em entrevista, a parlamentar explica como a legislação funciona, quais adaptações foram feitas durante a tramitação e por que o texto representa um marco na defesa da soberania nacional. A senadora é uma das participantes do evento Cenário Geopolítico e a Agricultura Tropical, promovido pelo Sistema CNA/Senar, em parceria com o Estadão Blue Studio e Broadcast Estadão, na próxima terça-feira, dia 6 de maio, em São Paulo. Leia os principais trechos da conversa.
Senadora, por que a aprovação da Lei de Reciprocidade é tão relevante neste momento?
Porque ela dá ao Brasil uma ferramenta inédita para reagir a exigências ambientais, comerciais ou sociais que ultrapassam os limites da razoabilidade. Não se trata de retaliação automática, mas de uma legislação que permite diálogo, negociação e, se necessário, contramedidas proporcionais. É um instrumento acima das medidas que hoje a Câmara de Comércio Exterior (Camex) já pode adotar. Por isso, essa lei protege a soberania nacional e amplia o nosso poder de negociação no comércio internacional.
A lei foi pensada após os embates com a União Europeia em relação à legislação ambiental. Como se deu esse processo?
Começou há cerca de dois anos, quando a União Europeia apresentou a lei Antidesmatamento, que desrespeita o nosso Código Florestal — um dos mais rigorosos do mundo. A proposta inicial precisou de ajustes, porque não podia ser dirigida a um único país ou bloco. Fizemos audiências públicas, ouvimos o setor privado e buscamos inspiração em leis semelhantes adotadas por União Europeia, Estados Unidos, China e Reino Unido.
E quais foram os principais pontos de debate durante a tramitação?
Houve preocupação com o impacto da lei sobre setores que dependem de crédito externo, como os produtores de soja e proteína animal. A lei não pode ser vista como uma ameaça, mas como um respaldo. Ela abre o caminho para o diálogo. Só em último caso é que se aplicam medidas mais duras, como restrições a importações ou suspensões de patentes.
Na prática, como essa legislação será aplicada?
Vamos supor que a União Europeia imponha barreiras a produtos brasileiros com base em critérios próprios, e não na nossa legislação. A lei permite que o governo brasileiro inicie negociações por meio do Itamaraty, da Camex e da Secretaria de Comércio Exterior. Se não houver acordo, o Brasil pode escalar a resposta — desde suspensões pontuais de importações até medidas mais complexas, como a propriedade intelectual. A lógica é: se há exigência de um lado, precisa haver reciprocidade do outro.
Outros países já tinham legislações semelhantes. Por que o Brasil demorou?
Porque essas leis foram criadas de forma preventiva, e nunca tinham sido aplicadas. A Europa, por exemplo, está agora revendo sua própria norma. O Brasil demorou porque sempre apostou nas instâncias multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), que hoje está enfraquecida. Mas a realidade mudou e era necessário estarmos preparados.
A lei prevê instâncias de negociação antes de qualquer retaliação. Que etapas são essas?
Primeiro, o Executivo precisa identificar a medida desproporcional adotada por outro País. Depois, inicia-se um processo de diálogo técnico e político. Se esse processo não avançar, o Brasil pode aplicar contramedidas de forma isolada ou cumulativa. O objetivo é sempre resolver o impasse pela via diplomática. A retaliação só acontece se todas as possibilidades de acordo forem esgotadas.
Qual a relação entre essa nova legislação e o enfraquecimento da OMC?
A OMC está paralisada. Desde o primeiro mandato do presidente Donald Trump, os Estados Unidos deixaram de indicar representantes para os painéis de arbitragem. Isso impede que disputas comerciais avancem dentro do sistema multilateral. Por isso, países como o Brasil passaram a adotar legislações internas para se protegerem.
A senhora participará do evento Cenário Geopolítico e a Agricultura Tropical, que terá a geopolítica como tema central. Qual a importância desse debate?
Estamos vivendo uma reconfiguração das relações comerciais e políticas globais. Participei recentemente de um encontro na Argentina com parlamentares da América do Sul, e o tema central foi justamente a Lei Antidesmatamento europeia. Os países estão se organizando para defender seus interesses em bloco. Discutir geopolítica agora é fundamental para entender como essas forças moldarão o futuro do agro.
O que o público pode esperar da participação da senhora no evento?
Vai ser uma discussão de alto nível, com especialistas que acompanham de perto os movimentos do comércio internacional. Vamos debater como o Brasil e os demais países da América do Sul devem se posicionar diante dessas turbulências globais — sejam elas causadas por guerras comerciais, mudanças climáticas ou transformações nos blocos econômicos. O momento é de atenção e ação coordenada.