Telefones criptografados e a nulidade da prova digital
O Supremo Tribunal de Belgrado, na Sérvia, deu um passo significativo na discussão jurídica internacional sobre provas digitais ao declarar inadmissível parte do material obtido por meio do aplicativo criptografado SKY ECC em um processo criminal. O veredicto, recentemente publicado no site oficial da Corte Suprema, reacende a polêmica global sobre a legalidade e confiabilidade de provas colhidas por meio de plataformas criptografadas sem autorização judicial formal ou respaldo técnico que assegure sua integridade.
Durante a audiência, o juiz responsável pelo caso afirmou que as supostas mensagens trocadas via SKY ECC não podem ser aceitas como prova em juízo sem evidências adicionais que corroborem os fatos descritos nas comunicações. A decisão ressalta que o conteúdo digital apresentado é “vulnerável” e carece de respaldo concreto que o conecte com ações reais.
Além de considerar o material inadmissível, o tribunal destacou que tais provas não possuem força probatória isolada, ou seja, não podem sustentar uma condenação por si mesmas. A corte frisou ainda que a utilização dessas mensagens como base para decisões judiciais representa grave violação aos direitos fundamentais garantidos pela Constituição sérvia e pelo arcabouço legal internacional.
A decisão toca em pontos sensíveis do debate jurídico, como o respeito à cadeia de custódia digital — essencial para garantir que os dados não foram adulterados — e a ausência de códigos hash que assegurariam a integridade das mensagens. Também foi levantada a questão da legalidade da interceptação em si: a coleta de dados teria ocorrido na França, sem autorização judicial ou consentimento da empresa SKY ECC, e os elementos probatórios teriam sido transmitidos informalmente pela Holanda, fora dos canais diplomáticos e sem um tratado de cooperação judicial regular.
A complexidade se acentua diante da falta de transparência. Segundo revelações recentes, o Ministério Público holandês teria admitido que a França quase não participou da operação que originou a coleta dos dados, embora estes estejam sendo apresentados como provas provenientes do governo francês. Com a operação declarada segredo de Estado, surgem versões conflitantes entre os países envolvidos, comprometendo a confiança mútua na assistência jurídica internacional.
Este veredicto da corte sérvia alinha-se a uma tendência crescente de questionamentos quanto à admissibilidade de provas obtidas de dispositivos criptografados como SKY ECC, Encrochat, ANOM e Matrix. Diversos tribunais europeus têm sido instados a revisar processos nos quais a principal base probatória se apoia em mensagens interceptadas sem garantias legais mínimas. Nesse cenário, ganha força a aplicação da chamada “teoria dos frutos da árvore envenenada”, que invalida provas derivadas de coletas ilegais.
A recente decisão do Tribunal Europeu de Direitos Humanos sobre o tema reforça o entendimento de que a legalidade da origem da prova digital, assim como sua integridade e contexto de obtenção, são indispensáveis para que se mantenha o devido processo legal e a presunção de inocência.
Com esse novo posicionamento, o Supremo Tribunal de Belgrado não apenas influencia o cenário jurídico local, mas contribui para o fortalecimento de um precedente jurídico que poderá impactar investigações e julgamentos em toda a Europa — e potencialmente no mundo.