29 de junho de 2025
Politica

Confiança, valor incomensurável

As recentes tarifas do presidente norte-americano já fizeram muitas vítimas, apesar de ainda não haver certeza se elas irão além do discurso.

Sem poder calcular o valor adicional de imposto a ser pago, os comerciantes e industriais devem estar em compasso de espera para fecharem suas compras. Essa insegurança compromete a eficiência dos mercados. Regras estáveis e conhecidas são pressuposto básico dos negócios; mas a situação de guerra tarifária parece desconsiderar esse argumento. As taxações e recuos do presidente americano deixam as pessoas envolvidas nesse imbróglio sem condições de prever os preços de seus produtos, pois, não sabem o custo final das mercadorias.

Os prejuízos financeiros já são calculados em muitos bilhões de dólares, mas além disso, suas ações minam a confiança que as pessoas nutriam nos Estados Unidos.

O presidente representa o país, foi eleito pela população, é natural que suas ações sejam interpretadas como sendo a vontade da nação.

Já visitei, a turismo, várias vezes, os Estados Unidos, mas este ano não irei. A forma como seu governo está tratando os estrangeiros não recomenda a viagem. Se o país é apenas para seu próprio povo, melhor os estrangeiros não irem para lá. Ao menos, até que voltem a ser bem-vindos.

Mesmo com o recuo na vigência das tarifas estratosféricas, não está claro que esse imbróglio tenha se encerrado. Deveremos ver muitos outros capítulos, enquanto o atual ocupante estiver na Casa Branca.

Neste momento, a confiança deixou de existir. E sem confiança, difícil fazer negócios.

Confiança é um pressuposto básico do sistema de relações humanas e, também, do sistema financeiro. Sem confiar, as pessoas não deixam seu dinheiro num estabelecimento bancário, sem confiança, não tomam empréstimos, não investem. O consumo é reduzido apenas ao necessário.

O comércio mundial está sofrendo um estresse significativo, dado o prenúncio de mudanças radicais. É óbvio que todo país tem o direito de estabelecer suas próprias tarifas, de escolher seus parceiros comerciais e até de se recusar a comprar ou vender para alguém. O problema é que a ordem econômica vigente foi criada em grande medida pelos Estados Unidos, que ainda é a maior potência econômica, e que possui relações comerciais com quase todos os países do globo. De forma que, a mudança de rumo – se não era uma novidade, pois, fora anunciada – provoca certo mal-estar nas contrapartes.

Quem acompanha as questões econômicas sabe que os Estados Unidos contabiliza um déficit comercial crônico faz tempo, especialmente com a China, mas com muitos outros países, e que isso precisava de correção. O problema é a forma e a velocidade da mudança de rumo, dar cavalo de pau num transatlântico derruba muita coisa, gera insegurança e deixa as pessoas em polvorosa.

Correções de rumo, ao longo da vida, são sempre necessárias. Quando podemos fazê-las gradativamente, ocasionam menor nível de stress. Quando abruptas, geram desconforto.

As pessoas e países que possuem relações comerciais com o país de Donald Trump, estão, nesse momento, desconfortáveis. Dizem, alguns órgãos de imprensa, que ele gosta de provocar esse sentimento nos outros. Afrontar o sistema estabelecido parece ser sua característica, afinal, isso gera notícia, muita notícia. E político gosta de ser o centro das atenções.

Mas voltemos a confiança. Para onde ela foi? Simplesmente, desapareceu.

O Mundo e suas relações comerciais não irão acabar; algumas rotas serão encerradas ou diminuídas, mas outras serão criadas e algumas, já existentes, se ampliarão, passando a desempenhar um novo papel.

O Brasil, na atualidade, possui mais comércio com a China do que com os Estados Unidos. Os dois países são parceiros comerciais importantes para nós, mas já faz algum tempo que a China assumiu a liderança em nosso comércio exterior.

Com os Estados Unidos, o Brasil importa maior valor em mercadorias, somos deficitários nessa relação. Com a China, a situação é diversa, exportamos mais e, consequentemente, somos superavitários.

A China compra mais do Brasil, mas vende muito para os Estados Unidos. Aliás, China e Estados Unidos são os principais parceiros comerciais um do outro. A grande questão é que isso vem gerando uma dívida gigantesca para os americanos, e uma enorme poupança para os chineses.

Como mudar isso rapidamente? É isso que o presidente americano tenta fazer, mas de forma atabalhoada e desrespeitosa, gerando enorme desconforto mundial, e jogando a confiança pela janela.

Dará resultado? Cedo para dizer. Alguma melhora no saldo do comércio exterior americano deve ocorrer, pois, a população deverá diminuir suas compras, dado que o aumento significativo nos preços de produtos importados será sentida rapidamente.

Acontece que isso não irá penalizar apenas as empresas chinesas, brasileiras e de outros países; mas penalizará muitas empresas americanas, as quais produzem suas mercadorias na China e adjacências e, depois, as trazem para os Estados Unidos via importação. Apple, Nike, a indústria automobilística e muitas outras possuem sede nos Estados Unidos, mas produção na Ásia.

Esse desenho complexo do comércio atual está sendo desconsiderado na política tarifária em curso. O Mundo não é mais quadrado, onde empresas americanas produzem suas mercadorias apenas em território americano, e empresas chinesas produzem apenas dentro da China. Brasil também. Há empresas brasileiras produzindo nos Estados Unidos e vendendo para a China. Empresas brasileiras com produção na Europa, na América Latina e até na China. Os celulares (e muitas outras mercadorias) atualmente possuem partes produzidas em vários países do mundo. Não possuem uma única nacionalidade, de forma que essas tarifas simplistas servem apenas para encarecer esses produtos, sem conseguir mudar sua natureza globalista.

As relações comerciais entre pessoas e empresas de países diversos é algo que ocorre há muitos séculos, há milênios. Mas ela sempre esbarra numa questão fundamental: confiança. Onde há confiança, as coisas acontecem; onde não há, ela empaca, estanca. As pessoas ficam se observando, medindo as atitudes do outro para saber como reagir. Sem confiança, as relações humanas não progridem. As pessoas ficam inseguras e, por isso, não mostram todo seu potencial.

Esperemos que esse período inicial de governo transcorra sem grandes novos incidentes, mas como a confiança desapareceu, difícil fazer qualquer prognóstico.

O certo é que o Mundo tomará novo rumo nos próximos anos. Os navios cargueiros chineses que partem diariamente em direção aos Estados Unidos, passarão a frequentar novas praias, e isso terá consequências. Para onde irão?

Onde encontrarem confiança de que serão bem recebidos.

Este texto reflete a opinião do(a) autor(a). Esta série é uma parceria entre o blog do Fausto Macedo e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica

 

 

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