CPIs viram cabo de guerra entre base e oposição e aprofundam crise entre Câmara de SP e gestão Nunes
A instalação de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) na Câmara Municipal de São Paulo segue travada por um impasse entre entre opositores e aliados do prefeito Ricardo Nunes (MDB). Embora quatro comissões tenham sido aprovadas em plenário há cerca de um mês, nenhuma delas foi efetivamente instalada até agora.
A assessoria da presidência da Casa chegou a anunciar um acordo entre líderes de bancada que viabilizaria a instalação de duas CPIs, uma para investigar os pancadões e outra para apurar a atuação da empresa Tools for Humanity, que ofereceu criptomoedas em troca do escaneamento da íris de cidadãos.
No entanto, o PT e o PSOL se recusaram a indicar seus respectivos integrantes às comissões, o que não só impediu a instalações dessas comissões como também resultou na extinção da CPI da Íris, que precisou ser votada novamente em plenário. Agora, os vereadores terão mais uma semana para indicar os membros.
Apesar do impasse, a vereadora Janaína Paschoal, autora da proposta, disse que não pretende recorrer à Justiça para exigir a instalação da CPI. Segundo ela, os vereadores estão “matando o Legislativo com esse excesso de judicialização”. “Vamos seguir dialogando internamente”, completou.
Integrantes da oposição, por outro lado, avaliam que a postura do presidente da Câmara, Ricardo Teixeira (União Brasil), ao não indicar os integrantes por ofício, prerrogativa que lhe é permitida, é uma estratégia para evitar a abertura de outras duas CPIs consideradas mais sensíveis para o Executivo.
Comissões viram foco de embate político na Câmara
A instalação das comissões virou um cabo de guerra entre opositores e aliados de Nunes. O impasse, marcado por articulações para barrar investigações incômodas à administração municipal, já provocou ações judiciais e ameaça aprofundar a crise entre os poderes Legislativo e Executivo na capital.
Desde o início do ano, o clima na Câmara é de instabilidade. Com uma base mais fragmentada que na legislatura anterior, Nunes enfrenta dificuldades para manter o controle político. Parte do problema se deve à atuação da chamada “bancada dos independentes”, vereadores ligados a siglas alinhadas ao governo, mas que adotam postura autônoma nas votações.

A tensão aumentou em abril, quando o plenário aprovou as duas primeiras CPIs da legislatura: uma para apurar as enchentes no Jardim Pantanal, na zona leste, e outra para investigar possíveis fraudes no programa de Habitação de Interesse Social (HIS). As propostas foram apresentadas por Alessandro Guedes (PT) e Rubinho Nunes (União), respectivamente, após um acordo entre base e oposição.
Apesar da aprovação, as investigações não avançaram. Pressionada pela Prefeitura, a base governista se recusou a indicar seus representantes, o que impediu a instalação das comissões. Pelo regimento da Câmara, uma CPI deve ser instalada em até 15 dias após a aprovação, sob pena de extinção. A norma também autoriza o presidente da Casa a nomear os integrantes por ofício, caso os partidos não o façam.
Diante da inércia, a oposição recorreu à Justiça para obrigar o presidente da Câmara, Ricardo Teixeira, a instalar as CPIs por ofício. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu liminar prorrogando o prazo, mas ainda não julgou o mérito do pedido.
Em reunião do Colégio de Líderes na terça-feira, 29, Teixeira afirmou que cumprirá eventual decisão judicial, mas não pretende agir por iniciativa própria. Segundo ele, a indicação de membros cabe aos partidos, e não ao presidente da Casa.
Paralelamente, a base aliada de Nunes articulou a criação de outras duas CPIs, aprovadas em 15 de abril. Uma investigaria os chamados pancadões – festas clandestinas com som alto – e outra, a atuação da empresa Tools for Humanity, que ofereceu criptomoedas em troca do escaneamento da íris de cidadãos.
A movimentação foi interpretada pela oposição como uma manobra para substituir CPIs com potencial de desgaste para a Prefeitura por comissões menos sensíveis. Em resposta, vereadores da oposição também deixaram de indicar representantes, travando a instalação das novas comissões. O prazo de extinção dessas novas CPIs ocorreu na quarta-feira, 30.
Rubinho Nunes, que também é autor da CPI dos pancadões, acionou novamente o TJ-SP pedindo a instalação da comissão e a prorrogação do prazo. Na ação, acusa o presidente da Câmara de descumprir o regimento ao não nomear os membros faltantes. Ele cita decisão do Supremo Tribunal Federal que, em 2021, determinou a instalação da CPI da Covid no Senado mesmo sem apoio da maioria, precedente que pode fortalecer a argumentação jurídica no caso paulistano.
Em entrevista ao Estadão, Rubinho Nunes avaliou que o principal fator de instabilidade na Câmara, hoje, é justamente a instalação das CPIs. “Houve um descumprimento de um acordo histórico, que é o de instalar as duas CPIs de consenso entre os vereadores”, afirmou, em referência às primeiras comissões aprovadas pela Casa.
Questionado se acredita em um acordo interno para resolver o impasse, o vereador, que é autor de duas das quatro CPIs aprovadas, respondeu que não. Segundo ele, como a questão já foi judicializada, a tendência é que os parlamentares aguardem a decisão do Tribunal de Justiça.
Líder do PT na Câmara, a vereadora Luna Zarattini disse à reportagem que as CPIs do HIS e do Pantanal não foram instaladas “porque houve ação deliberada dos partidos da base de apoio ao prefeito Ricardo Nunes e do governador Tarcísio de não indicarem os membros, pois querem impedir as investigações das fraudes de HIS e enchentes no Jardim Pantanal”.
A Prefeitura de São Paulo, por sua vez, nega qualquer interferência no Legislativo paulistano. “O Executivo pauta sua relação com a Câmara Municipal pelo diálogo e o interesse público”, informou a gestão municipal em nota.
Com quatro CPIs em compasso de espera, o presidente da Câmara se vê diante de um impasse político. Se instalar apenas as comissões ligadas à base, pode comprometer a imagem de neutralidade que tenta construir. Se permitir a extinção de todas, corre o risco de ser acusado de omissão. Já instalar todas as CPIs significaria uma derrota para a gestão Nunes.
Além do desgaste político, Teixeira também enfrenta ações judiciais por suposta omissão no caso. Outro nome atingido é o do líder do governo na Câmara, Fábio Riva (MDB). Alvo de críticas até entre aliados, Riva é acusado de fazer acordos que não cumpre. Há rumores de que poderá deixar o posto de líder. Aliados, contudo, alegam que uma eventual saída estaria relacionada a questões de saúde, e não a pressões políticas.