Impacto de aumento do número de deputados na Câmara e assembleias ultrapassa R$ 140 milhões por ano
O custo com o aumento do número de deputados federais aprovado pela Câmara dos Deputados pode ser maior do que o divulgado inicialmente pela Casa. Por causa do efeito cascata, o projeto abre margem para criação de 30 novas vagas de deputados estaduais, que podem custar mais de R$ 76 milhões por ano para os Estados — somado ao gasto extra de R$ 64,8 milhões da Câmara, o impacto total da proposta ultrapassa os R$ 140 milhões anuais.
O Estadão realizou levantamento nos portais de transparência de cada Legislativo estadual para calcular o custo de um deputado, levando em conta salário, cota parlamentar, auxílios e verba destinada ao pagamento de salários para os assessores do gabinete. A conta pode ser ainda mais cara: como as novas cadeiras valeriam apenas a partir da eleição de 2026, os salários e benefícios podem ser reajustados até lá.
As assembleias legislativas de todos os Estados mencionados no texto foram procuradas, mas não responderam. A exceção foi a de Santa Catarina, que informou que se manifestará “caso a proposta venha a ser sancionada e conforme as suas implicações”. O Estadão não conseguiu contato com a Assembleia Legislativa do Pará.

O especialista em gestão pública Wellington Arruda explica que o aumento no número de deputados vai gerar outros custos para cada Poder Legislativo além dos que entraram no levantamento Estadão. Ele cita eventuais despesas com carros oficiais, diárias e cursos para os parlamentares.
“A Constituição impõe um limite de gasto total do Legislativo com base na receita do Estado, mas dentro desse teto, quanto mais deputados, mais você “dilui” os recursos — ou seja, o custo geral da máquina legislativa sobe”, afirma Arruda.
Mato Grosso lidera o ranking do aumento de gastos. No Estado, cada deputado estadual recebe R$ 34,7 mil de salário e tem direito a nomear 60 assessores com custo máximo de R$ 180 mil por mês. O representante tem ainda R$ 65 mil de cota parlamentar, na qual pode pedir reembolso para despesas com alimentação, hospedagem, passagens aéreas, entre outras. Por ano, a conta fecha em R$ 3,57 milhões por deputado mato-grossense, o que significa R$ 21,4 milhões para bancar os seis novos mandatos que serão criados caso o projeto seja aprovado no Senado.
As assembleias do Rio Grande do Norte e do Amazonas também teriam direito a seis novos deputados. Os custos aos cofres estaduais seriam de, respectivamente, R$ 16,8 milhões e R$ 15,9 milhões. Cada parlamentar potiguar tem direito a 27 assessores.
“Esse aumento de deputados se trata, na verdade, de um mecanismo para conseguir mais cargos e, por consequência, mais recursos públicos para partidos e políticos, sem de fato aumentar representatividade. Afinal, uma solução também possível para manter a proporcionalidade das representações é reduzir algumas bancadas, mas isso é descartado”, afirma Marina Atoji, diretora de programas da Transparência Brasil.
Alguns dos Estados que ganharão deputados enfrentam dificuldades financeiras. Minas Gerais, onde o impacto é de R$ 2,6 milhões, e Goiás (2,3 milhões) estão no Regime de Recuperação Fiscal (RRF), programa do governo federal para renegociação das dívidas estaduais com a União.
Os governos mineiro e goiano receberam nota C na Capacidade de Pagamento, espécie de nota de crédito que o Tesouro Nacional atribui a estados e municípios de acordo com a situação das contas públicas. Embora não seja a pior classificação possível, que é D, a avaliação impede que esses três estados peguem novos empréstimos com garantia da União.
Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, diz que embora o impacto financeiro não seja relevante do ponto de vista da meta fiscal ou diante do volume de gastos públicos, a medida é “indesejável”.
“A pergunta que se coloca é: mais despesas permanentes com parlamentares para trazer que tipo de retorno à sociedade? O Congresso devia preocupar-se, neste momento em que uma crise fiscal se aproxima, com déficits recorrentes e dívida crescente, em colaborar para equilibrar as contas públicas, conter despesas e aprovar as iniciativas do governo que estão nessa direção”, declarou.
Pará (R$ 9,5 milhões) e Santa Catarina (R$ 4 milhões) ganharão quatro deputados, enquanto Ceará (R$ 2,25 milhões) e Paraná (R$ 1,9 milhão) receberão um parlamentar extra.
O projeto aprovado pela Câmara cria 18 cadeiras no Legislativo federal, distribuídas por nove Estados: Santa Catarina (+4), Pará (+4), Amazonas (+2), Mato Grosso (+2), Rio Grande do Norte (+2), Ceará (+1), Goiás (+1), Minas Gerais (+1), Paraná (+1). Todos esses Estados também terão aumento no número de deputados estaduais.
Isso ocorre porque a Constituição Federal estabelece que o número de deputados estaduais em cada Assembleia é calculado com base na bancada federal do Estado correspondente. Pela regra geral, cada deputado federal equivale a três estaduais. Mas, se a bancada tiver mais de 12 representantes, a conta muda: a partir do 13º, cada novo deputado federal acrescenta apenas um deputado estadual, e não mais três.
Com isso, Rio Grande do Norte, Amazonas e Mato Grosso ganharão seis deputados estaduais cada; Santa Catarina e Pará, quatro; e Minas Gerais, Paraná, Ceará, Goiás, um.
O projeto para aumentar o número de deputados federais é uma resposta da Câmara dos Deputados ao Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou a revisão da distribuição do número de deputados, de acordo com a atual população de cada Estado.
A Constituição Federal determina que a composição da Câmara deve ser proporcional à população de cada Estado do Brasil, e que ajustes necessários à proporcionalidade devem ser realizados no ano anterior às eleições.
A discussão no STF partiu de uma ação do governo do Pará que argumenta que a distribuição dos 513 deputados federais foi estabelecida em 1993 e que, desde 2010, tem direito a mais quatro parlamentares. O Supremo, então, estabeleceu um prazo de até 30 de junho deste ano para que o Congresso dê uma solução à questão.
Se a redistribuição ocorresse dentro do limite atual de 513 deputados atuais, isso implicaria que Estados que perderam população nos últimos anos também perdessem vagas no Legislativo federal. É o caso de Alagoas, Bahia, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Paraíba, Estado do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).
A saída encontrada foi aumentar o número total de deputados para 531, distribuindo as vagas para as unidades da federação que registraram aumento populacional, mas sem tirar deputados dos Estados que viram o número de habitantes diminuir.
“Perder essa representatividade é perder orçamento, tira vozes importantes e o critério também não é justo. Quem cresceu tem o direito. Penso que a solução seria um acordo, combinado com o Supremo, para que se aumente a quantidade de deputados federais e ninguém perca”, disse Motta em uma entrevista em fevereiro.