Mensalão, 20
Era 6 de junho de 2005, uma segunda-feira, quando a bomba explodiu. Roberto Jefferson, deputado federal pelo Rio de Janeiro e presidente nacional do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), tornava público o “mensalão”, esquema de compra de apoio parlamentar no Congresso Nacional, operado no início do primeiro mandato de Lula (2003-2006) via pagamento mensal de R$ 30 mil para deputados votarem conforme orientação do governo.
Jefferson, na verdade, não era ali propriamente um neófito. Estava em seu 6º (e último) mandato de deputado federal, eleito sucessivamente desde 1982. Integrou a “topa de choque” de Fernando Collor de Mello (1990-1992) durante o processo de impeachment que levou à renúncia do primeiro presidente brasileiro eleito por voto direto desde 1960. Collor renunciou acusado de corrupção envolvendo “sobras do caixa 2” da eleição de 1989.
Como se sabe, o termo “caixa 2” refere-se a “recursos não contabilizados”, sejam públicos ou privados, tornado chavão em campanhas eleitorais Brasil adentro. O escândalo que derrubou Collor, denunciado por seu irmão Pedro, foi objeto de investigação parlamentar capitaneada por um grupo de parlamentares do Partido dos Trabalhadores (PT), com destaque para José Dirceu, em seu primeiro mandato de deputado federal por São Paulo.
Nascido em 1980, na esteira das greves fabris do final dos anos 1970, fruto das contradições colecionadas naquela “abertura lenta, gradual e segura” posta em prática pela Ditadura Militar (1964-1985), o PT surpreendeu nas primeiras eleições diretas para presidente (1989). Lula desbancou Leonel Brizola do Partido Democrático Trabalhista (PDT), no 1º turno, para disputar e perder o inédito 2º turno para Collor, por 53% a 47%.
Mesmo com a primeira das três derrotas eleitorais de Lula (1989, 1994 e 1998), o PT saiu maior do que entrou, tornando-se o maior partido de esquerda no país e convertendo-se, logo depois, com a renúncia de Collor, em arauto nacional da luta anticorrupção. Imagem intacta, talvez com meros riscos, até Roberto Jefferson desnudar o “mensalão” executado por petistas e comandado, segundo ele, por José Dirceu, ministro da Casa Civil de Lula.
Jefferson, que estive na linha de frente na defesa de Collor, pertenceu à “base aliada” nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002). Assumiu a presidência nacional do PTB já no primeiro mês do governo Lula, em fevereiro de 2003, e conduziu seu partido, então com 23 deputados federais e 6 senadores, à “base aliada” petista. O acordo, soube-se em 2004, exigiu R$ 150 mil para cada parlamentar do PTB.
Acossado por manchetes de “compra do PTB pelo PT”, Jefferson ficou mesmo na berlinda em 18 de maio de 2005, com a divulgação das imagens de um diretor da Empresa de Correios e Telégrafos (ECT), estatal então controlada pelo PTB, recebendo R$ 3 mil de propina. O vídeo capta o agente público da ECT ligar diretamente Jefferson ao esquema. A criação da “CPI dos Correios”, com apoio de petistas e governistas, fez Jefferson atacar.
Seu alvo, o PT, em especial José Dirceu. Após a vitória de Lula, em 2002, o PT havia sido o partido mais votado nas eleições municipais de 2004, conquistando 411 prefeituras. Num lance, Jefferson fez ruir o histórico purismo petista, supostamente incorruptível. Lançou luz ao pragmatismo do PT, para consternação e dissidências diversas que culminaram, por exemplo, na formação do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) pouco tempo depois.
Jefferson fez mais. Exibiu em termos honestos os sinceros marcos do edifício democrático erguido desde o reestabelecimento dos governos civis na presidência da República (1985). Eram, em 2005, 20 anos de retorno à democracia civil que Roberto Jefferson celebrou imolando-se em rede nacional, levando consigo José Dirceu e todo o núcleo dirigente responsável por alçar Lula ao governo federal e ver o PT somar 1 milhão de filiados.
A “máquina eleitoral” do PT, sob o comando de José Dirceu, não pairava no ar. Industrial desde o berço, o PT conferiu larga escala a processos e procedimentos largamente conhecidos, tipicamente fisiológicos, muitos deles prosaicos, para composição de maioria governista no legislativo. O “moderno” toma-lá-dá-cá pode ser visto desde a Assembleia Constituinte (1987-1988), ao dar vida ao “centrão”. E não cessou, profissionalizando-se.
Com o “mensalão”, o PT fez atacado aquilo que antes era varejo. Industrializou a feitura e manutenção de maioria parlamentar valendo-se de expediente empregado pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), principal opositor dos governos do PT (2003-2016). O PSDB de Minas Gerais operou, na eleição estadual de 1998, a utilização de “caixa 2”, via agências de publicidade, para financiamento da campanha eleitoral. O PT federalizou.
O “mensalão” revelado por Jefferson envolveu 10 partidos, cassou mandatos e direitos políticos, resultou em condenações. 20 anos depois, haverá algo a comemorar?
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica