30 de junho de 2025
Politica

A leitura não pode ser vítima da insegurança tributária

Em meio a tantos desafios enfrentados pelo Brasil, a promoção da leitura deveria ser tratada como prioridade absoluta. No entanto, os entraves fiscais e a falta de clareza jurídica sobre a imunidade tributária do livro revelam que, na prática, o país ainda negligência a educação como instrumento de transformação social. Segundo dados da Associação Brasileira de Difusão do Livro (ABDL), o Brasil ocupa apenas a 27ª posição no ranking mundial de leitura. Esse não é um número apenas incômodo — é um retrato alarmante de uma sociedade que se distancia do conhecimento, da cidadania e da construção crítica.

O livro, em qualquer formato, é muito mais do que um produto comercial. Ele é um vetor de inclusão social, de emancipação intelectual e de fortalecimento da democracia. Quando o acesso ao livro é ameaçado, o que se coloca em risco não é apenas a saúde de um setor econômico, mas a própria base que sustenta um país livre, justo e desenvolvido. Defender o livro é, acima de tudo, defender a educação, a cultura e o pensamento crítico.

Ao longo dos anos, a Constituição Federal buscou proteger essa base ao garantir a imunidade tributária sobre livros, jornais e periódicos. Essa imunidade é um reconhecimento do papel estratégico da leitura para o país. A Política Nacional do Livro, instituída pela Lei nº 10.753/2003, e a previsão de alíquota zero de PIS e COFINS sobre a receita de livros, prevista na Lei nº 10.865/2004, são extensões dessa compreensão. No entanto, o distanciamento entre o que está escrito nas leis e a realidade vivida pelo setor livreiro é cada vez mais evidente. Editoras, distribuidoras e livrarias enfrentam custos crescentes, queda de receita e, para piorar, convivem com a insegurança jurídica que a falta de definições claras da Receita Federal impõe.

Essa situação se tornou ainda mais sensível com a evolução tecnológica. Em 2017, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário 330.817-RJ, reconheceu que o livro digital deve receber o mesmo tratamento jurídico do livro físico. Era uma decisão importante, condizente com a necessidade de ampliar o acesso à leitura em novos formatos. No entanto, a falta de regulamentação clara sobre como aplicar essa imunidade trouxe ainda mais dúvidas para o setor. Sem orientações objetivas, as editoras e distribuidores temem autuações fiscais e convivem com a insegurança, o que desestimula investimentos e reduz a capacidade de expansão do mercado.

O setor livreiro, representado pela ABDL, acionou o projeto Receita Soluciona, iniciativa recente da Receita Federal que pretende ampliar o diálogo com a sociedade civil. O pleito é direto: garantir a plena aplicação da imunidade tributária prevista na Constituição e assegurar a alíquota zero de PIS e COFINS para livros físicos e digitais. Não se trata de pedir um privilégio, mas de assegurar que o arcabouço jurídico vigente seja respeitado, fortalecendo o acesso ao conhecimento e estimulando o hábito da leitura em um país que precisa desesperadamente dele.

É importante ressaltar que a defesa da leitura como um direito social não é novidade. Em diferentes momentos da história, sociedades que investiram em educação e acesso à cultura alcançaram níveis mais elevados de desenvolvimento humano e econômico. Países como Finlândia e Japão são exemplos de nações que compreenderam que a leitura não pode ser um luxo reservado a poucos, mas uma ferramenta universal de construção social. Ignorar essa lição é caminhar na contramão da história.

No Brasil, onde as desigualdades sociais ainda são profundas, garantir o acesso irrestrito ao livro é também uma forma de combate à exclusão. Num cenário em que milhões de brasileiros dependem exclusivamente da escola pública para sua formação intelectual, qualquer obstáculo à democratização da leitura é, na prática, um obstáculo à igualdade de oportunidades. A leitura amplia horizontes, promove a cidadania e fortalece o espírito crítico. A falta de acesso, por outro lado, gera dependência, alienação e exclusão.

Além disso, o fortalecimento do mercado editorial é essencial para a sobrevivência de uma ampla cadeia econômica que envolve autores, ilustradores, tradutores, editoras, gráficas e livrarias. Proteger o livro é também proteger empregos e impulsionar a economia criativa. Em tempos de incertezas econômicas, apostar em setores que geram conhecimento, cultura e inovação é uma estratégia inteligente para o desenvolvimento sustentável.

A leitura não pode ser vítima da insegurança tributária. Nenhuma sociedade que pretenda se desenvolver de forma justa e democrática pode aceitar entraves fiscais que inibam o acesso ao conhecimento. A imunidade tributária do livro, seja ele físico ou digital, precisa ser defendida com clareza, compromisso e urgência. Não há futuro possível para um país que dificulta o acesso ao livro. Defender o livro é defender a educação, a liberdade e o próprio projeto de nação que ainda aspiramos construir.

 

 

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