IBGE vira o mundo de ponta-cabeça e Lula cai para fora do mapa
Os cidadãos dos Estados Unidos que se aventuram nas polêmicas das redes sociais descobriram espantados, na última semana, que não podem ser chamados de “americanos” e que o seu território, no mapa-múndi, fica “embaixo”, enquanto o Brasil fica “em cima”, bem no centro. Uma das coisas mais inúteis e divertidas para se fazer é acompanhar as discussões que se desenrolam sob as postagens sobre esses dois temas.
O primeiro foi motivado pela escolha do cardeal Robert Prevost para ser o primeiro papa americano. Habitantes dos países abaixo do rio Grande, que separa o México dos Estados Unidos, trataram de explicar que o primeiro papa americano foi Francisco, que nasceu na Argentina.

Leão XIV seria, na realidade, estadunidense. E a partir daí o ódio semântico se espalhou na forma de bytes. O segundo debate acalorado surgiu quando os gringos (outra das palavras aparentemente aceitas para designar quem nasce nos Estados Unidos, segundo os especialistas formados na Universidade X) tomaram conhecimento do mapa-múndi invertido lançado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
A versão impressa em tamanho A3 é vendida por 25 reais na loja online do órgão governamental. Duas discussões (ou provocações) que não levam a nada, mas que revelam o quanto as pessoas, e consequentemente também instituições e países, são carentes de motivos para se dar importância — e o quanto dependem de como são vistos pelos outros para construir a própria identidade.
O presidente do IBGE, Márcio Pochmann, um terraplanista econômico, explicou que o “planeta é redondo” e, por isso, não haveria nada de errado em colocar o território brasileiro no centro de sua representação plana. Mas há também uma justificativa política para a nova versão do mapa: o fato de o Brasil ter uma “ativa participação nos debates e perspectivas do Sul Global” e de “presidir o Brics e o Mercosul”, conforme descrição no site do IBGE.
Se o papel internacional desempenhado pelo governo Lula é tão relevante assim, por que, então, ele insiste em se enrolar em contradições na sua política externa? A diplomacia lulista tinha a possibilidade, diante do foco global na disputa comercial entre Estados Unidos e China, de deixar de lado suas tentativas atrapalhadas e inócuas de exercer influência em conflitos geopolíticos distantes da nossa região ou de retomar relações bilaterais com base em supostas afinidades ideológicas.
O momento pede um posicionamento equidistante e a chance de encontrar oportunidades estratégicas diante do desacoplamento das economias da China e dos Estados Unidos.
A viagem à China, esta semana, com uma agenda pragmática, é o caminho correto para isso. Um diálogo direto com o governo americano também será necessário, mas não há previsões de quando irá acontecer. Em vez de se restringir a iniciativas como essas, as tarifas subiram à cabeça de Lula e ele se pôs a filosofar sobre o fim da ordem mundial pós-Guerra Fria, com uma indisfarçável pontinha de satisfação por isso pressupor o fim da hegemonia americana, e a precipitar-se para assumir um lado.
Em entrevista recente a uma revista nova-iorquina, Lula avaliou que, em vez de um mundo mais civilizado e humano, o que se tem é um contexto com “gente má” saindo da lâmpada. Mas a “gente má” a que ele se refere aparentemente se restringe a líderes de extrema-direita do mundo ocidental. O ditador Vladimir Putin não entra na categoria de “gente má”, segundo Lula? Certamente não, porque o líder do país que está no centro do mundo invertido tratou de visitar o colega russo, em Moscou, para prestigiar o desfile das armas que servem para massacrar o povo ucraniano.
A Rússia faz parte do Brics, bloco de países emergentes, e assume-se como natural que Lula vá até Putin para uma conversa presencial, já que Putin não pode vir até Lula sob o risco de ser preso por crimes de guerra, como demandam compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. Essa é a explicação, insuficiente, para a viagem à Rússia.
O risco de a visita contradizer o discurso sobre a sociedade mais humana, civilizada e democrática que Lula diz querer construir não foi levado em conta? Ou simplesmente é uma aspiração que foi abandonada com a constatação de que a ordem pós-Guerra Fria está chegando ao fim? O IBGE virou o mundo de ponta-cabeça, a diplomacia petista perdeu seu norte e Lula caiu do mapa.