E se cuidar do meio ambiente significasse proteger quem você ama?
Depois da confissão feita por cientistas envolvidos nos estudos sobre cenários das mudanças climáticas — de que erraram desfavoravelmente em suas previsões — o mundo começa a admitir que os desastres climáticos e eventos extremos, semelhantes à ideia de fim do mundo, já estão acontecendo. E são irreversíveis.
Aquele cenário de um futuro desastroso em 50 ou 100 anos, que nos dava a sensação de que havia tempo para reverter o quadro caso agíssemos desde já, era ilusório. Cada vez menos os especialistas independentes falam sobre a urgência de mudança em benefício das gerações futuras. Em vez disso, o foco tem sido resiliência climática, gestão de riscos e, no nosso caso, como cientistas do Direito da Natureza e dos povos originários, a reconformação do sistema e de como contribuir com os povos tradicionais para sustentar o céu — parafraseando o sábio David Kopenawa, liderança do povo Yanomami, cujo saber foi retratado na obra A Queda do Céu.
A premissa ecocêntrica que defendemos desde a publicação da tese de doutorado Direitos da Natureza é a de que a Natureza não é um recurso econômico passível de exploração e de mera mensuração financeira. É um sistema vivo e interconectado, que inclui os seres humanos e além-humanos — inclusive aqueles que, à primeira vista, não parecem vivos, como as rochas, os minérios e a água.
Por sua conformação sistêmica, a Natureza guarda relações e inter-relações que pressupõem a interconexão entre os seres que a constituem. Daí decorre o fato da interdependência entre todos eles, todos nós, com a missão de manter, promover e abundar a vida na e da Terra.
Para as cosmovisões dos povos originários, indígenas e outros povos tradicionais, essas relações têm como centro uma mãe — assim como em muitas das nossas famílias, a Mãe Terra. Sagrada por ser provedora e mantenedora da vida, e de uma sabedoria organicamente inclinada à ação de amar – como traduz Humberto Maturana, autor chileno que descreveu durante seus quase 100 anos de vida, a teoria da Biologia do Amor.
Pois foi com o advento da primeira — e até agora única — Constituição Federal do mundo a reconhecer os direitos da Mãe Terra, a do Equador em 2008, que se inaugurou o programa Harmony with Nature, da ONU, do qual faço parte como especialista. A partir dessa iniciativa, foi instituído o Dia Internacional da Mãe Terra, em 22 de abril, como contraponto — ou melhor, como superação — da visão ambiental tradicional centrada apenas nas necessidades humanas, refletida no Dia Internacional do Meio Ambiente, celebrado em 5 de junho.
A proposta é a de que o modelo antropocêntrico de sociedade, que conserva pela própria definição, a ideia de que os seres humanos são soberanos sobre os demais seres diante da vida. Em seu lugar, propõe-se um paradigma centrado na vida em si mesma — onde a vida humana está em pé de igualdade com as demais formas de vida, como forma de garantir a vida de todos, inclusive dos próprios seres humanos.
No último dia 22 de abril de 2025, estivemos reunidos na sede da ONU, em Nova Iorque, para o Encontro de Alto Nível, promovido como um dos debates balizadores da Assembleia Geral. No Brasil, diversas organizações têm se dedicado a esse tema, com destaque para a atuação da OSCIP MAPAS, fundada por nós em 2004. Já são mais de 20 casos de reconhecimento dos direitos da Natureza em regiões e seres especialmente protegidos, como Rios e Montanhas.
Apesar da importância e legitimidade deste movimento global, com a participação de mais de 40 países com mais de 300 casos de reconhecimento de direitos à Natureza e das constantes ameaças socioambientais que o mundo vem sofrendo, as vozes da Natureza e das comunidades que a representam com legitimidade, como as populações indígenas e outras tradicionais e as organizações da sociedade civil, têm sido silenciadas, como aconteceu na própria reunião da ONU, quando no momento de abertura dos microfones encerrou-se a reunião da metade do tempo protocolar previsto.
No caso da ONU, chama a atenção o fato de ser subsidiada em sua maior parte pelos Estados Unidos, hoje liderado por um governo tipicamente silenciador de vozes. Se as Nações Unidas foram constituídas em Organização para compor um espaço de aberturas político-sociais, com essa nova orientação pode passar a ser chamada de Nações Desunidas.
Mesmo assim a esperança permanece e o movimento ecocêntrico só faz crescer. Desde a esperança renovada nos olhos de comunidades marcadas por tragédias: vítimas de vazamentos de gás e petróleo, ou que perderam a vida de seus familiares com os rompimentos de barragem da indústria de exploração dos minérios, ou ainda, aquelas que ficam sufocadas com a fumaça das queimadas, à adesão de algumas corporações que abrem espaço para inovações na gestão corporativa e no uso de ferramentas como o ESG, de maneira realmente inovadora e não como greenwashing.
A verdade é que nunca foi uma questão de políticas globais e sim das práticas alinhadas como seres da Natureza que somos, conviventes em uma diversidade comunitária.
Neste sentido, o resgate e compartilhamento dos saberes ancestrais sobre os princípios da vida tem contribuído para inspirar gestores e comunidades, promovendo uma bioinspiração genuína.
Agora, se avizinha o Dia Internacional do Meio Ambiente, ainda que baseado numa perspectiva puramente antropocêntrica, nossa esperança permanece com a nova oportunidade de dar vozes a todos da Natureza, inclusive aos seres humanos, mantendo a possibilidade de participar positiva e propositivamente da reconformação do sistema, ao mesmo tempo em que introduzimos novos conceitos ancestrais, mantendo uma rede interconectada de esperanças sustentada no Céu.
Cruzar os braços não é uma opção.