Vai de Bet: Polícia diz que R$ 1 milhão pago pelo Corinthians foi parar em conta de braço do PCC
Após quase um ano de investigações relatório da polícia concluiu que R$ 1.074.150,00 pagos pelo Corinthians à empresa que intermediou o patrocínio da Vai de Bet foram parar na conta bancária da UJ Football Talent Intermediação Ltda. Trata-se de uma das empresas apontadas pelo delator Antônio Vinícius Lopes Gritzbach como sendo parte do braço do Primeiro Comando da Capital (PCC) no mundo do futebol.

Para a polícia, o Corinthians foi vítima de um esquema que surrupiou o dinheiro dos cofres do clube. “Parece-nos nítido, destarte, que aqueles que deram causa ao desvio de dinheiro dos cofres do Sport Club Corinthians Paulista se utilizaram das tradicionais estratégias de lavagem de dinheiro para, não só introduzir os valores no sistema financeiro e distanciar o capital ilícito da sua origem, visando, assim, evitar uma associação direta com a infração antecedente” escreveu o delegado Tiago Fernando Correia, que presidente o inquérito do caso.
“O Corinthians não tem responsabilidade por qualquer direcionamento de dinheiro que não esteja na conta bancária do clube”, informou o clube.
O documento da polícia pode complicar ainda mais a situação de Augusto Melo, o presidente do Corinthians, que procura evitar sua deposição. A votação no Conselho Deliberativo do clube do impeachment do dirigente está marcada para 26 de maio. A oposição deve usar os novos dados para aumentar a pressão – Melo é alvo de quatro ações que buscam afastá-lo da presidência, a primeira surgiu em razão da Vai de Bet.
Gritzbach foi assassinado por policiais militares a mando de traficantes de drogas da facção em uma emboscada no aeroporto de Guarulhos, em novembro de 2024. Os dados obtidos com a quebra do sigilo bancário dos envolvidos no caso levou o delegado Correia, do Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania (DPPC), a concluir que o Corinthians foi vítima de um furto qualificado praticado por uma associação criminosa envolvida com a lavagem de dinheiro.

O delegado reconstruiu o caminho feito por dois depósitos de R$ 700 mil cada feitos nos dias 18 e 21 de março pelo Corinthians à Rede Social Media design Ltda, do empresário Alex Fernando André, o Alex Cassundé, cuja empresa foi escolhida por dirigentes do alvinegro para intermediar o patrocínio da Vai de Bet com o clube paulista. Foi por meio de papéis apreendidos pelos policiais com os dados bancários de depósitos feitos pelo Corinthians começou o caminho do dinheiro descrito no relatório até UJ Football Talent.
Da Rede Social, parte do R$ 1,4 milhão foi enviada por meio de dois pagamentos, nos dias 21 e 26 de março, à Neoway Soluções Integradas em Serviços e Soluções Ltda. A empresa foi usada como “laranja” para dissimular o destinatário final do dinheiro. Ela estava em nome de Edna Oliveira dos Santos, uma empregada doméstica que vive em Peruíbe, no litoral sul paulista.
É o que o delegado afirmou em seu relatório, apresentado no final da tarde desta quarta-feira, dia 14. O delegado afirma ter colhido “evidências robustas” de que a Neoway “era uma empresa fantasma”. Além dela, outras três empresas fantasmas comporiam o “mesmo grupo criminoso”: a ACJ Platform, a Thabs Soluções Integradas e a Carvalho Distribuidora.
O delegado escreveu: “Seja porque, conforme trabalhos de campo dos investigadores, jamais estivera constituída no local apontado na ficha cadastral Jucesp (Junta Comercial do Estado de São Paulo) como sendo a sua sede, seja porque no suposto endereço residencial documentalmente indicado como sendo o de Edna, um condomínio de apartamentos de alto patrão, ela nunca ali residira, nem sequer figurava, consoante informado aos policiais, como visitante”.
Seguindo o rastro do dinheiro, o policial verificou que no mesmo dia 26 de março, R$ 1 milhão foi transferido para a Wave intermediações e tecnologia Ltda, que registrou uma movimentação de R$ 13 milhões entre os dias 26 de março e 28 com a Wave. “Desta forma, os valores da suposta intermediação transferidos pelo Sport Club Corinthians Paulista à Rede Social e, depois, repassados à Neoway, haviam sido explicitamente direcionados para a Wave que, segundo se evidenciava, aparentava ser outra empresa fantasma”, escreveu o delegado.

Segundo o relatório, somente na agência do Banco do Brasil localizada na cidade de Presidente Prudente, a Wave “ousou movimentar, de agosto/2023 até setembro/2024, quase 290 milhões de reais!” Os policiais descobriram ainda que ela estava em nome de um motoboy, residente na Praia Grande, no litoral paulista. Na Jucesp, o endereço da empresa constava como sendo no Jardim Guarapiranga, na zona sul de São Paulo.
A hipótese que Neoway seria outra empresa fantasma ganhou ainda mais força quando foi confirmada a sequência do caminho do dinheiro do Corinthians. É que a Wave repassou R$ 874.250,00 à UJ Football Talent. Esta receberia ainda no dia 28 outros R$ 200 mil da Neoway Soluções Integradas, enviados à ela por meio de uma terceira empresa: a Victory Trading Intermediação de Negócios, Cobranças e Tecnologia Ltda.
E, assim, os dados demostravam que mais de R$ 1 milhão pagos pela intermediação do contrato com a Vai de Bet foram parar nas mãos da empresa delatada por Gritzbach. Ao mesmo tempo a quebra de sigilo parecia indicar que a Neoway teria retido para si R$ 42 mil do total recebido da Rede Social.
“Só que, em 27 de março de 2024, remeteu, via TED, R$ 40 mil para destinatário identificado no extrato apenas como TH. Detalhe, conseguimos qualificar TH, pois o CNPJ é aposto no extrato. Trata-se da Thabs Soluções Integradas (em reforço à conclusão de que possivelmente foram criadas por um mesmo grupo criminoso)”, afirmou o delegado.
Com todos esses dados reunidos, não havia mais dúvida para a polícia: “A UJ Football, com isso, se tornava a destinatária dos valores subtraídos do Clube do Parque São Jorge”. Mas era preciso continuar seguindo o dinheiro. Verificou-se então “numerosas transações financeiras suspeitas foram apontadas, de valores exorbitantes, realizadas tanto pela própria pessoa jurídica como pelo nominado sócio, sem olvidar da existência de depósitos em espécie de altas quantias”.

Em outra frente, os policiais apuraram as relações entre a Wave a Victory Trading. E descobriram que o sócio único da Victory, o empresário Victor Henrique de Oliveira Shimada “foi preso em janeiro de 2025 pela Polícia Federal, tendo permanecido por pouco mais de duas semanas detido, acusado, tudo indica, da prática dos crimes de furto qualificado e lavagem de dinheiro.”.
Para o delegado, ficou provado que a relação entre a Wave e a UJ Football, registrada em nome do empresário Ulisses de Souza Jorge, surgiu para um propósito específico: “acolher o capital desviado do patrimônio da agremiação corintiana e repassá-lo ao destinatário”. Ele concluiu que o caminho do dinheiro “parece demonstrar, com meridiana clareza, que o dinheiro furtado ali encontrou o seu ponto final”.
“Em suma, que o Sport Club Corinthians Paulista foi lesado, é indubitável; e concordemos que, não se trata de coincidência, muito menos de mero acaso, o dinheiro ter saído das contas de um renomado Clube brasileiro para ser abocanhado por uma afamada Agência de Assessoria Esportiva”, escreveu o delegado
Durante as investigações, Cassundé alegou em um depoimento que remetera dinheiro à Neoway porque fora vítima de um golpe. Mas documentação descoberta pela polícia mostrou que, pouco antes, “o Sport Club Corinthians Paulista nos enviara documentação na qual os dados bancários da Rede Social despontavam, curiosamente, os mesmos daqueles consignados no tal comprovante (apreendido pelos investigadores)”.
Depoimentos à polícia
De acordo com os depoimentos colhidos pela polícia, Cassundé teria recebido o dinheiro sob a argumentação de que teria apresentado ao clube a Vai de Bet. Durante as investigações, a polícia ouviu o presidente do Corinthians, bem como Marcelo Mariano, ex-diretor administrativo do clube, e Sérgio Moura, ex-superintendente de marketing, que teria feito o acordo para pagar Cassundé. Todos negaram irregularidades.
A história do caso Vai de Bet começou em janeiro de 2024, quando o Corinthians anunciou a empresa de apostas como patrocinadora máster. Era um acordo de R$ 360 milhões por três anos de contrato. O contrato, no entanto, foi rescindido em junho de 2024 pela Vai de Bet depois que se tornou público o repasse de dinheiro da “comissão” paga à Rede Media Social Ltda, intermediadora do contrato, à Neoway.
Alex Cassundé era um antigo membro da equipe de comunicação do presidente Augusto Melo. O contrato do Corinthians com a Vai de Bet previa o pagamento de 7% do montante líquido de cada parcela de patrocínio à intermediadora. Ou seja, 700 mil por mês ao longo de três anos, resultando em R$ 25,2 milhões ao fim do contrato.

Em depoimento à polícia, Cassundé negou ter cobrado por sua parte na negociação. Disse que não conhecia a Vai de Bet até perguntar por “dicas de como encontrar uma empresa de bet” ao ChatGPT, inteligência artificial generativa da OpenAI. Foi a partir da resposta, segundo ele, que encontrou a Vai de Bet e chegou ao contato de um sócio da casa de apostas. Cassundé, afirmou que então acionou Sérgio Moura e este encaminhou o contato da Vai de Bet a Marcelo Mariano.
Cassundé atuou na campanha de Augusto Melo à presidência , no final de 2023. Após seus depoimento, seu advogado, José Roberto Rodrigues, afirmou: “Não restou dúvidas que em momento algum ele exigiu de má fé ou praticou crime. Não tivemos intercorrência no ato e tudo correu da melhor maneira possível. Isso será demonstrado lá na frente”.
Acordo de delação e as empresas investigadas
Em seu acordo de delação premiada com os promotores do Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado (Gaeco), o empresário havia tratado da atuação do empresário de futebol Danilo Lima de Oliveira, o Tripa, dono da Lion Soccer Sports, que teria, segundo ele, participação também na UJ Football Talent. Gritzbach apontava Tripa e outro empresário – Rafael Maeda Pires, o Japa do PCC – como os dois principais responsáveis pela lavagem de dinheiro da facção no futebol.
Ueda teria participado do cotidiano das decisões da FFP Agency Ltda, do empresário Felipe D’Emílio Paiva, até ser encontrado morto, em 2023, dentro de seu carro, no Tatuapé, na zona leste de São Paulo. Tanto a FFP quanto a Lion negaram as acusações. As empresas apontadas por Gritzbach eram nomes importantes no segmento. Elas agenciaram jogadores que chegaram à seleção brasileiro e que jogaram por clubes das série A do Brasil, da Espanha, da Itália e da Inglaterra.
Meses depois de o Gaeco fechar o acordo com Gritzbach, a Polícia Federal (PF) prendeu outro suposto envolvido com o esquema de lavagem de dinheiro do PCC com ligações com o futebol. Tratava-se do policial civil Cyllas Elia, presidente e fundador do 2 Go Bank, uma fintech, também citado pelo delator em depoimento prestado no dia 31 de outubro, oito dias antes de o empresário ser assassinado.
A fintech negociava um contrato com o Corinthians para abrir uma espécie de banco do clube. Em nota, a 2GO Instituição de Pagamento informou na época que estava colaborando com as investigações. Já a direção do Corinthians confirmou que negociava com a fintech, mas disse que ela foi descartada no começo do mês de um processo seletivo que o clube está fazendo.

O Corinthians tinha o interesse de fazer uma integração financeira em diferentes áreas, especialmente ligada à Neo Química Arena, cuja dívida era superior aos R$ 700 milhões. O Estadão teve acesso ao projeto de 31 páginas apresentado ao Corinthians pela Fintech. O documento era assinado por Elia.
Além do banco oficial do Corinthians, ele previa oferecer uma plataforma de unificação das operações relacionadas ao programa Fiel Torcedor, vendas de alimentos e bebidas, aplicativo do clube. A parceria teria como princípio compartilhamento de receita líquida, com as partes dividindo os lucros gerados após a dedução dos custos operacionais. Pela exclusividade do projeto no período de 10 anos, o banco ofereceu luvas de R$ 100 milhões, com pagamento parcelado em quatro vezes.
O Estadão busca contato com os responsáveis e a defesa das empresas citadas.
O Corinthians informou que “o inquérito policial está sob segredo de justiça, portanto não tem nenhum comentário a adicionar”. “O Corinthians não tem responsabilidade por qualquer direcionamento de dinheiro que não esteja na conta bancária do clube.”