Como o homem apontado como o líder do PCC nas ruas se safou de todas as acusações na Justiça
Seu nome é Patrick Velinton Salomão. Mas ele é conhecido entre as autoridades que combatem o crime organizado no Brasil pelo seu apelido: Forjado. Todos são unânimes em afirmar que esse homem de 44 anos é o principal chefe em liberdade da maior facção que atua no País: o Primeiro Comando da Capital (PCC).

Mas se um policial o encontrar na rua, nada poderá fazer. É que Forjado virou uma espécie de Dom Teflon, como John Gotti, o chefe da máfia sículo-americana, que ganhou esse apelido no anos 1990 porque nenhuma acusação da promotoria parecia colar no mafioso nova-iorquino. Desde 2020, Forjado foi absolvido em sequência de todas as acusações movidas contra ele pelo Ministério Público.
E não foram poucas. Em 2020, o Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) pediu sua prisão e o denunciou na Operação Sharks ao lado de outros expoentes da organização criminosa, como Marcos Roberto de Almeida, o Tuta, preso na última sexta-feira, dia 16, em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia. Na época, os promotores qualificaram Forjado assim:
“Restou apurado que Patrick é integrante do PCC e ocupava, à época dos fatos, a função de sintonia final, atuando como testa de ferro das lideranças reclusas da organização criminosa, recebendo informações da rua por meio de cartas e transmitindo determinações oriundas do primeiro escalão do PCC”

Os promotores continuam a acusação afirmando que no material extraído do telefone de Robson Sampaio de Lima, até então o tesoureiro do PCC, havia imagens de uma carta de Forjado, na qual ele lamentava a prisão de José Carlos de Oliveira, o Xará, antecessor de Lima na direção do chamado Setor do Arame, o setor financeiro da facção.
Forjado dizia conhecer o setor de A a Z e repassa a Lima orientações. Na época, ele estava detido no sistema prisional paulista em razão de uma condenação a 15 anos de prisão por tráfico de drogas, porte ilegal de arma, formação de quadrilha e roubo.
Em outra carta, apreendida na operação, Forjado e Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, orientavam integrantes do bando em liberdade sobre a compra de armas e drogas. Um de seus contatos era Odair Lopes Mazzi Junior, o Dezinho, o Bandido Ostentação.

Forjado atuava ainda na Sintonia do Progresso, a área responsável pelo tráfico de drogas no Brasil. “Como resultado dos lucros auferidos com o tráfico de drogas, Patric fazia diversas remessas de valores para os cofres do PCC, valores que eram contabilizados pelo setor financeiro como entradas em nome de ‘RB’”, escreveram os promotores.
Nada disso convenceu a Justiça que, em primeira instância, absolveu Forjado. O Gaeco recorreu da decisão ao Tribunal de Justiça de São Paulo, enquanto isso, o acusado concluiu o cumprimento de sua pena e deixou a Penitenciária 2 de Presidente Venceslau em 14 de março de 2022. Em março de 2023, ele seria novamente alvo das autoridades de combate ao crime organizado. Era a Operação Sequaz, da Polícia Federal.
Os investigadores da PF descobriram por meio da quebra do sigilo telefônico de Janeferson Aparecido Mariano, o Nefo, chefe da célula 5 da Sintonia Restrita do PCC, que Forjado estava envolvido no plano de sequestro do senador Sérgio Moro (União-PR). A Restrita é o setor da facção encarregado de assassinatos e sequestros de policiais, autoridades e políticos e o resgate de presos.

Escreveram os investigadores: “Identificamos dados referentes a Patrick, vulgo Forjado, nas agendas das contas de telemática (ligadas a Nefo, assassinado pelo PCC em junho de 2024 em razão do descuido com suas agendas). Dessa forma, mesmo que Patrick possa ter tratado de diversos assuntos com Janeferson e os demais, impossível dissociar um dos poucos representantes da Sintonia Final do PCC das ações contra o senador Moro”.
Forjado aparecia nitidamente em uma conversa de vídeo entre os executores do plano. Quando foi preso em março de 2023 pela PF, Nefo não sabia que os federais conheciam o plano de sequestro do senador. Mandou então um recado para Forjado, já então o Sintonia Final da Rua, sugerindo a suspensão temporária de todas as ações em andamento e mudarem “todo tabuleiro” (casa, carro, pessoas, etc.), para a proteção dos planos e dos criminosos envolvidos.
Desta vez, os investigadores acusaram Forjado de sequestro e organização criminosa, mas o homem mais uma vez se viu livre de uma condenação que podia lhe render mais 15 anos de prisão. “O Forjado foi absolvido na Sharks, eu recorri mas está no TJSP para julgamento. Ele estava também naquele processo do Moro, mas foi absolvido”, afirmou o promotor Lincoln Gakiya, um dos responsáveis pelas acusações contra Forjado.
Por fim, no ano passado, Forjado chegou a ter a prisão temporária decretada na Operação Decurio, que apurou um esquema de lavagem de dinheiro da facção e o uso de dinheiro do crime para financiar candidaturas a vereador na Grande São Paulo.

Para o promotor, Forjado e outros integrantes da cúpula do PCC em liberdade estão escondidos na Bolívia, que se transformou nesta década em um santuário para os chefes da facção criminosa. Gakiya não tem dúvida de que ele ocupa hoje o posto de Sintonia Final da Rua e chefia a facção ao lado de Pedro Luiz da Silva Soares, o Chacal, o outro Dom Teflon do PCC.
Chacal deixou a cadeia em 2023 – ele estava na Penitenciária Federal de Mossoró (RN). Em 2015, havia sido preso em flagrante, em 17 de outubro daquele ano, quando seu bando pretendia resgatar Marcelo Vieira, o Capetinha, que estava detido na penitenciária de Avaré. Capetinha estava internado em um hospital que seria invadido por Chacal e seus homens.
Com o grupo, os policiais apreenderam dois fuzis e quatro pistolas. “O Chacal saiu em liberdade, de pena cumprida, e não tem nenhum mandado de prisão contra ele”, afirmou Gakiya.

Há 12 anos o promotor assinou pela primeira vez uma denúncia criminal na qual constavam os nomes de Forjado e Chacal. Tratava-se da maior ação feita até então contra o PCC: a denúncia por formação de quadrilha contra 175 chefes e gerentes da organização. Forjado era o número 9 da lista liderada por Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola; Chacal ocupava o 13.º lugar. Estavam no chamado Apoio da Sintonia Final geral da facção.
Assim os promotores descreveram a função de Forjado, Chacal e seus colegas: “Setor formado por integrantes do PCC que estão reclusos na Penitenciária II de Presidente Venceslau e que na falta de um dos sintonias finais, prestam apoio a estes no desempenho das funções de liderança da organização, retransmitindo as ordens e diretrizes estabelecidas pela cúpula da facção aos demais membros do PCC”.
Na época, os promotores interceptaram diversas conversas de Forjado, como a do dia 30 de setembro de 2010, com Samuel dos Santos, o Tio Pec. Ele pede a outro preso que anotasse em uma planilha a entrada de 15 Cherokee (pistolas) para Wellington Fernandes e 9 fuzis para o traficante Edmilson Borges Nogueira, o Birosca. Ou quando, em 16 de dezembro de 2012, ele disse a Fabiano Alves de Sousa, o Paca:
“A Baixada (FM, pontos de venda de droga) deu uma bombada, bateram recorde (arrecadação de dinheiro do tráfico). Aquele ‘cash back’ (pode ser droga ou dinheiro) da Baixada, cujo relatório foi para Paca, já levaram embora, só está faltando o Velho Artista (Rodrigo Cid Gonçalves Campos, vulgo Didi) encostar e levar embora (ouça aqui parte dos áudios do PCC interceptados pelo Gaeco).”

De lá para cá, os promotores têm certeza de que nada mudou. Chacal e Forjado continuariam a ser peças fundamentais não só para para que as ordens dos chefões do PCC cheguem às ruas. Mas também para que sejam executadas a fim de garantir os lucros bilionários do grupo. E com a fartura de dinheiro, os bandidos do PCC e seus familiares conseguiram contratar bancas de advocacia famosas. A defesa dos réus se profissionalizou para que nenhuma acusação mais cole nos acusados.