30 de junho de 2025
Politica

Quando as ameaças ao STF não passam de encenação

O número de decisões da Suprema Corte brasileira que contrariam interesses de parlamentares aumentou muito nas últimas duas décadas. Segundo levantamento do Estadão, decisões do STF com impacto direto sobre mandatos legislativos saltaram de 36, entre 1988 e 2004, para mais de 700, entre 2005 e 2025.

Casos recentes ilustram essa tendência. A Primeira Turma do Supremo reverteu decisão da Câmara que havia suspendido a ação penal contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), investigado por tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes. Pouco depois, a mesma Turma condenou a deputada Carla Zambelli (PL-SP) a mais de dez anos de prisão, com perda de mandato, pela invasão do sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

O custo de coordenar uma ofensiva contra o STF é altíssimo no ambiente fragmentado e polarizado do presidencialismo multipartidário brasileiro
O custo de coordenar uma ofensiva contra o STF é altíssimo no ambiente fragmentado e polarizado do presidencialismo multipartidário brasileiro

Embora uma parcela expressiva do Legislativo reaja com irritação a decisões desse tipo — o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), inclusive, levou o caso Ramagem ao próprio STF —, a maioria dos parlamentares tem optado por tolerar o protagonismo judicial. A razão é simples: retaliações concretas contra o Supremo são, em regra, inviáveis.

Mesmo quando propostas surgem — como a PEC que pretende proibir decisões monocráticas de ministros que suspendam atos do Executivo e do Legislativo —, elas permanecem no plano simbólico. Nenhuma medida efetiva de limitação ao Judiciário foi aprovada.

Por que, afinal, o Congresso ameaça, mas não reage? Porque o custo de coordenar uma ofensiva contra o STF é altíssimo no ambiente fragmentado e polarizado do presidencialismo multipartidário brasileiro. Além disso, há o risco de retaliação futura por parte do Judiciário. O cálculo racional, portanto, favorece a contenção por parte do legislativo.

Outro fator é a percepção dominante entre os ministros do STF: eles sabem que as ameaças quase sempre partem de uma minoria derrotada — sem força para consolidar maioria em torno de reformas punitivas. Desde 1986, nenhum partido obteve maioria parlamentar isoladamente. O máximo que se viu foi um partido alcançar cerca de 20% das cadeiras. A resultante disso é clara: iniciativas de “court-curbing” — projetos que visam restringir o poder dos tribunais — dificilmente passam de bravatas.

Esses projetos, em geral, cumprem uma função distinta: são gestos de posicionamento político (position taken). Parlamentares os utilizam para sinalizar alinhamento com suas bases ou eleitores insatisfeitos com decisões judiciais específicas. Sua função é eleitoral, não institucional. Por isso, o Supremo raramente os interpreta como ameaças reais à sua autoridade.

No entanto, o aumento da frequência desses projetos pode, com o tempo, corroer a legitimidade institucional do Judiciário. Mesmo sem efeito prático imediato, eles lançam dúvidas sobre o papel da Corte como árbitro imparcial da Constituição. E, nesse ponto, tornam-se perigosos.

No artigo “Judicial Guardians: Court-Curbing Bills, the Supreme Court, and Judicial Review”, as pesquisadoras Lisa Hager e Alicia Uribe-McGuire mostram que os Ministros da Suprema Corte americana reagem a esse tipo de pressão, mesmo sem clareza sobre sua motivação ou alvos específicos. Para as autoras, a Suprema Corte age não apenas para defender sua autoridade, mas como guardiã de todo o sistema de Justiça.

No caso brasileiro, as ameaças não têm sido críveis, mas tampouco irrelevantes. Ainda que simbólicas, essas ameaças testam os limites da resiliência institucional — e os ministros do STF estão plenamente cientes disso.

 

 

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