30 de junho de 2025
Politica

Desjudicialização das execuções: a maior reforma judiciária do mundo

O Brasil enfrenta um gargalo que tem impacto direto na economia do país: o congestionamento das execuções e a lentidão na recuperação de dívidas. Segundo o último relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Poder Judiciário encerrou o ano de 2023 com 83,8 milhões de processos em tramitação, dos quais 15,18 milhões eram execuções cíveis (11,3 milhões cumprimentos de sentença e 3,8 milhões execuções de títulos extrajudiciais). Desse total 78 milhões estão em primeira instância, dos quais mais da metade (56,6%) estão na fase de execução.

O tribunais têm dificuldade em dar vazão a esses processos. Apesar de ingressarem no Poder Judiciário o dobro de processos de conhecimento do que de execução, o acervo apresenta uma figura inversa na qual as execuções são quase o dobro das ações de conhecimento, já que apenas 15% das execuções resultam em pagamento do credor. A taxa de congestionamento (razão entre casos pendentes e casos novos) nas execuções extrajudiciais não fiscais foi de 87,3% contra 64,8% nas ações de conhecimento não criminais, evidenciando a marcante dificuldade do Poder Judiciário em dar solução a esse tipo de processo.

Esses entraves para recuperar créditos aumentam o risco de inadimplência, que são convertidos ao mercado na forma de juros mais altos, o que encarece o financiamento da atividade produtiva e restringe o consumo. O risco de recuperação do crédito é uma das causas para a taxa média de juros cobrada pelos bancos para pessoas físicas e jurídicas ser tão elevada no país. Em fevereiro de 2025, a taxa chegou a 43,7% ao ano, maior patamar desde maio de 2023, quando a taxa foi de 44,2%, segundo dados do Banco Central.

Para ajudar a solucionar o problema, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei nº 6.204/2019, que propõe a desjudicialização dos cumprimentos de sentença e execuções cíveis, de forma facultativa a critério do exequente (que ainda poderá contar com a execução judicial, caso o prefira), transferindo sua tramitação para os tabeliães de protesto. A desjudicialização das execuções gerará uma significativa melhora na taxa de recuperação de crédito. A formação dos juízes, predominantemente jurídica e dogmática, está focada na interpretação e aplicação do direito, sem ênfase nas habilidades práticas necessárias à efetiva realização de um crédito, que dependem de estratégias de localização de pessoas, avaliação e alienação de bens.

Ao transferir as execuções para agentes profissionais externos — que atuam com maior agilidade, ferramental tecnológico e conhecimento técnico voltado para a liquidação de bens e maximização do seu valor de venda — espera-se uma elevação expressiva na eficiência desses procedimentos, gerando benefícios diretos para os credores, com a maior satisfação das dívidas, dos devedores, com a liquidação dos ativos a preços mais elevados, e do mercado em geral, com a mitigação dos riscos de crédito e redução dos juros.

O Brasil conta atualmente com aproximadamente 3.800 tabeliães de protesto, distribuídos por todos os estados e com presença em praticamente todos os municípios, treinados na avaliação jurídica da validade e exigibilidade de títulos, prontos para contribuir com essa tarefa. Essa capilaridade permite que a demanda das execuções extrajudiciais seja absorvida sem interrupção ou comprometimento da qualidade do serviço, garantindo ao mercado acesso mais próximo e eficiente aos mecanismos de cobrança, inclusive em regiões onde o Judiciário enfrenta maiores dificuldades operacionais.

Importante destacar que a desjudicialização não implicará perda de arrecadação para o Judiciário. O projeto de lei prevê que os cartórios repassarão parte de suas receitas aos tribunais, assegurando a manutenção do fluxo financeiro do sistema. Além disso, a experiência de reformas com ganhos de eficiência mostra que, com o aumento da efetividade na cobrança, é esperado um crescimento significativo do número de execuções extrajudiciais, com reflexos diretos na arrecadação geral. Há ainda uma sensível economia de custos já que espaços, material e equipamentos destinados ao gerenciamento de 2/3 do acervo podem se tornar desnecessários.

Essa proposta também se alinha às tendências internacionais de racionalização da função jurisdicional, concentrando a atuação dos juízes em causas que efetivamente demandam interpretação jurídica. Países como França, Itália e Alemanha adotaram sistemas híbridos de execução com grande êxito, ampliando a confiança no sistema de justiça e proporcionando maior segurança jurídica. A implementação da execução extrajudicial configura, portanto, uma relevante reforma microeconômica. Tais mudanças estruturais têm o potencial de impactar positivamente o crescimento econômico, a geração de empregos e o desenvolvimento sustentável.

A aprovação do PL 6.204/2019 pode posicionar o Brasil como referência internacional em reformas judiciais modernas, promovendo uma transformação estrutural no sistema de execução civil. Essa evolução trará impactos duradouros, com ganhos para credores, devedores, o Estado e toda a sociedade. Sua implementação pode resultar em uma justiça mais eficiente, acessível e alinhada às demandas contemporâneas, promovendo não apenas melhorias institucionais, mas também um ambiente econômico mais saudável e propício ao desenvolvimento.

 

 

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