A máfia está mais viva do que nunca
A história das organizações mafiosas italianas caminha de mãos dadas com o cinema. A partir do século XX, tivemos inúmeras produções cinematográficas que retrataram esse estilo de vida.
O estilo de vida mafioso se tornou admirado e até copiado, servindo para brincadeiras entre amigos, ao reproduzirem falas marcantes de mafiosos retratados nas telas do cinema.
É bem possível que você, mesmo que não seja um grande conhecedor da história italiana, tenha ouvido falar no termo “máfia”, comumente utilizado como adjetivo de cunho negativo ao que ele está qualificando.
A título de registro histórico, o termo máfia teve, inicialmente, uma adjetivação positiva, de homens camponeses honrados, que se uniam com o propósito de lutar contra a tentativa de confisco, em suas terras, sugerida pelo Reino de Nápoles.
Com o passar dos anos, a máfia se distanciou da ideia originária e passou a atuar violentamente, de forma escusa, com fins lucrativos, gerando repulsa à sociedade. Objetivando sair das manchetes policiais e mascarar a sua forma de atuação mantendo o foco de caráter financeiro, a máfia diversificou os seus investimentos em atividades ilícitas.
Assim como todo grande conglomerado empresarial de sucesso, as organizações mafiosas também se expandiram, com ramificações, espalhando-se por todo o mundo, desde os Estados Unidos, com as famosas “famiglias” de Nova Iorque”, até o Brasil, inspirando a criação e a organização interna do “Primeiro Comando da Capital”, popularmente conhecido como PCC.
A título exemplificativo, tomando-se por base a organização mafiosa Cosa Nostra, a sua estruturação interna parte da família, sendo essa a célula-base, com cada família constituída por soldados, “homens de honra”. Cada grupo de 10 soldados é coordenado por um “capodecina”. Os membros elegem um “chefe”, chamado de “capofamiglia”, assistido por um conselheiro. Ainda nessa estrutura, destaca-se que três ou mais famílias constituem “um mandamento” e nomeiam um “capomandamento”.
A partir dessa estruturação, os chamando “capomandamentti” irão compor um organismo colegiado, cujo objetivo é determinar as ordens a serem seguidas pelas respectivas famílias, cuja presidência compete ao “Capo”.
Percebe-se que as organizações mafiosas e, consequentemente, criminosas, detém uma estrutura marcadamente empresarial, com a adoção de técnicas cada vez mais especializadas para a lavagem de seus produtos ilícitos, permitindo o reinvestimento nas atividades criminosas, bem como a adoção de um padrão de vida luxuoso por parte de seus membros.
Recentemente, alinhadas a esse pensamento, a mídia divulgou notícias sobre organizações mafiosas italianas, que utilizaram o sistema financeiro nacional brasileiro para lavar mais de 12 bilhões de reais na última década, incluindo, nessa lista, a compra de postos de gasolina e de imóveis para a ocultação ou dissimulação da origem ilícita dos valores. Operações que estariam sujeitas à comunicação de atividades suspeitas por parte daqueles que atuam na venda ou comercialização desses bens.
Com as novas tecnologias, os métodos utilizados para lavar dinheiro são cada vez mais sofisticados. A exemplo, o uso de criptomoedas, cuja estruturação em blockchain, protegidas por criptografia de ponta a ponta, torna árdua a missão de realizar o rastreio do dinheiro.
Dessa forma, é fundamental a atuação preventiva ou prontamente repressiva quanto ao crime antecedente, a fim de estagnar a atividade das organizações criminosas. Sendo imprescindível a atuação da Unidade de Inteligência Financeira, com o imediato rastreio e a pronta comunicação de qualquer atividade incomum apresentada pelos participantes.
Além disso, limitar com altas taxações ou até proibir o uso de criptomoedas, em território nacional, seria a política mais efetiva em face dessa brecha disfarçada de proteção à privacidade, encontrada pelos criminosos das grandes organizações que investem nesse mercado, os quais se blindam de qualquer atuação repressiva estatal e mantêm o investimento ilícito no decorrer de suas atividades.
Após esses anos de experiência com esse tipo de moeda, presenciamos que as criptomoedas serviram de convite para atividades criminosas, sendo um risco para qualquer investidor, que pode perder todo o seu capital a partir de atuações fraudulentas, sem qualquer chance de reparação posterior.
Nesse contexto, organizações tão bem estruturadas como a máfia, não mais identificadas facilmente como outrora, precisam ser atacadas na raiz de suas atividades. A partir do momento da primeira fase da lavagem, chamada de colocação, já não é mais possível separar o dinheiro lícito do ilícito.
Em termos de legislação, o denominado Pacote Anticrime trouxe avanços de extrema relevância, destacando-se o confisco alargado, bem como as alterações promovidas na Lei de Organizações Criminosas quanto à colaboração premiada, porém não é suficiente, sendo fundamental o investimento em inteligência e contrainteligência, com uma atuação pautada em bases de dados intercomunicáveis por órgãos especializados em delitos dessa natureza.
A vitória contra o crime organizado significará a derrota da corrupção. Para isso, basta disposição, boa vontade e muita coragem. O Brasil não pode ser refém do crime organizado e nem permitir que ele ingresse nas suas instituições.
O mundo não pode e não deve temer o crime. Pelo contrário, deve punir, com o rigor da Lei, aqueles que adotam tal comportamento, atacando diretamente o mecanismo da corrupção que protege as organizações criminosas. Só assim, por meio da Lei e da Ordem, sem leniência com o crime, será possível entregar um país melhor para as futuras gerações.
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica