Com aquela roupa, esperava o quê? A violência silenciosa contra a mulher que persiste nos tribunais
“Mas por que ela estava naquele lugar? Com aquela roupa, esperava o quê? Será que foi mesmo assim?” Frases como essas, infelizmente, ainda ecoam dentro e fora das salas de audiência. Elas são apenas a superfície de uma violência estrutural e muitas vezes invisível: a revitimização da mulher, especialmente em casos de violência sexual e doméstica. Trata-se de uma prática que, embora condenável, ainda é alimentada por instituições que deveriam justamente proteger quem denuncia.
Quando falamos em revitimização, estamos tratando de uma forma de violência psicológica institucional, onde a palavra da vítima é sistematicamente colocada em dúvida. Isso acontece nos interrogatórios, nas perguntas feitas com tom acusatório, nas insinuações sobre comportamento, roupas, histórico sexual. Muitas mulheres que denunciam abusos saem do processo mais feridas do que entraram, esmagadas pelo julgamento público e jurídico.
Essa lógica perversa não é um erro isolado. Ela é fruto de uma estrutura patriarcal profundamente enraizada no sistema judiciário e nas instituições sociais. O corpo da mulher é constantemente objetificado, sua voz é desacreditada e sua dor é relativizada. Quantas vezes vimos defesas tentarem deslegitimar denúncias com base em fotos, roupas ou relacionamentos anteriores da vítima? Quantas vezes mulheres são tratadas como mentirosas, histéricas ou “interesseiras”?
Felizmente, alguns avanços têm sido feitos. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou um protocolo orientando juízes sobre como evitar a revitimização durante audiências, especialmente em casos de violência sexual. A Lei Mariana Ferrer, nascida após um caso emblemático de humilhação pública e institucional da jovem influenciadora, também veio para coibir condutas abusivas nos tribunais e garantir a dignidade das vítimas.
Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) também decidiu proibir que mulheres vítimas de crimes sexuais sejam desqualificadas em audiências judiciais e investigações policiais. A decisão entende que a vida sexual da vítima não pode ser utilizada como um argumento para a desqualificação moral por policiais, advogados e juízes.
Mas ainda é pouco. Para que essas mudanças realmente façam diferença, é preciso um compromisso coletivo – e institucional – com o combate à violência de gênero. Isso começa com educação, não só nas escolas, mas também nos cursos de Direito, nas instituições jurídicas, nas formações de promotores, advogados e juízes. É inadmissível que o próprio sistema de Justiça continue sendo um dos principais vetores dessa revitimização.
Além disso, é essencial que existam políticas públicas eficazes para fiscalizar o cumprimento dessas leis e protocolos, principalmente em casos de violência doméstica e sexual. A responsabilização dos agentes que promovem a revitimização deve ser real e exemplar.
Precisamos, urgentemente, sair do discurso para a prática. Não basta reconhecer que a mulher é vítima – é preciso criar estruturas que a acolham, protejam e respeitem sua dor. A revitimização é uma violência que não deixa marcas físicas, mas que perpetua o trauma e afasta ainda mais as mulheres da Justiça. E isso, em pleno 2025, é inaceitável.