15 de agosto de 2025
Politica

Deputados de São Paulo enviam R$ 30,4 milhões em emendas para outros Estados em 2024; veja quem são

Deputados federais de São Paulo destinaram mais de R$ 30,4 milhões em emendas parlamentares para fora do Estado em 2024. Desde o início do mandato, em 2023, os repasses interestaduais já somam cerca de R$ 55 milhões. Ao todo, 22 parlamentares paulistas enviaram recursos para outros Estados nesse período.

Embora não seja ilegal, a prática contraria o discurso de representatividade adotado pelos próprios congressistas, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão. A ampliação desse tipo de repasse também entrou no radar do Supremo Tribunal Federal (STF), que proibiu essa manobra para as emendas Pix, modalidade que permite transferência direta de recursos públicos sem transparência.

Um dos casos mais emblemáticos dessa prática é o do deputado Tiririca (PL). Apesar de eleito por São Paulo, ele direcionou R$ 9,8 milhões para outros Estados em 2024. Outros R$ 25 milhões a que tinha direito foram destinados ao Estado que o elegeu.

Tiririca, deputado federal por São Paulo, foi o parlamentar que mais enviou recursos para fora do Estado
Tiririca, deputado federal por São Paulo, foi o parlamentar que mais enviou recursos para fora do Estado

O levantamento do Estadão, com base na plataforma Central das Emendas, considerou apenas emendas individuais, incluindo a modalidade Pix, que foram empenhadas, ou seja, que já tiveram o pagamento autorizado pelo governo. Por definição, esse tipo de emenda foi criado para atender demandas locais, sob o argumento de que os parlamentares conhecem de perto as necessidades da própria base eleitoral.

No recorte por Estado, o Rio Grande do Sul foi o principal beneficiado, pelos deputados paulistas com R$ 10,4 milhões no último ano. O Estado foi atingido por uma tragédia climática que causou 184 mortes, com enchentes que destruíram diversas cidades entre o fim de abril e o início de maio. Em seguida, aparecem Minas Gerais (R$ 5,3 milhões), Bahia (R$ 5 milhões) e Rio de Janeiro (R$ 2,9 milhões).

Para Maria Atoji, da Transparência Brasil, o uso das emendas individuais para enviar recursos a outros Estados tem se tornado cada vez mais estratégico e recorrente, muitas vezes desconectado da lógica territorial que os próprios parlamentares dizem defender.

Ela ressalta que, embora os R$ 55 milhões enviados por deputados paulistas a outros Estados representem pouco mais de 3% do total pago em emendas em 2023 e 2024, o impacto é significativo no contexto municipal.

“Não se trata apenas do percentual, mas do princípio: as emendas individuais foram criadas para atender demandas locais. Quando os recursos são enviados para fora, é preciso questionar se isso está realmente alinhado ao papel de representar a própria base eleitoral”.

Deputados concentram emendas em municípios menores

Quase todo o valor recebido pela Bahia por meio de emendas de parlamentares paulistas partiu do deputado Tiririca, que enviou R$ 4,9 milhões para Porto Seguro.

O município, conhecido pelo turismo, é governado por seu correligionário Jânio Natal (PL), reeleito no primeiro turno das últimas eleições municipais com 53,94% dos votos válidos. Os recursos foram carimbados para a educação, com a justificativa de apoiar a infraestrutura do setor.

Para sua base eleitoral, no mesmo ano, o deputado destinou apenas R$ 3,6 milhões para a educação, divididos entre cinco cidades paulistas: Itaquaquecetuba, Mira Estrela, Potirendaba, São João da Boa Vista e Redenção da Serra, todas administradas por aliados do PL ou do PSD.

Em 2023, o deputado já havia repassado R$ 12 milhões ao mesmo município baiano, dos quais R$ 3,2 milhões foram encaminhados por meio de emenda Pix. Os recursos, com exceção do valor transferido via Pix, foram carimbados para a área da saúde, com foco no custeio da Atenção Primária e na construção de Unidades Básicas de Saúde em uma cidade de pouco mais de 168 mil habitantes.

Também em 2023, Tiririca destinou R$ 14,9 milhões à saúde no Estado de São Paulo como um todo, apenas R$ 2,9 milhões a mais do que enviou para um único município na Bahia. Questionado sobre o motivo dos repasses, o deputado não respondeu.

Com esse mesmo valor, de R$ 12 milhões, seria possível construir ao menos cinco Unidades Básicas de Saúde de pequeno porte em municípios paulistas ou manter o funcionamento de duas UBSs por um ano inteiro.

O montante seria suficiente para ampliar ou sustentar a rede de atenção primária em dezenas de cidades do Estado de São Paulo, beneficiando de forma contínua entre 6 mil e 8 mil pessoas. Os cálculos têm como base estimativas do Ministério da Saúde para obras na região Sudeste e dados da Prefeitura de São Paulo sobre o custo mensal das UBSs.

Para o pesquisador da PUC-Rio e responsável pela plataforma Central das Emendas, Bruno Bondarovsky, casos como o de Tiririca evidenciam a necessidade de transparência reforçada. Em sua avaliação, a destinação de emendas a outros Estados deve vir sempre acompanhada de uma justificativa clara, com explicações não apenas aos eleitores, mas também aos órgãos de controle.

O Rio de Janeiro também recebeu recursos de deputados paulistas. Em 2024, Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL) destinou R$ 1,4 milhão para a restauração da Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé, no centro da capital fluminense, sua cidade natal.

Para São Paulo, destinou R$ 650 mil à área cultural, parte para a produção de dois documentários sobre Dom Pedro I, por meio da Associação Mundial dos Amigos das Reservas da Biosfera. O deputado, descendente da antiga família imperial, é conhecido como “príncipe”. Ele é trineto da princesa Isabel. No total, ele repassou R$ 1,9 milhão a outros Estados: R$ 1,4 milhão ao Rio e R$ 500 mil ao Maranhão.

Outro destino dos recursos de deputados de São Paulo foi Minas Gerais, que recebeu R$ 5,3 milhões em emendas de dois parlamentares: Kim Kataguiri (União Brasil), com R$ 5 milhões para a educação, e Jefferson Campos (PL), que destinou R$ 300 mil à saúde.

Kataguiri justificou o envio como apoio a um projeto da Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep), voltado ao desenvolvimento de fármacos imunizantes contra dependência química. Já para São Paulo, seu reduto eleitoral, o deputado enviou apenas uma emenda para educação no período, de R$ 500 mil.

O parlamentar argumenta que os recursos beneficiariam São Paulo ao enfrentar as Cracolândias. No entanto, o Estado possui iniciativas semelhantes que poderiam ter sido contempladas. A Unifesp conduz estudos sobre tratamento da dependência de crack. Já o Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP oferece programas de tratamento e pesquisa.

A pulverização das emendas interestaduais também se refletiu em cidades pequenas. O deputado Vicentinho (PT) destinou R$ 1,5 milhão a quatro Estados diferentes em 2024. Só no Rio Grande do Norte, Macaíba (86 mil hab.) recebeu R$ 600 mil e Carnaúba dos Dantas (7.992 hab.), R$ 200 mil. Outros R$ 750 mil foram enviados a municípios da Paraíba, Maranhão e Ceará, todos com menos de 31 mil habitantes.

Outros R$ 300 mil foram enviados a São Francisco (PB), com 3.137 habitantes, R$ 300 mil para Parnarama (MA), com cerca de 31 mil moradores, e R$ 150 mil a Jardim (CE), município com população próxima de 27 mil pessoas.

Ao Estadão, Vicentinho afirmou que seu mandato “toma decisões em assembleia”, com apoio de um conselho formado por mais de 400 pessoas, entre prefeitos, vereadores e sociedade civil. Sobre o tamanho das cidades, o parlamentar disse que foi uma “coincidência”.

STF proibiu envio de emendas pix para outros Estados

Em 2024, o ministro Flávio Dino proibiu que emendas Pix fossem destinadas a Estados diferentes do reduto eleitoral do parlamentar, salvo em casos de projetos de abrangência nacional. A medida pode abrir caminho para restrições em outras modalidades, como as emendas individuais de objeto definido, explica Humberto Nunes Alencar, pesquisador do Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).

Para Alencar, a decisão escancara um problema mais amplo: o descolamento crescente entre a lógica das emendas e o princípio da representação. “A ideia de que o parlamentar destina recursos para os locais que conhece e onde foi eleito cai por terra”, afirma.

O pesquisador pontua ainda que a prática dos parlamentares fragmenta ainda mais o orçamento, enfraquece o planejamento e favorece políticas públicas improvisadas, muitas vezes guiadas por interesses individuais e descoladas de prioridades estruturantes. ” O sistema de emendas é distorcido e não pode continuar assim”, completa.

 

 

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