Uma investigação condenada ao fracasso
“Qualquer um que seja pego em uma fraude vergonhosa nunca mais será acreditado, mesmo que diga a verdade”. Caio Júlio Fedro
Ao longo dos últimos 30 anos eu trabalhei em centenas de casos de investigação de fraudes. Eu já vi de tudo e mais um pouco quando se trata desse tema. Apesar disso, cada novo caso pode me assustar de diferentes maneiras, seja o perfil da fraude, do fraudador, do montante envolvido, da complexidade das transações ou das vítimas que foram lesadas.
A noticiada fraude que teria criminosamente tirado recursos das aposentarias de milhares de idosos nos choca pela sua perversidade, torpeza e futilidade. Saber que a maioria deles, segundo se comenta, são analfabetos funcionais, possuem comorbidades de saúde, idade avançada e se encontram nas regiões mais pobres do país doe em cada um de nós ainda mais.
Entretanto, agora temos (nós brasileiros) um problema e temos que resolvê-lo o quanto antes. Infelizmente, o que se tem visto nas mídias sociais ou divulgação de autoridades, políticos e funcionários dos órgãos responsáveis é muito preocupante.
A CGU e a AGU perderam completamente a independência e a imparcialidade necessárias para conduzir os trabalhos de investigação, ao passarem os últimos dias produzindo declarações para rebater um vídeo produzido por um político. Essa não é, nem de longe, a função que cabe aos responsáveis pela investigação.
O Presidente Lula, o Ministro Lupi e todos aqueles que por eles foram indicados para exercerem cargos executivos dentro do INSS e da Dataprev precisam ser imediatamente afastados do centro da investigação e afastados dos seus cargos, caso achados sejam claros da participação ou omissão de qualquer um deles nos atos de não conformidade.
O Congresso Nacional e o Ministério Público devem exigir a formação de um Comitê de Investigação aos moldes daqueles constituídos quando das investigações do Petrolão. Um Comitê com acesso irrestrito aos dados, com apoio da AGU e CGU e dos gestores do INSS e da Dataprev, com experiência comprovada em investigações dessa natureza. O Comitê ainda deve ter a liberdade de contratar consultores de Forensic Accounting para lidar com uma gama gigantesca de dados e informações que devem ser examinadas.
Ao se afirmar que as restituições começam a ser pagas nos próximos meses, o Governo toma uma atitude temerária e pode transformar a fraude em algo maior ainda. Afinal todos nós conhecemos a máxima: “quem paga errado, paga duas vezes”.
A título de comparação vamos lembrar da investigação do Petrolão na Petrobras. Ao final dos trabalhos a companhia reconheceu em suas Demonstrações Financeiras algo próximo de R$ 6,5 bilhões de perdas. Essas perdas representavam contratos, e seus inúmeros aditamentos, com o “Clube do Bilhão” e um sem-número de fornecedores e prestadores de serviços, primordialmente, envolvidos com duas áreas da empresa. Quando muito podemos falar algo em torno 1.000 contratos que foram examinados.
Essa investigação tomou praticamente 36 meses para ser concluída e até hoje se tenta recuperar uma parte dos recursos roubados. Isso sem contar que boa parte do trabalho teve o suporte das colaborações premiadas para guiar os investigadores.
Na fraude contra os aposentados do INSS, fala-se de fraudes próximas dos mesmos R$ 6,5 bilhões, de aproximadamente 15 entidades sindicais ou associações de classe, mas de centenas de milhares ou se não na casa de milhões de contratos para serem revisados quanto à sua idoneidade e formalidade. É humanamente impossível cobrir esse universo em tão pouco tempo.
Ao se concentrar apenas nesse ponto da investigação pode se perder provas contra executivos e funcionários do INSS e da Dataprev que teriam facilitado, por ação ou omissão, as fraudes perpetradas.
Do ponto de vista, estritamente, dos especialistas em investigação de fraudes, os “Forensic Accountants”, o caminho a percorrer seria um tanto diferente. Em primeiro lugar o objetivo de qualquer investigação é responder a três perguntas: (i) houve a fraude? (ii) se houve, quem cometeu a fraude e como ela foi executada? (iii) quais os meios de recuperar os valores fraudados e evitar que os fatos identificados se repitam?
Então a primeira atitude seria dividir esforços para maximizar os resultados. Na investigação de fraudes existem tarefas muito claras a serem executadas: (i) a coleta, preservação, processamento e análise de dados dos computadores dos profissionais do INSS e da DATAPREV e dos profissionais das Entidades envolvidas, incluindo servidores e dados em nuvem, envolvidos na fraude; (ii) a análise de antecedentes e patrimônio dos envolvidos buscando identificar ativos e recursos que teriam sido amealhados ou lavados pelos fraudadores; (iii) análise das transações que são o objeto da investigação visando confirmar sua validade, aceitação, autorizações e destinação de recursos; (iv) entrevistas com os gestores e funcionários que conhecem os fatos ou que possam estar diretamente envolvidos nas fraudes.
A primeira obrigação do Comitê a ser formado seria estabelecer um planejamento de execução da investigação, definindo etapas, tarefas a serem executadas, em diferentes frentes de trabalho, e prazos a serem cumpridos.
Concluído o planejamento, as diferentes frentes de trabalho de investigação teriam que executar suas tarefas, trazerem os resultados e esses serem avaliados pelo Ministério Público para as devidas ações cíveis e criminais ou procedimentos específicos a serem conduzidos pela Polícia Federal ou seus Peritos.
É claro que uma estrutura de investigação como essa não é barata de se constituir, mas ela será mais rápida, independente e imparcial. E, considerando os números que são ventilados da fraude, ele será um percentual muito pequeno dentro do bojo das perdas do INSS e dos brasileiros.
Se o Congresso Nacional e o Governo continuarem a se digladiar sobre quem facilitou ou quem combateu e investigou a fraude, a única certeza que teremos é que nunca saberemos quem tem razão e que a maioria dos aposentados morrerá sem ver as suas perdas recuperadas.
Por fim, já que será a sociedade que arcará com o prejuízo, que ela mesma assuma com a devida supervisão do Ministério Público, as rédeas da investigação. Ao Governo, via CGU e AGU, cabe facilitar os trabalhos e pagar aos profissionais envolvidos. Quanto ao Congresso espera-se que ele continue a acompanhar a evolução e os resultados dos trabalhos, sem deixar de abrir uma CPI/CPMI para auxiliar os trabalhos dos investigadores, do Ministério Público e da Justiça.