30 de junho de 2025
Politica

Unificar eleições é um bom caminho para a democracia brasileira? Veja o que dizem especialistas

O que é melhor para a democracia brasileira: ir com mais ou menos frequência às urnas? Este é o debate que emerge com a aprovação, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, da PEC 12/2022. A proposta promove uma reforma profunda nas regras do jogo eleitoral ao acabar com a reeleição para presidente da República, governadores e prefeitos e estabelecer mandatos de cinco anos para todos os cargos eletivos. Mas a mudança não para por aí: o texto também prevê a unificação do calendário eleitoral. Ou seja, o eleitor passaria a escolher, de uma só vez, os ocupantes de sete cargos diferentes — de vereador a presidente da República — com um intervalo maior entre as votações. Uma transformação que pode redefinir a forma como o brasileiro participa da democracia.

Para entrar em vigor, a proposta ainda precisa passar por outras etapas no Legislativo, como a votação no plenário do Senado e depois a tramitação na Câmara dos Deputados. Mesmo assim, já tem provocado opiniões diversas entre especialistas de várias áreas.

A proposta de emenda à Constituição foi apresentada pelo senador Jorge Kajuru (PSB-GO) e tem como relator o senador Marcelo Castro (MDB-PI). Em seu parecer, Castro argumenta que a unificação das eleições geraria economia aos cofres públicos por dois motivos: haveria menos gastos com a logística da votação e as campanhas seriam mais baratas, já que aconteceriam todas de uma vez.

PEC propõe eleições unificadas e mandatos de cinco anos
PEC propõe eleições unificadas e mandatos de cinco anos

O relator também cita um possível ganho de “previsibilidade política”, já que todo o quadro político seria definido em uma única data, com vigência para os cinco anos seguintes. “De um lado, governantes e opositores poderiam definir suas estratégias racionais de atuação num horizonte temporal estável; de outro, eleitores, movimentos sociais e agentes econômicos disporiam também de um prazo maior para redefinir suas avaliações dos mandatários e refletir sobre a validação ou alteração de suas simpatias políticas e intenções de voto”, afirma.

Especialistas são críticos à proposta

Com quase 40 anos de experiência em campanhas eleitorais, o estrategista Felipe Soutello critica a proposta, que, segundo ele, prejudica principalmente a política municipal. “Haverá um empastelamento do debate político. Já sentimos isso nas eleições estaduais, que perdem espaço e importância por ocorrerem junto com a eleição presidencial. Com a unificação, será pior: o tempo e a atenção do eleitor vão se dividir entre três eleições ao mesmo tempo. E as cidades — onde a gente vive — vão acabar sendo pouco discutidas.”

Soutello defende que ir às urnas a cada dois anos é fundamental para que os eleitores tenham a chance de corrigir seu próprio destino. Realizar eleições para todos os cargos numa única data, além de empobrecer o debate, pode fazer com que a polarização e o radicalismo do debate nacional contaminem as disputas locais, reduzindo a eleição para prefeito e vereador à escolha entre candidatos ao seu alinhamento a um líder político — hoje, Lula ou Bolsonaro.

“É um reducionismo perigoso, que afronta o municipalismo e o pacto federativo, na medida que dificulta o debate. É mais um instrumento de americanização da nossa democracia, que não combina com nossa ampla diversidade.”

Ainda na avaliação do consultor, a PEC de Kajuru favorece quem já está no poder. Com mais cargos e menos tempo de campanha, sobra pouco espaço para o confronto de ideias — o que beneficia os atuais detentores de mandato, diz ele.

“Que espaço de debate a gente vai ter em 45 dias para falar do nosso bairro, da nossa cidade, da região metropolitana, do Estado e do Brasil ao mesmo tempo?”, questiona Soutello, acrescentando que votar só duas vezes em dez anos vai na contramão do ritmo acelerado de inovações e mudanças de comportamento observadas na atualidade. Soutello também questiona a redução de custos, um dos principais argumentos dos defensores da proposta. “A eleição simultânea exige ainda mais investimento. Com mais candidatos disputando ao mesmo tempo, a briga pela atenção do eleitor aumenta — e isso significa mais gastos com propaganda e redes sociais.”

Ex-ministro substituto do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e sócio fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), o advogado eleitoralista Joelson Dias também é contra a proposta, que, segundo ele, compromete o direito de participação política. A Abradep, que reúne centenas de profissionais da área, compartilha a mesma posição.

“Imagina, com toda essa polarização e radicalização lamentável da política, pensar que vamos reduzir a frequência do exercício democrático. Vai demorar ainda mais para o eleitor ir às urnas, o que pode acabar afastando as pessoas da política.” Ele ainda alerta para o risco de as eleições municipais ficarem subordinadas à agenda nacional, perdendo espaço nas discussões.

Outro ponto levantado por Joelson é a sobrecarga que a unificação traria à Justiça Eleitoral. “Imagina a Justiça Eleitoral tendo que administrar, ao mesmo tempo, 5.570 eleições municipais, 26 estaduais, uma distrital e a presidencial. Como fiscalizar a prestação de contas, julgar os recursos, analisar ações de impugnação? Quantos e quais custos operacionais isso não vai aumentar — com mais servidores, horas extras, preparação antecipada?”, questiona.

Ele também joga luz sobre a complexidade que a unificação traria para a propaganda eleitoral. “Com tantos partidos e candidatos, ficaria difícil dividir o tempo de rádio e TV. Além disso, a proposta comprometeria a simplicidade do processo, pois o eleitor terá de escolher sete candidatos diferentes, misturando questões locais, estaduais e nacionais.”

Arthur Rollo, doutor em Direito e especialista em Direito Eleitoral e Administrativo, também expressa preocupações sobre os impactos da unificação para a Justiça Eleitoral. Segundo ele, o volume de julgamentos em anos eleitorais já é muito grande, e a concentração das eleições poderia comprometer a maior virtude da Justiça Eleitoral: a celeridade.

“A concentração de eleições concentrará trabalho administrativo e judicial. Os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) e o TSE serão, ao mesmo tempo, instâncias originárias e recursais, o que vai atrasar ainda mais os julgamentos dos registros das candidaturas e, consequentemente, da realização de novas eleições. Teria praticamente que dobrar a estrutura da Justiça Eleitoral, que ficaria ociosa nos demais anos e após o julgamentos dos processos”, diz Rollo.

Na opinião dele, até pode haver alguma economia financeira, mas não justifica os riscos de comprometer um sistema que já funciona bem. “Sem falar na atenção dos eleitores que também seria prejudicada. Votando em tantos candidatos simultaneamente a tendência é que o eleitor se confunda e dê menos atenção para os cargos em disputa que estão mais distantes de seu dia a dia.”

Siga o ‘Estadão’ nas redes sociais

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *