Em tempos de ajustes, petismo precisa de inimigos: o setor financeiro é o alvo da vez, indica Dirceu
Movimentos de massas populistas precisam de oponentes reais ou imaginários para sobreviverem e prosperarem. Assim cresceram tanto o petismo quanto o bolsonarismo, para usarmos os exemplos brasileiros. Precisam vociferar contra o que costumam chamar de sistema, de elites, ou o que for que angarie mais simpatizantes enfezados. Com Jair Bolsonaro prestes a ir para cadeia porque resolveu tentar instalar uma ditadura no Brasil, com o PSDB na UTI, quase sem batimentos cardíacos, com a impossibilidade de atacar o centrão, da gelatinosa base aliada, um alvo fica evidente: o setor financeiro, os terríveis banqueiros. Já estão novamente sob ataque, após uma breve trégua com a saída de Gleisi Hofmann da presidência do PT.
“O que é roubar um banco comparado a fundar um banco”, disse o dramaturgo Bertold Brecht, ídolo das esquerdas. Foi essa a linha da carta do ex-ministro José Dirceu aos militantes petistas, em que escreveu: “É preciso uma verdadeira mudança na vergonhosa concentração de renda e no cartel bancário financeiro, na política de juros e nas metas da inflação, que exigem uma radical reforma tributária e financeira, capaz de pôr fim à apropriação e expropriação da renda nacional pelo capital financeiro e agrário, num circuito entre o Banco Central e a Faria Lima, que cada vez mais concentra renda, via os juros altos únicos no mundo”, em texto revelado pela colunista Roseann Kennedy, do Estadão.
Está aí o grito de guerra de José Dirceu, a mirar o novo alvo político. O mesmo Dirceu que já falava em “herança maldita”, quando recebeu o governo de FHC em 2003. Um político que altera, em sua carreira, negociações escusas e criminosas – como no mensalão – com retórica e mesmo comportamento bélico para galgar posições de poder. Inclua como causa atual da ação do ex-guerrilheiro petista, o fato evidente de que o setor financeiro do país sonha com a posse do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, no Palácio do Planalto, em 2027 – como ficou evidente no convescote de poderosos ocorrido em Nova York, no começo deste mês, enquanto o presidente Lula fazia um giro pelas ditaduras asiáticas. Tempere a crise com a necessidade de combater o déficit nas contas públicas, o que exige medidas impopulares do governo federal.
Um inimigo que se pode reconhecer até pelo nome é sempre mais fácil de combater, de fazer as massas odiarem. E um banqueiro acaba por entrar bem nesse figurino de “pessoas más que vivem da usura”. Não vai adiantar nada para gente como a família Moreira Salles ter produzido um filme contra a ditadura – “Ainda estou aqui”. Não vão adiantar ações sociais. Não vai adiantar nada tanto financiamento de artistas esquerdistas: eles, esse pessoal da Faria Lima, são o próximo alvo, clama José Dirceu.
Um problema é que o atual presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, foi escolha de Lula. Sua função é manter as taxas de inflação sob controle. Mas, provavelmente, não haverá constrangimento em jogá-lo na fogueira. Basta reler a carta de Dirceu. Questão de tempo para ser considerado um traidor da grande causa petista – que eles buscam tornar a grande causa da nação. A divergência de Galípolo com o governo na questão do malfadado aumento das alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para aplicações em fundos de investimentos no exterior pode ter sido a faísca para gerar o incêndio.
O dramático é que toda a tática petista defendida por Dirceu e seus asseclas não é apenas um redobrar da agressividade. É também economicamente equivocada. Por atacar as base do que faz uma economia crescer e uma sociedade prosperar de maneira equilibrada no longo prazo: as contas ajustadas e a confiança dos agentes econômicos. Temos a prova histórica, o governo Dilma, onde esse descaso com as contas foi aplicado e resultou numa das maiores crises sociais, política e econômica de nossa história. Logo, o belicista/dirceuzista, se bem-sucedido, acaba por contribuir com a piora das nossas taxas de inflação, pobreza, desemprego e por aí vai.