30 de junho de 2025
Politica

Governo Lula avalia mudança na lei sobre alienação de imóveis apreendidos do narcotráfico

O governo Lula estuda mudanças na legislação sobre a alienação de imóveis apreendidos de narcotraficantes. A secretária nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos (Senad) do Ministério da Justiça, Marta Machado, revelou à Coluna do Estadão que a discussão está sendo feita em conjunto com a Secretaria do Patrimônio da União (SPU).

Ela explica que, desde 2019, uma lei permite que bens provenientes do crime possam ter alienação prévia. Ou seja, sejam vendidos ou doados diretamente antes do trânsito em julgado. No caso de imóveis do tráfico, entretanto, uma exigência da Lei Antidrogas torna o processo mais lento e burocrático: é preciso primeiro registrar o bem e incorporá-lo à União. “Isso gera um gargalo na questão do registro. É um modelo ineficiente”, avalia.

A norma determinada afeta apenas recursos destinados ao Fundo Nacional Antidrogas (Funad). “Nos outros fundos eu não tenho essa exigência. Posso fazer o processo de leilão e a propriedade passa para quem arrematou. Isso gera um gargalo na questão do registro, então não é eficiente”, ressalta.

A destinação dos ativos para os fundos varia de acordo com o tipo de crime de origem. Lavagem de dinheiro vai para o Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das atividades-fim da Polícia Federal (Funapol). Crime de milícia vai para o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP). E os outros crimes, para o Fundo Penitenciário (Funpen).

A secretária vê possibilidade de encaminhar um projeto de lei ao Congresso ainda este ano. “Também estamos fazendo um levantamento sobre propostas nas casas legislativas que tratam do tema do aperfeiçoamento da gestão de bens de ativos”, conta.

Entre 2024 e 2025, a União arrecadou R$127,7 milhões com a venda prévia ou definitiva de bens relacionados ao tráfico de drogas, e foram realizados 532 leilões, segundo dados da Secretaria. Apenas 49 foram imóveis. Atualmente há 17.287 ativos em ordem de serviço de alienação. Desses, 197 são imóveis.

Marta explica que, mesmo se a pessoa for absolvida ou o processo anulado, não há risco para quem adquire o imóvel. “A gente tem uma estimativa de que só em 4% dos casos aconteceu de o dinheiro voltar para a pessoa. De toda forma, o bem nunca é devolvido in natura (imóvel, veículo, aeronave). Na alienação antecipada, se houver necessidade de devolução, retorna o valor corrigido”, explica.

Nesta entrevista à Coluna do Estadão, a secretária também fala sobre outros entraves que ainda precisam ser superados para dar mais celeridade na venda de ativos recuperados do crime organizado. Marta observa que ainda é necessário criar uma cultura no Judiciário para a alienação prévia, defende o compartilhamento de dados do Conselho Nacional de Justiça com a Senad e centralização de leilões com a secretaria, além de detalhar como sua pasta tem ampliado a busca ativa por esses bens.

Confira abaixo os principais temas abordados e números detalhados.

Marta Machado, secretária nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos
Marta Machado, secretária nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos

Mudança na gestão de ativos

Houve uma mudança na lei em 2019. A secretária considera que foi uma decisão correta. “Antes da alteração, o Judiciário condenava a pessoa, esperava o trânsito em julgado e só então olhava para os bens. Agora, especialmente na Justiça Federal, toda a relação de bens começa a ser avaliada e destinada desde o começo do processo. Foi uma mudança muito acertada”, avalia a secretária. A nova lei permite que o juiz faça a alienação antecipada, ou seja, antes do trânsito em julgado.

Se a pessoa for absolvida, ela recebe o dinheiro de volta com a atualização Selic – taxa básica de juros. Se ela for condenada, o dinheiro vai para um dos fundos federais. Os ativos são divididos de acordo com o tipo de crime. Narcotráfico vai para o Fundo Nacional Antidrogas (Funad). Lavagem de dinheiro vai para o Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das atividades-fim da Polícia Federal (Funapol). Crime de milícia, vai para o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP). E os outros crimes vão para o Fundo Penitenciario (Funpen).

“A gente tem uma estimativa de que só em 4% dos casos aconteceu de o dinheiro voltar para a pessoa. De toda forma, o bem nunca é devolvido in natura (imóvel, veículo, aeronave). Na alienação antecipada, se houver necessidade de devolução, retorna o valor corrigido”, explica.

O que motivou a mudança

Marta explica que o ritmo dos processos muitas vezes tornava inviável o uso dos recursos apreendidos, e o ressarcimento daquele bem para a sociedade não ocorria. “Quando o processo acabava, depois de 6, 7, 10 anos, o bem já estava imprestável, tinha perdido todo o valor de mercado. Se fosse aeronave, helicóptero, avião, carro, já estava uma sucata. Se fosse imóvel, tinha acumulado dívida de IPTU, dívida condominial, que quase superava o valor do imóvel”, exemplifica.

Também ocorria problema com o depósito de carros. “Os pátios das polícias abarrotados, com problema de saúde pública, com problema de segurança mesmo. A gente sabe alguns casos que depredavam tirando as peças do carro, depois forjavam incêndio”, relata.

Centralização de leilões e integração com banco de dados do Judiciário

A Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos só pode agir em relação aos bens por determinação do juiz da vara responsável pelo caso. “Uma das coisas que estamos trabalhando desde o início da gestão com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é estimular para que os juízes façam a gestão de bens centralizada na Senad. Isso é mais eficiente”, ressalta.

“Temos um conjunto de leiloeiros (cadastrados) que passam por uma seleção. Na vara, o juiz tem que nomear um leiloeiro a cada caso, fica disperso. A gente (a secretaria) tem toda uma estrutura, inclusive nos estados, com comissões formadas pelas polícias Federal e Civil, que são encarregadas de localizar o bem, avaliar. Então já há um sistema montado e unificado”, complementa.

Mudança de cultura no Judiciário

Existe resolução do CNJ, entretanto a prática da alienação antecipada ainda não entrou fortemente na cultura do Judiciário, na avaliação da secretária. “Muitas vezes a gente ainda vê juiz que deixa o bem perecer e não faz o uso da alienação antecipada”. A secretária diz que o Ministério da Justiça adota ações para divulgar e estimular a parceria com o CNJ.

Marta defende a integração dos sistemas, para facilitar o acesso ao banco de dados do Judiciário e agilizar a recuperação de ativos. “Muitas vezes recebemos um ofício do juiz com poucas informações. Nosso sistema não é integrado com o Judiciário. Muitas vezes tenho dúvidas. Por exemplo: existiu lavagem, mas qual é o crime antecedente? Teve narcotráfico? Informação para eu saber para qual fundo vai”, detalha.

Busca ativa de bens apreendidos com o crime e operações Limpa Pátio

O CNJ tem um cadastro nacional de bens apreendidos. “Então, o acesso ao banco de dados é muito importante porque a gente pode fazer um trabalho de ir às varas para poder fomentar que esses bens sejam vendidos com mais antecedência”, defende. De acordo com a secretária, essa integração não depende de nova legislação, basta uma portaria.

Ela diz que a integração permitirá busca ativa, pois seria como “tirar uma venda” dos olhos. “Eu estou vendo aqui que tem 20 aeronaves ou helicópteros que são preciosíssimos para as forças de segurança e que estão ali nos pátios apodrecendo. A gente pode fazer uma busca ativa nas varas e falar com os juízes para que esses bens sejam destinados, por exemplo, às polícias ou para alguma atividade na Amazônia. Isso vai ajudar muito na nossa gestão”.

“A última vez que conversei com o corregedor do CNJ, Mário Campbell, ele estava preocupado com uma aeronave. Porque porque tem muito avião, helicóptero. A gente tem a possibilidade de destinar o bem diretamente para as polícias. Mas a informação hoje corre na ‘rádio corredor’ que uma aeronave foi apreendida, aí elas vão atrás. Aí elas vão atrás, procuram o juiz.

A Secretaria também aproveita informações divulgadas publicamente. “A gente recebe a notícia de que a Polícia Federal acabou de fazer uma grande apreensão de narcotráfico. A gente localiza o processo para falar com o juiz da vara e dizer: estamos à disposição, a legislação permite alienação antecipada, nós trabalhamos dessa forma. Esse é um pouco do método que a gente está usando na busca ativa.

O outro método são as operações limpa pátio, que estamos promovendo com os tribunais de Justiça, dando apoio. Invariavelmente é uma ideia muito bem aceita. O juiz corregedor faz uma listagem de todos os veículos que estão no pátio e emite um ato administrativo informando prazo para as varas se manifestarem. Quem não se manifestar, a partir de tal data serão todos alienados de uma tacada só. A gente fez no Rio, recentemente. Em um leilão, foram 5 mil veículos.

Falta de dados no Ministério da Justiça

A secretária admite que hoje não teria como dizer quanto há de bens apreendidos do crime que poderiam ser destinados a cada um dos fundos geridos pelo Ministério da Justiça. “A gente sabe que tem um banco no CNJ, com mais de 10 mil ativos apreendidos. Mas eu não consigo com os meus dados dar essa resposta. A gente vai entender quando conseguir olhar essa integração”, afirma.

Na avaliação de Marta, o Conselho Nacional de Justiça tem interesse em que isso aconteça. “Tem uma resolução que recomenda aos juízes que façam a alienação antecipada. Agora estamos em diálogos com o CNJ para fazer capacitações, cursos de gestão de ativos nas escolas de magistratura, para fazer essa virada. Teve uma mudança importante em 2019, e diria que a gente está aperfeiçoando o sistema”, destaca.

Normas na gestão de imóveis do narcotráfico

Marta Machado diz que o atual modelo na gestão de imóveis apreendidos do narcotráfico é ineficiente e revela que o governo vai tentar uma mudança na legislação.

Hoje é preciso registrar o bem e incorporar à União antes de aliená-lo, antes de vendê-lo. A norma está na Lei Antidrogas, portanto é determinada apenas em casos que os recursos seriam destinados ao Fundo Nacional Antidrogas (Funad).

“Nos outros fundos eu não tenho essa exigência. Posso fazer o processo de leilão e a propriedade passa para quem arrematou. Isso gera um gargalo na questão do registro (de imóveis do narcotráfico), então não é eficiente”, ressalta. Segundo ela, a discussão está sendo feita juntamente com a Secretaria do Patrimônio da União (SPU).

A secretária vê possibilidade de encaminhar um projeto de lei ao Congresso ainda este ano. “Também estamos fazendo um levantamento sobre propostas nas casas legislativas que tratam do tema do aperfeiçoamento da gestão de bens de ativos”, conta.

Números da alienação de ativos relacionados ao tráfico de drogas

2024

  • Arrecadação – R$ 95.059.031,09
  • Total de ativos – 4.136
  • Leilões – 393 leilões
  • Imóveis – 39

2025

  • Arrecadação R$ 32.737.391,16
  • Ativos – 1.511
  • Leilões – 139
  • Imóveis – 10

Situação atual

  • Ativos – 17.285 com Ordem de Serviço de Alienação (dentre definitivas e antecipadas)
  • Imóveis – 197
  • A média de valor de um imóvel do tráfico vendido de forma antecipada é de R$ 1.273.787,00 e a média daqueles vendidos de forma definitiva é de R$ 389.154,58

Detalhes da Operação Limpa Pátio

  • No Rio de Janeiro foram arrecadados quase R$ 7 milhões com a Operação Limpa Pátio
  • Foram alienados, desde 2023, 761 veículos.
  • O Rio é um dos poucos estados que fazem a venda antecipada do bem em maior número do que a definitiva.
  • A média de valor de um veículo alienado de forma antecipada é de R$34.804,91, enquanto de um veículo que é alienado após o término do processo judicial é de R$13.577,29

 

 

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