Quando uma janela quebrada não é só uma janela quebrada
O debate sobre segurança pública costuma girar em torno de armas, policiamento e repressão. Mas o ambiente urbano exerce um papel muito mais profundo, embora silencioso, do que parece. Existe uma teoria no campo da criminologia e do urbanismo chamada ‘Teoria das Janelas Quebradas’, que ajuda a entender essa conexão. O conceito influenciou políticas públicas no mundo inteiro e pode servir para grandes cidades como o Rio e São Paulo repensarem segurança de maneira mais inteligente, eficaz e humana.
A teoria foi formulada pelos cientistas sociais James Q. Wilson e George Kelling em 1982. Eles observaram que sinais de desordem — janelas quebradas, pichações, lixo acumulado, muros depredados — não só refletem abandono, mas também criam ambiente propício à quebra de normas sociais. O raciocínio é de que, se uma janela não é consertada, outras virão. Se o lixo fica sem coleta na calçada, mais lixo aparece. Ausência de cuidado sinaliza ausência de autoridade. E isso abre espaço para crimes mais graves nos bairros.
A teoria foi abraçada por administrações norte-americanas nos anos 90. A gestão do então prefeito de Nova York, Rudy Giuliani, implementou modelo baseado em “tolerância zero”, com foco em repressão a pequenas infrações. Apesar da queda da criminalidade à época, hoje se reconhece que atribuir esse efeito unicamente à Teoria das Janelas Quebradas é um erro. Pesquisas mostraram que outras variáveis — tais como crescimento econômico e mudanças demográficas — tiveram papel tão ou mais relevante.
Mas há algumas lições que podemos contabilizar. Sabemos que ambientes urbanos bem cuidados reduzem índices de violência. Medellín é um exemplo poderoso. Marcada pela criminalidade extrema dos anos 80, a cidade transformou sua dinâmica ao investir em equipamentos públicos de alta qualidade em territórios vulneráveis, como bibliotecas-parque e teleféricos. O foco foi requalificar o espaço e garantir a presença do Estado.
Já em grandes capitais do Brasil, temos inúmeras “janelas quebradas”: praças escuras e abandonadas; calçadas destruídas, faixas de pedestres apagadas, postes sem lâmpada. E a segurança começa a ruir justamente quando o espaço público deixa de comunicar cuidado e quando a presença do Estado se mostra distante. Para evitar isso, poderíamos pensar numa abordagem mais eficaz da teoria: cuidar do ambiente urbano com estratégia de prevenção.
Isso exige uma administração pública que trate zeladoria como política de segurança pública, com metas claras de manutenção, indicadores de resposta rápida e integração entre órgãos responsáveis por serviços tais como limpeza, conservação, policiamento e assistência social. Também passa por equipar a cidade com dados georreferenciados sobre desordem urbana e usar algoritmos para prever pontos críticos.
Mais do que teoria, essa abordagem deveria se transformar em prática cotidiana. Cuidar de uma praça é cuidar da autoestima de um bairro. Restaurar a calçada de uma escola é garantir que uma criança caminhe com dignidade. Esse tipo de ação é o que gera confiança, mobiliza a vizinhança e reduz o espaço para a violência prosperar. Porque uma janela quebrada, no fim das contas, não é só uma janela!