Código Eleitoral precisa sair do século passado
O Brasil está prestes a realizar mais uma eleição nacional com base em regras formuladas há seis décadas, sob a lógica de um regime autoritário. Em julho de 2025, o Código Eleitoral em vigor completa 60 anos. Não há mais como postergar sua atualização, muito menos permitir uma legislação em retalhos, onde se separam diversos aspectos fundamentais para o processo eleitoral como se fosse um mosaico.
O Congresso tem até outubro deste ano para aprovar um novo texto que, se bem conduzido, pode colocar a legislação eleitoral no século 21. A proposta em debate (PLP 112/2021) é ambiciosa, com cerca de 900 artigos. Parte de normas antigas, compila entendimentos consolidados pelo Judiciário e arrisca algumas inovações. Mas o tempo da política não pode ignorar a urgência do presente.
Com o trabalho técnico e contínuo do TSE, que edita resoluções eleitorais a cada ciclo, o Brasil tem conseguido fazer frente às mudanças e às necessidades do tempo. Esse esforço é fundamental para garantir estabilidade e segurança jurídica. No entanto, não substitui a necessidade de uma revisão estruturada do Código Eleitoral. O que está em pauta é uma reforma ampla, que necessita ter força de lei e expressar a vontade do eleitor, que cada vez mais busca eleições limpas e justas, sendo capaz de incorporar inovações tecnológicas e sociais que impactam diretamente o processo democrático.
Vivemos em uma realidade marcada por desinformação, onde não há compromisso com a verdade, vídeos manipulados por inteligência artificial e ataques ao sistema eletrônico de votação e às instituições eleitorais. A legislação atual não dá conta desses desafios. A IA, por exemplo, carrega uma contradição urgente: ao mesmo tempo em que pode baratear campanhas e democratizar o acesso a conteúdos de qualidade, também se presta à disseminação de notícias falsas, deepfakes altamente maliciosos e até golpes contra o eleitor. Uma legislação moderna precisa tratar disso de forma clara, eficaz e preventiva.
O modelo de financiamento das campanhas também precisa ser revisitado. Desde 2015, com a proibição das doações empresariais, adotamos na prática um modelo exclusivamente público, não obstante a legislação permita a doação de pessoas físicas. A cada ciclo eleitoral os valores do orçamento público destinados aos gastos só crescem, chegando à casa dos 5 bilhões. É preciso coragem para rever essa estrutura. Isso não significa retornar ao sistema anterior, mas discutir um modelo misto, com redução paulatina do financiamento público e autorização do privado, porém sob regras rígidas de controle sobre quem faz doações e sua relação com o Estado.
Outro ponto crucial é a representatividade. Mulheres e pessoas negras seguem sub-representadas no Congresso. Somos um país com mais de 52% de mulheres e 56% de pessoas negras, mas elas ocupam apenas 18% e 26% das cadeiras na Câmara dos Deputados, respectivamente. Emendas ao novo código propõem uma reserva de 20% de cadeiras para mulheres, além da cota de reserva de candidaturas já existente. É pouco, mas é um começo — desde que acompanhado de mudanças no sistema proporcional.
A fragmentação partidária também precisa ser enfrentada com seriedade. O aumento da cláusula de barreira e a exigência de um número mínimo de votos para que partidos recém criados tenham acesso ao fundo partidário e de financiamento de campanhas são medidas que caminham na direção certa. Hoje, qualquer legenda com um único deputado tem legitimidade para acionar o Supremo e judicializar a política. Isso desequilibra o jogo institucional e enfraquece o papel do Parlamento como espaço central da deliberação democrática.
A proposta de um novo Código Eleitoral não deve ser tratada como uma reforma técnica e silenciosa. Ela é política em sua essência. Está em jogo a capacidade de o Estado proteger o processo eleitoral da manipulação, do abuso de poder político e econômico, bem como da desinformação. Não se pode perder de vista, também, a influência do caixa dois e seu abastecimento, para além das formas tradicionais, agora pelo crime organizado.
O Brasil precisa de um código moderno, transparente e capaz de equilibrar liberdade de expressão, igualdade de oportunidades e segurança jurídica. O tempo é curto, mas o desafio é inadiável. E a omissão, como tememos, pode custar caro à democracia.