1 de julho de 2025
Politica

Como o governo se articula para resolver a crise do IOF sem parecer que capitulou

BRASÍLIA – O relógio marcava mais de 21 horas, na quarta-feira, 28, quando o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, abriu o jogo. “Se nós não fizermos os ajustes, o País fica ingovernável”, disse ele, sem meias-palavras. Diante da perplexidade dos interlocutores, o chefe da equipe econômica avisou ainda que, caso nada fosse feito, esse cenário seria realidade “com qualquer presidente da República”.

A reunião discutia as alternativas para a crise do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), na residência oficial do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). Sentados perto de Haddad para o jantar estavam, além do anfitrião, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP); a ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann; e os líderes do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), e no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP).

O  ministro da Fazenda, Fernando Haddad, enfrenta resistência do Congresso em relação ao aumento do IOF. Na foto, ele está ao lado do presidente da Câmara, Hugo Motta
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, enfrenta resistência do Congresso em relação ao aumento do IOF. Na foto, ele está ao lado do presidente da Câmara, Hugo Motta

Tanto Motta como Alcolumbre avisaram que era preciso encontrar outro caminho porque o Congresso tinha votos para derrubar o decreto que elevava as alíquotas do IOF. A oposição conseguiu o apoio de partidos da base aliada do governo Lula, principalmente do Centrão. Em uma semana, foram protocolados mais de 20 projetos de decreto legislativo (PDL), instrumento usado pelo Parlamento quando quer revogar um decreto presidencial.

Mesmo com o recuo observado na noite do último dia 22, quando Haddad retirou do texto a cobrança do IOF sobre investimentos no exterior – interpretada pelo mercado como controle de capitais –, a crise não se dissipou.

O ministro expôs, então, o quadro dramático: as contas não fechariam e a máquina pública pararia sem o IOF, pois não haveria dinheiro nem mesmo para manter programas sociais. “Eu tenho a responsabilidade de conduzir a economia do País. Não posso ter medo de tomar decisões”, destacou.

Apesar deste alerta, o Congresso deu um ultimato ao governo: ou a equipe econômica apresenta uma alternativa até 10 de junho ou o decreto presidencial será derrubado por meio de um PDL.

“A solução tem de ser política”, disse ao Estadão o líder do governo na Câmara, José Guimarães. “Todo mundo acha que o governo está errado em aumentar IOF, mas ninguém aceita diminuir os incentivos fiscais. Eu defendo um corte linear. Vamos ter de fazer um pacto entre os três Poderes para contenção de gastos”, completou o deputado.

Uma das ideias em estudo pela Fazenda é reonerar a folha salarial de setores da economia que no passado foram beneficiados, em trocaa da manutenção de empregos. A medida, porém, só pode ser tomada a partir de 2026. No diagnóstico da equipe econômica, não há tempo hábil para recompor a arrecadação ainda neste ano sem a cobrança do IOF.

Na prática, o governo tem um trunfo na negociação com deputados e senadores: se o Congresso derrubar o decreto do IOF, o Palácio do Planalto poderá bloquear parte significativa do pagamento das emendas parlamentares para conter as despesas. Somente neste ano o Orçamento prevê um desembolso de R$ 50 bilhões em emendas. Os recursos são considerados “cláusulas pétreas” pelos políticos para abastecer seus redutos eleitorais.

“Aqui no Congresso só se fala em responsabilidade fiscal. Mas responsabilidade fiscal se faz com o quê? Com equilíbrio entre receita e despesa. Não tem outra fórmula”, argumentou Jaques Wagner.

Sob fogo cruzado, Haddad admitiu, na quinta-feira, 29, que vive uma fase de “sofrimento” no governo. Ao participar de um ato de inauguração de um assentamento rural, no interior do Paraná, o ministro fez um desabafo que chamou a atenção dos colegas ao observar que enfrenta estocadas de todos os lados.

Insatisfação até dentro do governo

Longe dos holofotes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem pedido para Haddad ficar firme, embora seja comum desautorizá-lo, até mesmo em público. As críticas que atingem o ministro da Fazenda partem não apenas do Congresso, mas também dos setores financeiro e empresarial e de seus próprios pares.

Comandada pelo ministro Rui Costa, a Casa Civil se transformou em um bunker que dirige petardos contra Haddad. Quando a Faria Lima se posicionou contra o aumento do IOF, por exemplo, a Casa Civil fez chegar aos jornalistas a notícia de que não havia sido informada sobre o impacto da mudança.

Gleisi Hoffmann foi na mesma linha. “Nós fizemos uma reunião da junta financeira, depois com o presidente, o ministro Haddad explicou as medidas e falou do IOF. Mas ele não abriu com detalhes onde ia mexer”, contou a articuladora política do governo, em entrevista ao programa Conversa com Bial. “Ele disse: ‘Olha, a mudança é pequena’”.

A ministra relatou que, quando começaram a aparecer as queixas, a avaliação no Planalto foi de que havia um erro ali. “O impacto é muito grande. Quando (a gente) erra, paciência, recua”, resumiu.

Haddad assegurou, porém, que todas as medidas foram discutidas no Planalto. “Eu acho que esse tema está superado”, desconversou Rui Costa. “A medida foi publicada numa quinta-feira, dia 22, identificou-se a necessidade de correção, essa correção foi feita e o assunto está encerrado.”

O chefe da equipe econômica e o ministro da Casa Civil estão na lista dos possíveis sucessores de Lula, a partir de 2030, e disputam protagonismo.

A crise do IOF ocorre em um momento de queda de popularidade de Lula, para desespero do ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Sidônio Palmeira, que havia prometido recuperar a aprovação do governo até meados de abril.

A nova turbulência também vem no rastro do escândalo provocado pelo desvio do dinheiro das aposentadorias do INSS, aumentando a temperatura até mesmo no Banco Central.

O presidente do BC, Gabriel Galípolo, negou ter sido informado sobre o aumento do imposto, como havia dito o secretário-executivo da Fazenda, Dario Durigan.

Contrário à mudança, Galípolo não gostou nada do que ouviu. Na fatídica quinta-feira, 22, reclamou com Haddad por telefone, logo após o ministro – que estava em voo de Brasília para São Paulo – desembarcar na capital paulista.

Em seguida, Haddad publicou uma mensagem em seu perfil no X, antigo Twitter. “Sobre as medidas fiscais anunciadas, esclareço que nenhuma delas foi negociada com o BC”, escreveu.

Gestão Lula sob alta pressão no Congresso

A reação do setor produtivo ao aumento do IOF acabou dando à oposição no Congresso uma nova bandeira. A partir daí, derrubar a proposta tornou-se uma prioridade.

“O que eu posso fazer se o governo só faz besteira?”, alfinetou o deputado Luciano Zucco (PL-RS) durante ato da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), em Brasília, na terça-feira, 27. Zucco está entre os que apresentaram PDL para revogar a elevação do imposto.

Além dele, outros 19 pedidos semelhantes foram apresentados na Câmara. Os projetos para revogar o ato de Lula foram subscritos por seis partidos: 14 são do PL do ex-presidente Jair Bolsonaro; um do União; um do Novo; um do MDB; um do Solidariedade; e dois do PP.

“Mais uma vez, o governo erra com sua sanha arrecadatória por causa de contas mal feitas. Por que não corta os próprios gastos?”, questionou o deputado Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). “Esperamos que Haddad recue. Se não for por bem, será por mal.”

Até mesmo entre aliados a gestão petista passou a ter votos contra. “O que foi feito é uma barbeiragem que prejudica a execução da economia”, avaliou o deputado Alceu Moreira (MDB-RS). O PDT, por sua vez, já avisou que vai votar pela derrubada do aumento do IOF.

Cobrado a dar andamento de urgência ao projeto que anula o decreto de Lula, o presidente da Câmara usou as redes sociais para expor o tamanho da insatisfação de seus pares.

Para Hugo Motta, o governo “não pode gastar sem freio e depois passar o volante para o Congresso segurar”. “O Brasil não precisa de mais imposto. Precisa de menos desperdício”, provocou ele em mensagem publicada na segunda-feira, 26, antes da reunião com Haddad.

Motta foi procurado pelo líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), que tentou apagar o princípio de incêndio. “Estamos em diálogo permanente com Hugo (Motta) e com Haddad. Acho que há muita abertura do governo para ouvir sugestões tanto do Alcolumbre como do Hugo”, observou o líder petista.

O mesmo gesto foi feito na manhã de quarta-feira, 28, por Dario Durigan, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda. Durigan confirmou que a pasta estava aberta a discutir alternativas a pontos específicos das alterações no IOF.

Foi naquela mesma noite que houve a reunião entre Haddad, Gleisi, Motta, Alcolumbre e líderes do governo, na residência oficial da Câmara. Do encontro onde o ministro da Fazenda disse que o País ficaria ingovernável se não ajustasse suas finanças acabou não saindo nenhuma fórmula para acabar com a crise. Com o diálogo estabelecido, no entanto, Motta atuou para conter os líderes da Câmara que se articulavam para derrubar o mais rápido possível o decreto do IOF.

Como mostrou a Coluna do Estadão, Motta “segurou a onda” da oposição no encontro do Colégio de Líderes, convocado para tratar do assunto. Deputados queriam votar ainda naquela quinta-feira, 29, um requerimento de urgência no plenário. O presidente da Câmara vetou a iniciativa, adiando a discussão para 10 de junho.

Na próxima semana, a Câmara sediará o Fórum Parlamentar do Brics e não terá sessão com votação presencial. Nesse caso, as deliberações são pelo formato remoto, quando se costuma evitar a análise de temas polêmicos.

Embora tenha ganhado tempo para negociar, o governo continua sob intensa pressão do Congresso. Se dobrar a aposta, corre risco de não ter votos para barrar a derrubada do aumento do IOF.

A senha foi dada na tarde de quarta-feira, 27, quando diferentes bancadas parlamentares deflagraram uma ofensiva conjunta contra o decreto presidencial.

A Coalizão das Frentes Parlamentares do Setor Produtivo anunciou já ter apoios mais do que suficientes na Câmara. Um de seus integrantes, o deputado Domingos Sávio (PL-MG), minimizou até mesmo a ameaça do Planalto de cortar emendas parlamentares.

“Se quiserem contingenciar as nossas emendas, que façam isso”, desdenhou Sávio, que preside a Frente Parlamentar de Cómercio e Serviços. “O que estamos vendo é o governo preocupado em tomar medidas populistas para garantir a reeleição do Lula, mas esse aumento do IOF, num momento de juros altos, será um tiro no pé: ao invés de aquecer a economia, vai desaquecer”, previu ele. / Colaboraram Levy Teles, Pepita Ortega e Gabriel Hirabahasi

 

 

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