A história de um golpe que não deu certo, mas que ainda assombra o País
É impossível não olhar para a tentativa de se impedir a posse de João Goulart, em 1961, e não estabelecer um paralelo com o presente. O futuro da democracia no Brasil diante de seu incômodo passado é um diálogo inevitável para quem assistir à série 1961, que será exibida a partir do dia 5, no Canal Brasil.

O documentário dirigido pelo jornalista Amir Labaki é dividido em três episódios. O primeiro deles – A Renúncia e o golpe – trata da eleição de Jânio Quadros à Presidência e do vice João Goulart. Por décadas, os acontecimentos de 1961 foram retratados tendo como ponto central Jânio, o homem que prometia varrer a corrupção do País, e sua decisão de deixar o governo. Labaki inverte o valor da moeda.
Não é mais a renúncia do então presidente, o homem que Afonso Arinos retratara como sendo “a UDN de porre”, que será o centro de sua narrativa, mas o que veio depois: a ruptura da legalidade encenada pelos ministros militares que decidiram impedir a posse do vice-presidente eleito.
“É impressionante imaginar que a democracia brasileira é tão frágil, que uma crise como a de 1961 pudesse retornar 60 anos depois, e questões fundamentais naquele momento permaneçam atuais. Uma lição básica de 1961 é que você precisa punir quem atenta contra a legalidade e a democracia”, afirma Labaki. O golpe ficou impune e, em 1964, os personagens derrotados três anos antes sairiam vitoriosos.

É sobre a reação que impediu o golpe em 1961 e as consequências desse episódio para o País que o documentário vai se debruçar nos seus segundo (Legalidade) e terceiro (Jango com parlamentarismo) episódios, que vão ao ar nos dias 6 e 7 de junho, sempre às 21h30. Neles estão a decisão do general Machado Lopes, comandante do 3.º Exército (atual Comando Militar do Sul), de não mais obedecer às ordens do ministro do Exército, o marechal Odílio Denys, e defender, com seus colegas, a legalidade.
Lopes colocou-se ao lado do governador gaúcho, Leonel Brizola, que se encastelara no Palácio Piratini, e, por meio da cadeia de rádio da Legalidade, reagiu ao golpe para tentar garantir a posse de Goulart. Tropas de um lado e de outro se movimentaram, e o País esteve à beira de uma guerra civil.
A crise se desfez com a adoção do parlamentarismo. Com o esvaziamento dos poderes da Presidência, os ministros militares concordaram com a posse de Jango, em um acordo costurado por Tancredo Neves, que se tornaria o primeiro-ministro. Dessa forma, 1961 seria um ensaio geral para o golpe de 1964. “Em 1961 havia uma conjuntura política que possibilitou parar o golpe”, diz Labaki.

A ligação do diretor com o episódio remonta aos anos 1980, quando Labaki era ainda um estudante de cinema da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP). A ideia de produzir um documentário sobre a crise de 1961 o levou a buscar testemunhas como Machado Lopes e o ex-secretário de imprensa do governo gaúcho, Hamilton Chaves. Em vez de ir para as telas, o trabalho foi parar nas páginas do livro 1961 – A Crise da Renúncia e a Solução Parlamentarista, que Labaki lançou em 1986.
Já em sua obra, é a Campanha da Legalidade que ganha relevo ao lado da derrota do golpe engendrado por Denys e pelos outros ministros militares. A redemocratização do País mal se havia completado quando Labaki buscou fazer sua história à contrapelo, tentando resgatar do apagamento o fracasso do golpe, retirando da crise a ênfase sempre dedicada à renúncia de Jânio, para depositá-la no movimento da sociedade civil e de militares que cerraram fileira em defesa da legalidade.

Foi o livro que desviou Labaki de seu caminho como realizador para encaminhá-lo ao jornalismo. Mas o antigo projeto não o abandonou. Nas décadas seguintes, ele continuou a colecionar livros, imagens e informações sobre o episódio. Em 2017, o projeto seria retomado. “Naquele ano, era impensável imaginar que uma nova tentativa de golpe de Estado aconteceria no Brasil.”
O anacronismo é o erro que todo aquele que lida com a história deve buscar evitar. Pelo menos, desde que Lucien Febvre escreveu O problema da incredulidade no século XVI: a religião de Rabelais. Labaki conseguiu isso ao olhar para 1961 por meio dos relatos de testemunhas, como o ex-senador Pedro Simon, que esteve nos dias da crise em frente ao Palácio Piratini, a sede do governo gaúcho. Ou com os relatos dos generais Octávio Costa e Ernesto Geisel, então chefe da Casa Militar.

O diretor dispensou o recurso a um narrador. Também ouviu quem esteve longe de Porto Alegre, como Aldo Arantes, então presidente da União Nacional do Estudante (UNE), o deputado trabalhista Almino Affonso e a atriz Fernanda Montenegro, para reconstruir a atmosfera em Brasília e no Rio. Contou com as análises da socióloga e cientista política Maria Victoria Benevides, de imagens do acervo da TV Tupi, guardadas pela Cinemateca Brasileira, de fotografias de jornais como o Estadão e pesquisa documental em arquivos no Brasil e nos Estados Unidos para contar a sua história.
Ali estão áudios de John Kennedy e documentos da CIA, que acompanhavam o que se passava no Brasil enquanto os soviéticos construíam o muro de Berlim. Labaki queria algo diferente de seu livro. Gravou no Rio, em Porto Alegre e em São Paulo. “Enquanto gravávamos, ficava evidente como a série foi ganhando uma temperatura e uma atualidade que não existia na origem do projeto.”

A edição e montagem consumiu um ano e meio e esteve a cargo de André Finotti. Enquanto isso, nas palavras da Labaki, a “conjuntura brasileira tornou mais urgente e atual o projeto”. Seu 1961 – uma produção do Canal Brasil, Circunstância Cinematográfica, Agência Nacional do Cinema (Ancine), do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) e do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE) – foi concluído há um mês, pouco depois de o procurador-geral da República, Paulo Gonet, apresentar sua denúncia contra os que tentaram 60 anos depois precipitar o País em mais uma ruptura.