PEC do fim da reeleição: retrocesso democrático disfarçado de eficiência
A PEC 12/2022, aprovada na CCJ do Senado, que propõe acabar com a reeleição dos cargos do poder Executivo e ampliar os mandatos de quatro para cinco anos, tem como justificativa garantir a igualdade de disputa entre os candidatos, afastando da eleição o poder da administração pública. Além disso, argumenta que a alteração constitucional vai promover maior renovação política e o surgimento de novas lideranças.
Porém, ao reverso do que pensam os defensores da medida, a verdade é que tal mudança representa um inequívoco retrocesso democrático. Ao concentrar em um único momento todas as escolhas políticas da população, perde-se um dos elementos mais valiosos de qualquer sistema democrático: a capacidade de aferição periódica da vontade popular.
Uma análise mais acurada — especialmente sob a perspectiva constitucional e democrática — revela que a unificação dos pleitos e a ampliação dos mandatos não representam avanço institucional. Ao contrário, tais medidas atentam contra princípios fundamentais da República, como a soberania popular, o federalismo e a participação cidadã.
O primeiro e mais evidente problema reside na drástica redução dos momentos de controle social sobre os representantes. Atualmente, o Brasil realiza eleições a cada dois anos, alternando pleitos municipais e gerais. Essa dinâmica permite que os cidadãos exerçam um controle mais constante e efetivo sobre os rumos da administração pública, premiando boas gestões e penalizando práticas equivocadas. Reduzir esses momentos significa reduzir, na prática, a soberania popular.
Além disso, a proposta de unificação das eleições, ao argumento de trazer maior igualdade, traz consigo o risco de ofuscar completamente as pautas locais. Isso porque, a vencer a propositura que foi aprovada na CCJ do Senado, a disputa simultânea por cargos como presidente, governadores, senadores, deputados, prefeitos e vereadores, fará com quem as discussões locais sejam relegadas a um segundo plano.
A eleição municipal, que deve ser um espaço privilegiado para o debate sobre os problemas específicos de cada cidade seria tragada pela polarização nacional, pela guerra de narrativas partidárias e pelos temas de amplitude federal. O eleitor se veria sufocado por uma enxurrada de informações e campanhas, comprometendo a qualidade da escolha e a própria efetividade do processo eleitoral, impedido a almejada renovação das lideranças locais.
No que tange ao aumento dos mandatos para cinco anos, sem a possibilidade de reeleição, a justificativa da PEC de que esse acréscimo propiciaria ao gestor a implementação das políticas públicas necessárias, não convence. Sem qualquer esforço de raciocínio, se mostra evidente que o que não foi possível concluir em quatro anos, não se aperfeiçoará em um ano adicional. A implementação de políticas públicas importantes demanda planejamento sério e investimentos, sendo imperioso garantir que a população possa ir às urnas para escolher sobre a continuidade daquela gestão ou a necessidade de alternância do poder, sendo esses elementos estruturantes do regime democrático.
Não há qualquer garantia de que um prazo mais longo resulte em gestões mais eficientes. Ao contrário, estender o mandato de maus gestores, mesmo que por apenas mais um ano, significa prolongar problemas e ineficiências. Em um país de desigualdades profundas, com desafios sociais urgentes, reduzir a possibilidade de alternância de poder, com o fim da reeleição e a oferta de um ano bônus no mandato, é absolutamente temerário.
Outro ponto que deve ser levado em consideração no debate sobre a unificação das eleições diz respeito a estrutura operacional da Justiça Eleitoral. Mesmo com um histórico reconhecido de eficiência, o judiciário eleitoral opera com um quadro limitado de servidores e infraestrutura. Atualmente, em anos de eleições municipais, ela administra cerca de 460 mil registros de candidaturas e outros 28 mil registros em se tratando de eleições gerais. Com a unificação, o processamento e julgamento de registros, impugnações, além de toda a análise de documentação de prestação de contas e verificação de inelegibilidades, colocariam o sistema sob pressão sem precedentes.
Outro ponto crucial é a dificuldade do eleitor em lidar com um número tão elevado de votos em um único dia. A votação passaria a exigir a escolha de até sete cargos distintos. Tal volume compromete a qualidade do voto, pode gerar confusão nas urnas eletrônicas, enormes filas nos colégios eleitorais, e, em última instância, reduzir a consciência política do eleitorado sobre os candidatos e as funções que estão sendo disputadas.
A unificação das eleições, embora possa parecer uma medida racional do ponto de vista orçamentário e de simplificação política, ignora os limites operacionais da Justiça Eleitoral e desconsidera o impacto cognitivo e informacional sobre o eleitor. A medida, se aprovada sem o devido planejamento estrutural, pode comprometer a legitimidade, a transparência e a eficácia do processo eleitoral brasileiro, abrindo margem para judicializações, atrasos e desinformação.
Resta evidente, portanto, que a proposta ignora um elemento essencial da democracia: a participação contínua do cidadão na vida pública. A eleição, além de instrumento de escolha, é momento de mobilização, de debate, de reflexão coletiva. Diminuir sua frequência enfraquece a cultura democrática e distancia a população da política, justamente em um momento em que o fortalecimento das instituições e da cidadania deveria ser prioridade.