30 de junho de 2025
Politica

Mafia italiana usa ‘sistema bancario’ chinês na Europa para pagar compra de drogas do PCC

Há 17 anos, Giovanni Bombardieri começou a trabalhar em uma das 26 procuradorias antimáfia italianas, primeiro em Roma, depois em Catanzaro, na Calábria. Sua carreira judicial começara em 1990, no Tribunal de Locri, como juiz – na Itália, a procuradoria é um ramo da magistratura –, o primeiro cargo do homem que se dedicaria depois a combater a mais poderosa das máfias de seu país: a ’Ndrangheta.

Depois, em 2008, em Roma, onde era procurador substituto, entrou para a Diretoria Distrital Antimáfia (DDA), órgão da Procuradoria da República. Bombardieri se transferiu, então, para Catanzaro como procurador adjunto e, em seguida, para Reggio Calábria, onde se tornou o procurador-chefe, coordenando a Operação Eureka, que envolveu prisões e buscas em diversos países europeus à procura do dinheiro das ‘ndrine, os grupos de ‘Ndrangheta que se haviam aliado às máfia balcânicas e sul-americanas para dominar o tráfico de droga transatlântico. Foi então que surgiram as evidências que levaram a grandes brokers italianos da cocaína agindo no Brasil, depois que se aliaram aos traficantes do Primeiro Comando da Capital (PCC). O esquema enviou toneladas da droga para a Europa, para a África e para a Ásia.

Giovanni Bombardieri, procurador da República da Direção Distrital Antimáfia, de Turim, na Itália, que investiga há mais de uma década a 'Ndrangheta
Giovanni Bombardieri, procurador da República da Direção Distrital Antimáfia, de Turim, na Itália, que investiga há mais de uma década a ‘Ndrangheta

Em 2024, Bombardieri deixou a Calábria e se transferiu para o norte da Itália, onde se tornou chefe da Procuradoria Distrital Antimafia de Turim. E foi ali que ele obteve a colaboração coma Justiça de Vincenzo Pasquino, um ndranghetista preso na Paraíba, em 2021, com o boss Rocco Morabito, ambos extraditados para a Itália.

As informações obtidas com Pasquino são a base de uma das maiores operações até agora desencadeada pela Polícia Federal em colaboração com a procuradoria italiana contra o PCC e a ‘Ndrangheta. Chamada de Samba na Itália, aqui ela ganhou o nome de Operação Mafiusi. Bombardieri esteve na semana passada no 2.º Seminário Internacional de Segurança Pública, Direitos Humanos e Democracia, organizado pelo Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE), em São Paulo. Foi lá que a coluna o entrevistou.

Empresas americanas que investem no Brasil estão preocupadas com a presença do crime organizado no País. Dizem que ele é o principal obstáculo para novos investimentos. Organizações criminosas podem afetar a liberdade de empreender?

Temos o mesmo problema na Calábria. Em uma investigação há alguns anos, eu morava em Catanzaro, havia multinacionais que administravam vilas turísticas na costa calabresa de Catanzaro. Lembro que tínhamos algumas investigações em andamento e interceptamos algumas ligações telefônicas do diretor, que sabíamos que era vítima de uma suposta extorsão, que falava com seus colegas em nível internacional – era uma empresa espanhola. E ele disse: ‘Olha, essa gente vem aqui e quer fazer isso, quer tornar a vila segura, essas pessoas vêm e nos impõem fornecedores e no verão nos impõe a manutenção da vila.’ E ele queria saber o que fazer, pois essas pessoas se impuseram. Então, o diretor responde: ‘Olha, não façam nada, não denunciem: não voltaremos no ano que vem’. Então, isso significa um atentado contra o desenvolvimento da Calábria, pois não há liberdade econômica e isso é muito preocupante.

Eu gostaria que o senhor explicassa o que é ’Ndrangheta no contexto da criminalidade organizada global?

’Ndrangheta é a organização criminosa mafiosa italiana mais perigosa, a mais difundida e com maioe r projeção internacional. ‘Ndrangheta tem uma base familiar, é baseada em famílias, tanto que identificamos as gangues da ’Ndrangheta por sobrenome, como as cosche Morabito, os clãs da província de Reggio Calábria e suas projeções na Itália e na Europa. Essa característica familiar fez com que ela fosse a organização criminosa menos afetada por colaborações judiciais.

O chefão italiano Rocco Morabito, conhecido como U Tamunga, em sua ficha na polícia brasileira
O chefão italiano Rocco Morabito, conhecido como U Tamunga, em sua ficha na polícia brasileira

Enquanto com Cosa Nostra (a máfia da Sicília), após as primeiras delações, houve um desenvolvimento de colaboradores da justiça, com ’Ndrangheta os colaboradores da justiça sempre foram muito poucos, porque colaborar significava acusar o pai, acusar o irmão, o primo. Esse laço de sangue, que está na base da família ndranghetista, impediu que houvesse um desenvolvimento de colaboradores. Recentemente, isso mudou; hoje, temos cada vez mais colaboradores também da ’Ndrangheta, mas esse limite do parentesco permanece.

Ela é uma organização estruturada com regras precisas, com rituais precisos, que buscam ter um significado, mais do que qualquer coisa, de vínculo, de fortalecimento do sangue. O vínculo entre os indivíduos que são batizados, são incorporados e promovidos criminalmente e, de acordo com as ações e atividades realizadas. A ’Ndrangheta é ainda aquela organização criminosa que, graças a uma subestimação de parte das instituições – que durou muito tempo –, que a consideravam uma máfia rural, de pastores, uma máfia que existia apenas em nível local, teve a oportunidade de se desenvolver economicamente, de se esconder em San Luca, Platì, Rosarno e Gioia Tauro e em outras partes da Calábria, e de se projetar em todo o mundo. Ela está presente na América do Sul e do Norte há décadas. Temos gangues da ‘Ndrangheta que têm atuação no Canadá desde os anos 60 e 70 e na Austrália.

Enquanto só se falava e se combatia Cosa Nostra…

O atraso na conscientização sobre o perigo da ‘Ndrangheta surge justamente disso, de uma atenção que foi dada à Cosa Nostra também porque era a máfia que matava. ’Ndrangheta sempre teve um perfil mais cauteloso, entendendo que não poderia elevar o nível de agressão. Foi só recentemente, que houve um julgamento em Reggio Calábria que comprovou o envolvimento da ’Nndragheta na temporada de chacinas. Houve o assassinato de três carabinieri e um outro ficou ferido, nos anos 1993 e 1994, que estavam ligados ao pacto de chacinas entre a Cosa Nostra, que também envolveu a ’Ndrangheta. Ouvimos de colaboradores que disseram que a ’Ndrangheta não queria se aliar à Cosa Nostra nessa estratégia porque já a consideravam perdedora na época.

Enfrentar o Estado não era sua estratégia?

Não era realmente. Há um ditado em dialeto, que diz: ‘Càlati juncu ca passa la china’. O junto se dobra até passar a cheia. Ele é uma planta flexível, que sobrevive à inundação. Ou seja, submerge-se nos momentos mais críticos para, depois, recuperar as forças quando a situação se acalma. ’Ndrangheta também tinha essa peculiaridade: sendo uma organização territorial, com um controle muito rigoroso do território, desenvolveu uma série de sequestros por toda a Itália, o que lhe permitiu acumular riquezas, que foram investidas no tráfico de drogas.

Difusão vermelha da Interpol de Vincenzo Pasquino
Difusão vermelha da Interpol de Vincenzo Pasquino

Entre o fim dos anos 1970 e o início dos anos 1990, houve inúmeros sequestros gerenciados pelos clãs da ‘Ndrangheta, o que permitiu que ela se tornasse o maior e mais importante player no tráfico internacional de drogas.

De acordo com as investigações conduzidas pela Procuradoria Antimáfia de Reggio Calábria e outras, qual seria o papel do PCC no tráfico de drogas da América do Sul para a Europa? Seria apenas uma questão de fornecimento de cocaína na rota atlântica ou já existe a presença de criminosos do PCC também no tráfico local de drogas na Itália como acontece em Portugal?

Seguramente o que podemos dizer é que, nos últimos anos – algumas declarações de Vincenzo Pasquino nos dizem, mas isso também emerge, mesmo antes de suas declarações, de outras investigações – que as relações de ‘Ndrangheta e do PCC visavam o tráfico de entorpecentes, para obter novas rotas para o envio de drogas. Foram firmadas alianças e fala-se até de remessas que ocorreram sob responsabilidade de organizações brasileiras, no sentido de que, em alguns casos, a organização brasileira forneceu a droga sem receber pagamento, e essa droga chegou à Itália e foi, então, vendida com um preço final fixado no mínimo, de modo que todo o resto que a organização ’ndranghetista obteve permaneceu com ela.

Foi uma remessa que chegou em meio a uma importação que chegou a custo zero para ‘Ndrangheta. Somente após a venda ter ocorrido sob certas condições – tiveram de vender a um determinado preço, e não abaixo dele –, o valor foi reembolsado às organizações brasileiras. Essa é uma relação de grande confiança, porque significa investir em um parceiro em que você confia e que você sabe que respeitará as condições estabelecidas. Então, eu posso dizer que houve essas conexões, que foram substanciais em remessas de dezenas de toneladas de drogas.

As provas da Operação Eureka: Mensagem enviada por Vincenzo Pasquino com imagens da droga que ia despachar para a Itália com Sebastiano Giampaolo
As provas da Operação Eureka: Mensagem enviada por Vincenzo Pasquino com imagens da droga que ia despachar para a Itália com Sebastiano Giampaolo

Não posso afirmar, em relação às emergências investigativas atuais, àquelas já expostas, àquelas que são objeto do processo, que haja uma presença física e territorial do PCC na Itália. Certamente essas relações existem, mas não se pode descartar que tenha havido, como aconteceu com outras organizações.

Como os albaneses?

Sim, como os albaneses ou outras organizações criminosas da América do Sul que enviaram seus emissários à Calábria para verificar se tudo estava acontecendo em ordem, a extração dos narcóticos dos portos. Não se pode descartar que tenha havido algum indivíduo enviado pela organização brasileira para verificar a regularidade das operações. Mas não se pode afirmar, pelo menos não podemos afirmar no momento, que haja uma presença estável da organização brasileira na Itália.

Como a ‘Ndrangheta administra seus lucros com criptomoedas no mundo? Isso também foi objeto da investigação do Ministério Público?

Entre 2015 e 2016 houve uma investigação com uma equipe conjunta com a Alemanha e a Holanda. No âmbito daquela investigação, descobriu-se que alguns suspeitos ‘ndranghetistas, falando ao telefone, comentavam o fato de terem proposto a alguns colombianos o pagamento de remessas em criptomoedas, mas eles queriam apenas dinheiro em espécie.

Dinheiro dos mafiosos ligados a Pasquino usado nas operações para a compra de entorpecentes: lavagem de dinheiro envolvia diversos países
Dinheiro dos mafiosos ligados a Pasquino usado nas operações para a compra de entorpecentes: lavagem de dinheiro envolvia diversos países

Portanto, a ’Ndrangheta, na época, já tinha a possibilidade de investir em criptomoedas e pagar com criptomoedas. E esses dois ndranghetistas que estavam falando ao telefone quase sorriram diante dessa resistência dos colombianos. ’Ndrangheta investe em qualquer negócio que permita ganhar dinheiro.

Ela iniciou os primeiros investimentos, é claro, no norte da Itália, depois, no norte da Europa, em restaurantes, construção civil, no mercado imobiliário, mas, gradualmente, também por meio do trabalho de profissionais cada vez mais envolvidos nos negócios da máfia, ela investiu em criptomoedas.

E no comércio varejista?

Inicialmente, no comércio varejista, mas hoje podemos dizer que a ’Ndrangheta investe em todos os negócios que podem gerar lucro, no tráfico de lixo, em jogos de azar e apostas online.

Em apostas online?

Quando estava na procuradoria antimáfia de Reggio Calábria, desenvolvemos algumas investigações em conjunto com as procuradorias distritais de Catania, Bari e outras cidades.

Apostas online ligadas ao resultados de jogos de futebol?

Nas apostas online não se tratava de fraudar ou acertar os resultados, mas sim da gestão de apostas por meio de um canal paralelo ao legal. Os centros de apostas eram geridos e, aqui, também se garantia a paz territorial nos locais onde havia os pontos de venda das apostas.

O jogo online, portanto, tinha uma dupla função: a de obter lucros, mas também a de permitir a lavagem de dinheiro, para ocorrer sem que se pudesse identificar o fluxo de dinheiro nos meandros das organizações dedicadas aos jogos de azar online.

Operação Mafiusi: Os mafiosos Nicola Assisi e seu filho Patrick Assisi, presos pela PF em São Paulo, eles cumprem pena no sistema de presídios federal do Brasil: ligação da 'Ndrangheta com o PCC
Operação Mafiusi: Os mafiosos Nicola Assisi e seu filho Patrick Assisi, presos pela PF em São Paulo, eles cumprem pena no sistema de presídios federal do Brasil: ligação da ‘Ndrangheta com o PCC

Portanto, a ’Ndrangheta atua em todos os setores onde há possibilidade de lucro. Na Calábria, também na área da Saúde, existem setores como o fornecimento de serviços e o fornecimento de bens, que têm sido objeto de investigação, por serem realizados por organizações ligadas às gangues ‘Ndrangheta. E existem profissionais disponíveis, que podem realmente se orgulhar de serem os melhores profissionais para isso, que podem ser contadores e advogados, que estiveram envolvidos nos investimentos das gangues.

A interceptação de comunicações ainda é um método válido para combater organizações mafiosas?

As conversas telefônicas são cada vez menos úteis para comprovar o tráfico. Mas são úteis para identificar conexões e individualizar relacionamentos, mas, agora, os chats criptografados e outros sistemas de comunicação – como o Sky ECC, que tem sido objeto de grande atividade investigativa – são os meios mais utilizados para comunicação.

No entanto, é importante manter o controle das ligações telefônicas, porque essas interceptações nos permitem mapear relações indispensáveis. E, então, quase frequentemente, há lacunas na rigidez das comunicações: sempre há algum sujeito que deixa algo escapar e que pode constituir um, digamos, elemento a ser aprofundado na investigação. As interceptações são fundamentais. Interceptações ambientais e telefônicas; e interceptações usando trojans, que nos permitem adquirir elementos que, de outra forma, não seriam possíveis. Há crimes que têm uma execução circular. Se você pensa em extorsão, ela ocorre entre o sujeito que é achacado e o sujeito que achaca.

Carabineiros italianos mobilizados pela procuradoria de Locri, na Calábria, para a operação Eureka, contra a 'Ndrangheta
Carabineiros italianos mobilizados pela procuradoria de Locri, na Calábria, para a operação Eureka, contra a ‘Ndrangheta

Se ninguém tem dúvida de que quem extorque não denuncia; mas, se nem mesmo quem é vítima da extorsão denuncia, você não consegue saber nada sobre o crime. Assim, frequentemente, detectamos extorsões a partir das interceptações e de outros processos. Detectamos que há um sujeito que está pagando, que pagou ou que é usurário. Em todo caso, se quem é vítima não denuncia, é difícil entender o que está acontecendo entre esses dois sujeitos.

O que significou para o combate à ’Ndrangheta a Operação Eureka realizada pelo Ministério Público de Reggio Calabria?

Essa investigação foi importante sob vários pontos de vista. Primeiro, pela qualidade da cooperação judiciária. Essa é uma investigação que foi realizada por até seis setores judiciais juntos. E não todos italianos: o Ministério Público de Reggio Calabria, a Diretoria Distrital Antimáfia de Reggio Calabria, quatro promotores alemães e o Ministério Público Federal Belga, além do envolvimento e da colaboração preciosa de autoridades de outros países, como da Espanha, de Portugal e da Austrália.

E isso nos permitiu, digamos assim, reconstruir em tempo real o tráfico de drogas que estava ocorrendo.

E este é o primeiro dado muito importante, porque é mais uma confirmação, mais uma prova de que, graças à cooperação internacional, resultados importantes podem ser obtidos. No caso, a reconstrução do tráfico internacional com a América do Sul, portanto, a reconstrução do tráfico com o PCC. Os métodos de pagamento, com o envolvimento de cidadãos chineses no pagamento de carregamentos de drogas.

E armas do Paquistão para o Brasil?

A tentativa de trazer essas armas em direção ao Brasil (…), toda uma série de elementos importantes que abriram uma janela vasta para a investigação, que verificou carregamentos de drogas de dezenas e dezenas de toneladas. Ela constatou e reconstruiu pagamentos em dinheiro de mais de € 23 milhões. E envolveu várias organizações criminosas – há quatro organizações criminosas nessa investigação. Portanto, é uma investigação que nos permitiu reconstruir toda essa seção transversal criminal para nós.

E também na América do Sul?

Também na América do Sul, mas não apenas ali, porque nessas remessas reconstruímos as remessas de drogas que chegaram desses indivíduos brasileiros que interagiam com (Rocco) Morabito e com outras organizações de ‘Ndrangheta. E o sistema de pagamento desse underbanking chinês, que ativa a transferência de dinheiro sem que o dinheiro se mova: eu entrego na Itália ou na Europa quantias de dinheiro – as mesmas quantias que esses indivíduos conseguem ter na América do Sul –, sem que esse dinheiro tenha se movido, por meio de um sistema de tokens. É um sistema de entrega de dinheiro.

Trecho da investigação italiana com a Foto enviada pelos traficantes de armas para os mafiosos da 'Ndrangheta: fuzis AK-47 teriam como destino o PCC
Trecho da investigação italiana com a Foto enviada pelos traficantes de armas para os mafiosos da ‘Ndrangheta: fuzis AK-47 teriam como destino o PCC

Depois de Eureka, outro fato importante aconteceu, que foi justamente a colaboração de Vincenzo Pasquino?

Essa é uma investigação importante porque envolveu diretamente o Brasil, porque é uma investigação da Diretoria Distrital Antimáfia de Turim, que concluiu a fase cautelar em dezembro passado e que se baseia em uma equipe, a primeira equipe conjunta de investigação entre a Itália e as autoridades judiciárias da Polícia Federal brasileira. Esse é um caminho que nos fez entender a importância da cooperação, mesmo fora da Europa.

Foi a Operação Samba?

Operação Samba para nós, para vocês, Mafiusi. É a mesma operação do nosso lado e do lado do Brasil. E essa é uma operação importante porque teve a primeira equipe conjunta de investigação formada entre uma Diretoria Distrital Antimáfia italiana e as procuradorias da República brasileiras do Paraná e da Paraíba. E esse é o caminho que queremos seguir. A Procuradoria Nacional Antimáfia, em particular o seu chefe, Giovanni Melillo, acredita muito nisso, ao iniciar relações sistemáticas com as autoridades judiciárias da América do Sul, incluindo o Brasil, justamente, para iniciar investigações em cooperação. Como mencionei anteriormente, a importância da equipe de investigação é que ela permite obter elementos investigativos enquanto eles estão sendo realizados.

É muito importante para mim saber que estou investigando drogas que chegam à Itália ou à Europa, saber e entender o que está acontecendo do outro lado do planeta com essa mesma remessa, quem a enviou, como foi enviada, de qual porto partiu. Então, vendo a mesma atividade criminosa em ambos os lados…

Drogas apreendidas durante operação que uniu autoridades brasileiras e italianas
Drogas apreendidas durante operação que uniu autoridades brasileiras e italianas

Até agora, estávamos acostumados a ver investigações que diziam respeito à recepção e importação da droga. Aqui, temos a possibilidade de ver a importação e exportação do entorpecente. Na mesma carga de drogas, podemos reconstruir quem a envia e como a envia, por meio de quem a envia e, até mesmo antes, como ocorreu essa remessa, quem iniciou os contatos, quem negociou, quem está e, ao mesmo tempo, ver quem está esperando por essa droga e quem consegue retirá-la do porto, extrai-la do porto. E isso é algo que até recentemente era difícil de se conseguir

Por fim, por que é importante para uma organização mafiosa controlar as prefeituras e câmaras municipais ainda mais do que os parlamentos?

A política, como você bem sabe, se expressa em vários níveis. Assim, as câmaras municipais remetem ao controle do território, que é a base da força da ’Ndrangheta. A ’Ndrangheta parte do controle de seu território e, a partir daí, encontra a força para se projetar pelo mundo. O controle da câmara municipal, o controle desses órgãos, permite à ’Ndrangheta ter capacidade de infiltração e se legitimar junto à população. Essa população sabe que nas câmaras municipais há ndranghistas que podem fazer qualquer coisa. Portanto, é uma legitimação do seu poder sobre o território.

Eles não se limitam apenas aos vereadores, porque em nossas investigações na Calábria, vimos que a ’Ndrangheta construiu carreiras políticas. Constatamos, em uma investigação há algum tempo, como a organização chegou a identificar pessoas desprovidas de história política, desprovidas de seguidores políticos, pessoas quaisquer, que não tinham chance de serem eleitas, e a organização as elegeu, ela as construiu.

Os mafiosos mesmos os indicavam, isso mostrava os telefonemas, como ‘monstros’, isto é, sujeitos que sabiam muito bem que sem a ’Ndrangheta não teriam sido eleitos, porque não tinham história política, nem sindical, nem associativa, e, portanto, sabiam que essa eleição era devida à ’Ndrangheta.

Alvos da Operação mafiusi, o empresário Willian Agati e Emerson Menezes, o Grilo do PCC, em um  churrasco em um imóvel em Florianópolis: dupla é acusada de chefiar esquema bilionário de tráfico e de lavagem de dinheiro
Alvos da Operação mafiusi, o empresário Willian Agati e Emerson Menezes, o Grilo do PCC, em um churrasco em um imóvel em Florianópolis: dupla é acusada de chefiar esquema bilionário de tráfico e de lavagem de dinheiro

Hoje as coisas mudaram. O que observamos, especialmente, na Calábria é que não é mais a ’Ndrangheta que cria esses personagens políticos. São alguns, não todos, mas alguns personagens políticos que, para serem eleitos, recorrem à ’Ndrangheta. Assim, passamos do momento em que era a ’Ndrangheta que ia até os políticos e os criava. Agora, são políticos que, muitas vezes, para obter a eleição, recorrem aos ndranghetistas, que lhes asseguram os votos que lhes permitem ser eleitos.

E, infelizmente, este é um fenômeno que não diz respeito à política em geral, mas sim a algumas figuras políticas que, assim, se colocam à disposição das forças da criminalidade.

E não são de um partido específico?

Não o são agora. Veja, em Reggio Calábria, alguns mafiosos interceptados falavam entre si e diziam que apoiavam o candidato de direita que estava nas eleições municipais e o de esquerda, porque ‘se um ganhar, estamos cobertos; se o outro ganhar, estamos cobertos de qualquer maneira’. Então, eles apoiaram os dois candidatos, sabendo muito bem que obteriam o resultado desejado de qualquer maneira.

 

 

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