Como conquistar votos ‘bolsonaristas’ e se manter na democracia (ou a quadratura do círculo)?
A partir da próxima semana, Bolsonaro dá mais um passo em direção ao cadafalso com o depoimento ao ministro Alexandre de Moraes, no qual tentará se livrar das acusações de tentativa fracassada de golpe de Estado. Pelos fatos, pelo clima político, pelo viés e modos do relator e do Supremo, sabemos o final dessa história: a prisão do líder popular e populista da direita brasileira.
É evidente, portanto, que uma das estratégias políticas do governo para vencer as eleições em 2026 será se colocar no campo da democracia, enquanto o adversário, devido às suas ligações com o provável presidiário Jair Bolsonaro, como um conivente de golpe de estado. A tentativa de representar o bem enquanto o adversário, o mal, comum nos discursos de candidatos do PT, poderá vir travestida na disputa da democracia contra a ditadura, mais uma vez.

O outro lado pode até tentar diminuir as credenciais democráticas de Lula, levantando, por exemplo, suas ligações para lá de estranhas com líderes como Nicolás Maduro, da Venezuela, ou Vladimir Putin, na Rússia. Mas nesse ponto, Bolsonaro, encarcerado, será um sujeito mais difícil de defender neste tipo de debate.
A direita brasileira tem, portanto, um problema matemático-eleitoral para resolver. Precisa dos votos de admiradores mais radicais de Bolsonaro para ser competitiva e, ao mesmo tempo, manter suas credenciais democráticas. O problema é que para cultivar os bolsonaristas, muitas vezes, é preciso comprar seu “pacote de loucuras”, o que inclui alegar que houve fraude nas urnas na eleição de 2022, dizer que Bolsonaro é apenas um perseguido político, a anistia geral para os envolvidos no 8/1/2023, e por aí vai. É uma ambiguidade praticamente irresolvível – um nó górdio.
Para o plano da direita dar certo, será preciso Lula chegar em 2026 com a popularidade tão fraca a ponto de o oponente ter fôlego para poder superar essa ambivalência – que será explorada pelo petismo e seus simpatizantes, inclusive fora do círculo político. Haverá vídeo de artistas da MPB e de mais gente da classe artística baseada no Sudeste, manifestos de intelectuais contra o sujeito da direita, podem apostar.
É possível até uma jogada ousada. Em algum momento, o candidato de dentro da direita romper com Bolsonaro e apostar as fichas no anti-lulismo e mesmo assim vencer. Será acusado de traidor. Há uma questão de timing a ser observada também. O risco é o ex-presidente, mesmo da penitenciária, lançar alguém da própria família como concorrente e embolar o jogo. Essa confusão, inclusive, seria o cenário de sonhos para o atual ocupante do Palácio do Planalto. O filho 03 de Bolsonaro, Eduardo, colocou suas garrinhas de fora esta semana e se lançou num vídeo em que homenageia um líder autocrata: o húngaro Viktor Orbán.
O nome mais cotado hoje para viver essa ambivalência bolsonarismo x democracia é o governado de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Hoje ele se equilibra entre subir no trio elétrico de Bolsonaro, ir a alguns eventos com a presença do presidente Lula, posar para fotos com o ministro do STF Alexandre de Moraes (o algoz de Bolsonaro), se mostrar como um administrador competente, e ainda defender o ex-presidente da acusação de golpe. Se tornar presidente é uma tarefa política complicada e tanto para Tarcísio, que não por acaso foi presidente do poderoso Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (DNIT) no governo Dilma Rousseff. Não será a primeira vez que acenderá velas para Deus e o diabo em sua trajetória.
Por décadas, a direita brasileira não viveu esse tipo de problema. Até porque não apresentava exatamente candidatos viáveis. Restava aos mais radicais tampar os narizes e votar no representante do PSDB, apenas para evitar a chegada do petismo no poder. A campanha contra os tucanos do PT, por sua vez, era xingá-los de tudo o que não eram: fascistas, direitistas, insensíveis com a área social, etc. Mas de 2002 até 2014 deu certo, até que apareceu um direitista de verdade na jogada.
Agora, quem não tem candidato viável é o centro. O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, não por caso um ex-tucano, se apresentou para o pleito de 2026 no PSD. Quase ninguém deu bola. Não se sabe se irá se viabilizar como candidato. E assim o Brasil, dividido, enfrentará uma eleição com duas opções populistas (talvez um solto e outro na penitenciária), na qual vencerá o menos rejeitado.