30 de junho de 2025
Politica

Um perene círculo vicioso

Uma vez mais o Brasil se depara com um escândalo de ímpar magnitude, reverberando-se de forma aguda a desfaçatez de agentes públicos e privados que não hesitam em parasitar a máquina pública, ainda que em prejuízo de hipossuficientes e vulneráveis.

A bola da vez, o Instituto Nacional do Seguro Social, se viu no centro de uma trama de descontos ilícitos de benefícios previdenciários por meio de associações e sindicalizações fraudulentas de aposentados, bem como em outra frente com o desvio de valores de aposentadorias por meio de fictícios e simulados empréstimos consignados.

Na presente quadra, os prejuízos para pensionistas e aposentados, ao que tudo indica, podem ter alcançado a casa de dezenas, quiçá centenas, de bilhões de reais. E tudo isso com a agravante que o governo federal tem indicado que a reparação pelos prejuízos causados poderá ser custeada pelo próprio orçamento público, tendo sido tímidas e recalcitrantes as medidas para o rastreio e bloqueio dos recursos desviados.

E aqui cabe um parênteses de que a corrupção, em especial contra a seguridade social, representa grave e inolvidável violação aos direitos humanos, na medida em que compromete diretamente o sistema de proteção social, deixando ao desamparo justamente os cidadãos em situação de vulnerabilidade, tais como aqueles acometidos por doenças, desemprego, velhice ou incapacidade.

E, como corolário, o desvio de recursos componentes do sistema de seguridade social resulta em precarização dos serviços públicos e consequente aumento da desigualdade social, pois se atinge em cheio a população vulnerável em favor de apaniguados abrigados em altas funções públicas e seus asseclas.

A partir daí, naturalmente, aumenta-se a desconfiança nas instituições públicas, em especial porque a percepção de impunidade e má gestão corrói a legitimidade das instituições democráticas, enfraquecendo ainda mais a coesão social, tudo com o consequente incremento de ciclos de exclusão e violência.

No mais, não é demais lembrar que a Constituição define, no artigo 194, que a seguridade social tem como objetivos a universalidade da cobertura e a equidade no acesso, de modo que a corrupção desequilibra tal sistema, gerando injustiça material no tocante ao acesso aos benefícios, comprometendo-se, de conseguinte, a própria higidez e capacidade operacional para o pagamento de benefícios, como aliás já tem sido alardeado com a notícia da necessidade de aumento da idade mínima para a aposentadoria.

E aqui, uma vez mais, se evidencia como o adequado enfrentamento e prevenção mesmo da corrupção é tema a ser resgatado para a ordem do dia, em especial porque um adequado gerenciamento, distribuição e aplicação dos recursos públicos angariados junto à população é tarefa primeira de qualquer gestor em qualquer nível de governo.

Com efeito, em nada se aproveita à sociedade a discussão sobre um regime tributário mais eficiente, uma mais adequada representatividade política, uma mais sólida distribuição federativa, melhores medidas para uma maior inclusão social e uma mais eficaz segurança pública, se não endereçada a questão primeira, embrionária, pressuposta, que é a de que o Estado, para ser eficiente e se desincumbir de sua missão, há de ser composto por pessoas probas e comprometidas com a ética e com as finalidades públicas atreladas ao desempenho de suas respectivas funções.

E, no mais, importa frisar que o bom e adequado combate à corrupção é tema de interesse universal e não se atrela ou não deveria se atrelar a qualquer viés ideológico, ainda que dados setores tenham desvirtuado essa pauta tão necessária vinculando-a a interesses político-partidários menores. É dizer, em sendo questão de interesse comum, há de ser tratada como política de Estado que é, e não de um governo de ocasião em especial, de modo que há de mobilizar e engajar a todos no que se refere às mudanças estruturais e culturais que se fazem necessárias.

Sem embargo, hodiernamente a discussão do tema corrupção e atrelado aprimoramento e moralização da esfera pública não mais suscita interesse político e ou midiático, tendo se formado uma espiral do silêncio de proteção mútua e benefícios recíprocos entre as esferas públicas e privada.

O momento atual, portanto, indica perigosa e preocupante normalização do uso inadequado da máquina pública, se destacando o aparelhamento do Estado, a precarização dos meios de controle preventivos e repressivos, e a imposição centenária de sigilos para gastos e agenda de autoridades indicativas de eventuais ilicitudes, tudo sob as barbas da sociedade e das instituições responsáveis pelo enfrentamento.

Atônito, o homem comum pouco ou nada pode fazer em torno do atual estado inconstitucional das coisas, sendo refém e vítima de decisões burocráticas, malfeitos e desvios que lhe atingem diretamente, afetando-se mesmo o próprio cerne e substancialidade da democracia.

Desta feita, há que se romper, por primeiro, com a naturalização dos malfeitos públicos e privados e correlata impunidade, como aquele advindo do compadrio nas relações públicas, adesão ao clientelismo e ao nepotismo. De igual modo, impõe-se o fortalecimento de mecanismos preventivos, destacando-se a necessidade de auditorias periódicas, implementação de sistemas de integridade, além de um maior controle social e incremento da transparência em geral.

Para tanto, é fundamental reconhecer que a corrupção, quer a praticada contra a seguridade social, quer a corrupção em geral, mais que um crime contra os segurados e contra o próprio Estado Brasileiro, representa grave e acintosa violação aos direitos humanos e ao próprio pacto social que fundamenta as noções mais básicas e comezinhas de Justiça.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

 

 

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