30 de junho de 2025
Politica

Violência política de gênero no Brasil: entre o reconhecimento legal e a negação simbólica

Segundo a Lei nº 14.192/2021, a violência política de gênero é “toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos de uma mulher”. Isso inclui desde a deslegitimação de sua capacidade política até ameaças, agressões físicas e assassinatos. Esse tipo de violência está intimamente ligado à resistência das instituições políticas à presença feminina, especialmente de mulheres negras, indígenas, LGBTQIA+ e periféricas. A violência, nesses casos, não atinge apenas o indivíduo, mas o próprio princípio democrático da pluralidade e da igualdade de participação.

Sancionada em agosto de 2021, a promulgação da norma representou um marco, prevendo sanções penais e administrativas, bem como determinando que os partidos criem mecanismos de proteção às mulheres em seus quadros.

Contudo, a sua efetividade depende da correta aplicação e de uma mudança institucional mais profunda. Um dos principais obstáculos é a correta identificação e tipificação dos casos de violência política de gênero. Muitas vezes, essas ocorrências são registradas sob outras categorias, como calúnia, injúria, ameaça ou quebra de decoro, sem considerar o contexto político e de gênero envolvido.

Mesmo com as novas propostas de redação do crime no projeto do Novo Código Eleitoral, e a sua aparente relevância perante as discussões, a violência política de gênero esbarra em uma realidade ainda pendente de mudança.

Alguns casos emblemáticos podem ser aqui descritos para ilustrar tais dificuldades. Em 6 de maio de 2025, a Câmara dos Deputados suspendeu, de forma inédita, por três meses o mandato do deputado Gilvan da Federal (PL-ES), por ofensas dirigidas à deputada licenciada e ministra Gleisi Hoffmann (PT). Essa foi a primeira vez que o rito sumaríssimo criado por Arthur Lira em 2024 foi aplicado. Apesar de representar um avanço, o caso não foi nominalmente classificado como violência política de gênero, mesmo com o seu conteúdo sexista, proferido durante o exercício de suas funções parlamentares. Tal contexto evidencia a dificuldade – ou a resistência – institucional em reconhecer e nomear adequadamente esse tipo de violência.

Por outro lado, outros tristes episódios como o ocorrido no Senado Federal, na Comissão de Infraestrutura (CI), em que o Senador Marcos Rogério (PL-RO) Presidente da Comissão, teria dito à Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, para “se pôr no seu lugar”. A Ministra reagiu, afirmando que não é uma “mulher submissa” e que se sentiu “agredida fazendo o seu trabalho”.

Como se não fosse suficiente, o Senador Plínio Valério (PSDB-AM) seguiu com as ofensas, dizendo que “a mulher merece respeito, a ministra não”. Cabe lembrar que ele é reincidente, uma vez que já declarou, ainda esse ano, que “imagine o que é tolerar a Marina 6 horas e 10 minutos sem enforcá-la?”. Sobre o episódio, pouquíssimos meios de comunicação mencionaram o nome correto da violência.

Assim, os casos ainda são subnotificados ou mal classificados, o que dificulta a responsabilização e a reparação. Além disso, embora mais visíveis, ainda há a dificuldade de identificação do fato como sendo esse tipo de violência, principalmente quando ela é simbólica, ou seja, que é praticada justamente para mostrar à mulher que a política não é o seu lugar.

A nomeação inadequada dos casos de violência política de gênero como sendo quebra de decoro, calúnia, etc, quando há os elementos que permitem visualizar a configuração da agressão, impede a aplicação correta da legislação e oculta o caráter estrutural da violência. A ausência de nomeação – inclusive por parte da imprensa – produz a permanência da desigualdade como algo naturalizado e da posição estereotipada da mulher como “frágil” ou “não preparada” para a política, quando ela está sendo vítima de um sistema que não a deseja ali, seja ela quem for.

Isso reforça a impunidade e desestimula a participação política das mulheres, especialmente daquelas que já enfrentam múltiplas formas de discriminação.

A correta identificação e tipificação dos casos de violência política de gênero são fundamentais para o reconhecimento do problema, pois nomear adequadamente permite reconhecer a violência política de gênero como uma violação específica dos direitos políticos das mulheres, distinta de outras formas de violência. Também colabora para a produção de dados confiáveis, com a coleta de dados precisos, essenciais para a formulação de políticas públicas eficazes.

Chamando essa violência pelo que ela é, oportuniza-se a responsabilização dos agressores, contribuindo para a prevenção de novos casos, além de fortalecer a democracia, assegurando a participação plena e segura das mulheres na política, essencial para um sistema representativo e inclusivo.

Nomear corretamente a violência política de gênero é um ato pedagógico e necessário. É reconhecer que a desigualdade entre homens e mulheres na política não é apenas fruto da vontade individual, mas de um ambiente institucionalmente hostil.

É urgente que o Judiciário, o Legislativo, os partidos e as instituições em geral adotem práticas de identificação, registro e responsabilização adequadas dos casos ocorridos. Sem isso, não enfrentaremos devidamente o problema. Sem dúvida, é um avanço ter a lei, mas ela precisa também ser corretamente aplicada.

 

 

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