1 de julho de 2025
Politica

Quem é Mauro Cid e o que ele disse na delação sobre tentativa de golpe de Estado

RIO – O ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, Mauro Cesar Barbosa Cid, o Mauro Cid ou “coronel Cid”, será o primeiro ouvido nesta segunda-feira, 9, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na ação penal que investiga tentativa de golpe de Estado. Com acesso livre ao Planalto durante a gestão Bolsonaro na Presidência, Mauro Cid teria atuado como um dos porta-vozes e interlocutor do ex-chefe do Executivo na construção do plano golpista.

O ex-ajudante de ordens é peça central nos inquéritos que se debruçam sobre os ataques às urnas eletrônicas, os atos golpistas, as fraudes no cartão de vacinação do ex-chefe do Executivo e o suposto esquema de venda de joias e presentes entregues a Bolsonaro.

Em setembro de 2023, a Polícia Federal (PF) aceitou fechar um acordo de delação premiada com o tenente-coronel. O acordo foi homologado pelo ministro Alexandre de Moraes naquele ano no bojo do inquérito das milícias digitais e investigações conexas.

Em fevereiro deste ano, Moraes derrubou o sigilo da delação premiada. O ex-ajudante de ordens da Presidência revelou detalhes do papel do ex-presidente Jair Bolsonaro na trama golpista após a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do funcionamento do gabinete do ódio no Palácio do Planalto e do envolvimento de aliados do então presidente no questionamento e afronta ao Estado Democrático de Direito.

O acordo de colaboração premiada do tenente-coronel está organizado em 25 cláusulas que preveem suas obrigações e as contrapartidas oferecidas pela PF em troca das informações compartilhadas.

Quem é Mauro Cid?

O pai do coronel Cid, o general Mauro Cesar Lourena Cid, foi amigo do ex-presidente na Academia das Agulhas Negras e a relação se estendeu para outros membros da família. Durante o governo Bolsonaro, o tenente-coronel teve livre acesso ao gabinete presidencial, ao Palácio da Alvorada e até mesmo ao quarto ocupado pelo ex-chefe do Executivo nos hospitais, após cirurgias.

A atuação do discreto assessor presidencial ganhou os holofotes, porém, depois que vieram à tona suas conversas no WhatsApp com o blogueiro Allan dos Santos, do Terça Livre, no inquérito aberto para investigar a organização e o financiamento de atos antidemocráticos, como revelou o Estadão.

O tenente coronel do Exercito Mauro Cesar Barbosa Cid foi ajudante de ordens do presidente Jair Bolsonaro
O tenente coronel do Exercito Mauro Cesar Barbosa Cid foi ajudante de ordens do presidente Jair Bolsonaro

Cid também esteve envolvido no caso das joias avaliadas em R$ 16,5 milhões que Bolsonaro trouxe ilegalmente para o Brasil. Como mostrou o Estadão, o ajudante de ordens e “faz-tudo” do ex-presidente foi o primeiro a ser escalado para resgatar pessoalmente joias e relógio de diamantes. Um ofício revela que Cid escalou ele mesmo para a missão. O documento enviado à Receita Federal informando que um auxiliar do presidente pegaria as joias era assinado pelo próprio Cid. Ele era o oficial mais próximo de Bolsonaro e acompanhava o presidente o tempo todo.

O tenente-coronel do Exército também foi quem pediu, com “urgência”, avião da FAB e diárias para a ida do sargento Jairo Moreira da Silva a São Paulo, três dias antes do fim do mandato de Bolsonaro, para buscar as joias apreendidas pela Receita Federal no aeroporto de Guarulhos. Esse fato foi considerado como uma espécie de “impressão digital” de Bolsonaro na tentativa de liberar as peças.

O que foi revelado por Mauro Cid

  • Bolsonaro milionário

Mauro Cid se queixou, em depoimento prestado ao STF, de o aliado ter “se dado bem, ficado milionário”, enquanto ele próprio “perdia tudo” e sua carreira estava “desabando”. O depoimento de Cid, feito em 22 de março de 2024, foi motivado por uma reportagem da revista Veja intitulada “Em áudios exclusivos, Mauro Cid ataca Alexandre de Moraes e a PF: Enquanto suas informações ajudam a desnudar a tentativa de golpe militar e comprometem Bolsonaro, o tenente-coronel detona o ministro e a instituição”. A publicação havia sido feita no dia anterior.

À época, Moraes considerou que a conduta de Cid configurava crime de obstrução de Justiça e tornou a decretar a sua prisão preventiva, busca e apreensão em sua casa e nova oitiva para que o ex-ajudante de ordens esclarecesse as afirmações que constavam na reportagem.

A respeito da afirmação, exposta na reportagem, de que Moraes tinha uma “sentença pronta”, Cid respondeu se tratar de um desabafo e que acabou “falando besteira”. Questionado sobre quem se referia ao dizer que “todos se deram bem, ficaram milionários”, o tenente-coronel declarou que “estava falando do presidente Bolsonaro, que ganhou Pix”, enquanto ele mesmo tinha “perdido tudo”.

Bolsonaro recebeu R$ 17,1 milhões em suas contas por meio de transferências bancárias realizadas por Pix entre janeiro e julho de 2023, como mostrou o Estadão naquele ano. Uma possível explicação para os valores é a vaquinha promovida por seus apoiadores para pagar multas processuais – o “Pix” a que Cid se refere na delação.

  • Eduardo era ‘radical’ a favor do golpe

Na delação, Cid narra que os conselheiros do então presidente após a derrota eleitoral em 2022 se dividiam em “radicais”, “conservadores” e “moderados”. No grupo mais agressivo, que defendia a insistência na busca por fraude em urnas eletrônicas e por um golpe de Estado com um braço armado, estariam a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP).

Ambos, entretanto, não foram denunciados pela Procuradoria-Geral da República.

Deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP)
Deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP)

Além dos familiares do presidente, a ala mais radical tinha ainda o ex-ministro Onyx Lorenzoni, o senador Jorge Seif (PL-SC), o ex-ministro Gilson Machado, o senador Magno Malta (PL-ES) e o general Mário Fernandes. Eles também não estão entre os formalmente denunciados pela PGR.

Nesse grupo, segundo Mauro Cid, havia uma subdivisão com os “menos radicais”. Esses insistiam por tentar encontrar “elemento concreto” de fraude nas urnas eletrônicas. Estariam nele o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, o senador Luiz Carlos Heinze (PP-RS), o major da reserva do Exército Angelo Martins Denicoli, o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, e um “grupo de pessoas que prestavam assessoramento técnico”.

No grupo conservador, estariam o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o ex-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU) Bruno Bianco, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) e o brigadeiro Batista Junior, então comandante da Aeronáutica.

  • Gabinete do ódio

Segundo o tenente-coronel, o gabinete do ódio, revelado pelo Estadão em 2019, atuava em uma “salinha pequenininha” que “não tinha nem janela” no mesmo andar do gabinete do ex-presidente.

De acordo com o delator, o grupo, responsável pela estratégia de comunicação digital do ex-presidente com um tom belicoso para lidar com os adversários políticos, era formado por “três garotos que eram assessores do ex-presidente Jair Bolsonaro”: Tércio Arnaud Tomaz, então assessor da Presidência, José Mateus (Sales Gomes) e Mateus, sem saber citar o sobrenome do terceiro assessor.

O vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (PL), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro
O vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (PL), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro

A sala em que o grupo atuava, no terceiro andar do Palácio do Planalto, não tinha controle de entrada e saída, segundo Cid.

Cid relata que os três atuavam dentro da estrutura da assessoria do ex-presidente, nomeados formalmente, desde o início do governo, em 2019. Segundo ele, o grupo fazia o acompanhamento das mídias sociais sob o comando do vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (PL), filho “02″ de Bolsonaro. De acordo com a delação, Carlos “ditava o que eles teriam que colocar, falar”.

  • Pressão sobre o ministro da Defesa

Mauro Cid revelou ainda que Bolsonaro pressionou o então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, para mudar um relatório em que o Exército não identificou falhas nas urnas eletrônicas.

Em depoimento ao STF em novembro de 2024, Cid afirmou: “O general Paulo Sérgio, a conclusão dele ia ser isso (ausência de falhas nas urnas). Aí, o presidente tava pressionando para que ele escrevesse isso de outra forma, né? O presidente queria que ele escrevesse que tivesse fraude. O que acabou saindo, eu acho, foi que não se poderia comprovar porque não era possível auditar”.

Cid concordou ao ser questionado por Moraes se o general “foi proibido de mostrar o laudo que não tinha nenhum problema”. O ministro do STF também afirmou que o então ministro da Defesa cancelou uma reunião com ele no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de última hora. No encontro, os dois discutiriam a conclusão da comissão do Exército que participou da fiscalização da eleição de 2022.

Na denúncia enviada ao STF, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, apontou que o general Paulo Sérgio Nogueira teve atuação “indiscutível” no movimento golpista. Antes de ser ministro da Defesa, Nogueira foi comandante do Exército no governo Bolsonaro.

  • Joias sauditas

Mauro Cid afirmou em delação premiada que entregou ao ex-presidente US$ 86 mil decorrentes da venda de joias recebidas como presentes enquanto chefe de Estado. O montante corresponde a US$ 68 mil obtidos com a venda dos relógios Rolex e Patek Philippe a uma loja na Filadélfia e mais US$ 18 mil da venda de demais joias em um centro especializado de Miami, ambas cidades nos Estados Unidos. O valor foi fracionado e entregue em espécie a Bolsonaro em diferentes ocasiões, para evitar que “circulasse no sistema bancário”, segundo Cid.

Em julho passado, a PF indiciou Bolsonaro e outras 11 pessoas no caso das joias sauditas, revelado em março de 2023 pelo Estadão. A corporação imputa ao ex-chefe do Executivo supostos crimes de peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro.

  • Dinheiro em ‘sacolinha de vinho’

O tenente-coronel Mauro Cid revelou que recebeu dinheiro do general Walter Braga Netto, ex-ministro do governo Bolsonaro, em uma “sacolinha de vinho”. Segundo a denúncia da PGR apresentada ao Supremo, o dinheiro dado por Braga Netto a Cid seria usado em um plano para matar o presidente Lula e Moraes, no fim de 2022, com vistas a dar um golpe de Estado no País.

Durante um depoimento ao STF em novembro passado, Cid foi perguntado: “Braga Netto entregou o dinheiro dentro de um carregador de vinho, uma caixa de vinho?”. Cid respondeu: “Não, não, uma bolsa de presente de vinho. Uma sacolinha. Aquela que o pessoal dá de presente”.

Em outro trecho do depoimento, Cid disse: “O general Braga Netto me entrega dinheiro”, acrescentando: “Ele (Braga Netto) entregou um… era tipo uma coisinha de vinho assim, de presente de vinho, com dinheiro. Eu não contei, não sei quanto, tava grampeado”.

  • Chefes das Forças Armadas autorizaram radicais nos quartéis

O tenente-coronel cravou que partiu de Bolsonaro a ordem para os comandantes das Forças Armadas divulgarem uma nota conjunta autorizando a permanência de manifestantes nos acampamentos golpistas. Os chefes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica condenaram no texto “eventuais restrições a direitos, por parte de agentes públicos”.

Segundo Mauro Cid, o ex-presidente “sempre dava esperanças que algo fosse acontecer para convencer as Forças Armadas a concretizarem o golpe”.

“Esse foi um dos motivos pelos quais o então presidente Jair Bolsonaro não desmobilizou as pessoas que ficavam na frente dos quartéis. Em relação a isso, o colaborador também se recorda que os comandantes das Três Forças assinaram uma nota autorizando a manutenção da permanência das pessoas na frente dos quartéis por ordem do então presidente Jair Bolsonaro”, diz o termo de depoimento.

  • GSI comprou motos para acompanhar motociatas

Cid afirmou que o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) comprou motos para acompanhar Bolsonaro nas motociatas.

“A partir do momento em que o ex-presidente Jair Bolsonaro decidiu andar de moto, o GSI teve de comprar motos similares à do ex-presidente para poder acompanhá-lo. Para ir aos locais onde ocorriam as ‘motociatas’, por vezes tiveram que embarcar as motos para que essas chegassem ao local do evento”, disse Cid à Polícia Federal em agosto de 2023, acrescentando que acredita que as despesas eram pagas com cartão corporativo, abastecido com dinheiro público.

  • Bolsonaro cedeu carro da Presidência para evitar prisão de blogueiros

Bolsonaro autorizou o acesso ao Palácio da Alvorada a três blogueiros aliados que temiam ser presos pela Polícia Federal no dia em que as imediações do edifício sede da instituição, em Brasília, foram alvos de vandalismo, em dezembro de 2022.

Os blogueiros Oswaldo Eustáquio, Bismark Fugazza e Paulo Souza telefonaram a Bolsonaro relatando a apreensão e o então presidente determinou que a entrada deles fosse liberada. As informações constam no conteúdo da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid.

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *