A realidade paralela de Jair Bolsonaro e dos que acreditam em sua inocência
Os depoimentos que assistimos neste momento pela televisão com os acusados de planejar um golpe de Estado têm algo de encenação. Será uma enorme surpresa se o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus asseclas não forem condenados pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal a algum período razoável na cadeia. Aparentemente, o fatos conhecidos já são o suficiente para incriminar o ex-capitão, saudoso da ditadura de 1964. Soma-se a isso, a evidente predisposição política da nossa corte, que foi tão fustigada por Bolsonaro em seu período presidencial, e não deixou de dar o troco em um inquérito conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso atual.

Bolsonaro tentou abolir violentamente o nosso Estado Democrático de Direito, sustentam a Polícia Federal e a Procuradoria Geral da República. Seria o suficiente para arruinar definitivamente sua carreira e do seu grupo político. Mas há um elefante no meio da sala: seus eleitores seguem com ele e o Brasil pode até mesmo dar uma vitória à ex-primeira dama Michelle na eleição de 2026. A questão lógica é a seguinte: ou esse eleitorado concorda com a tentativa de golpe, ou não acredita que ela existiu.
O que se observa é que o chamado bolsonarismo foi eficiente em criar uma realidade paralela para todos os acontecimentos que resultaram no vandalismo de 8/1/23. E, mais, possuem a convicção de que quem vive na realidade paralela somos nós que não acreditamos neles. Assim a nação segue cindida, inconciliável.
A palavra “narrativa” deveria ser banida dos dicionários por excesso de uso. Mas, vamos lá, foi criada uma “narrativa” poderosa sobre a trajetória de Bolsonaro que convence milhões de brasileiros atualmente. É isso que o ex-presidente fará em seu interrogatório conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes. Contar sua perspectiva da história de maneira a manter seus seguidores coesos e, de alguma maneira, confortados de que estão do lado certo dessa batalha política.
Por essa interpretação, Bolsonaro precisou ser neutralizado definitivamente porque se opõe, desde sempre, a um grande sistema que une a esquerda brasileira e mundial, as empresas de mídia, o mainstream artístico, as universidades públicas, o Judiciário, em suma, nossas elites predatórias. Gente de alguma maneira vil que conspira para enfraquecer as famílias brasileiras a partir de valores anti-Cristãos. Uma turma corrupta que suga o Estado, que anestesia a população mais pobre por meio de bolsas e benefícios, que cultua pequenos e grandes bandidos. Sim, a história é meio grandiosa e recebeu sua síntese nos livros do falecido guru Olavo de Carvalho. Mas daí se deriva para a luta contra trans nos banheiros femininos, na luta contra o aborto, na valorização das cores da bandeira e por aí vai, numa miríade de pequenas disputas.

As eleições de 2022 foram, para esse pessoal, evidentemente fraudadas. Bolsonaro já está inelegível por um ataque frontal às urnas, mas a fé de que houve adulteração no sistema segue forte nos grupos de WhatsApp, nas conversas à boca pequena. Mas a Justiça também fez mais, quando, por exemplo, proibiu associações do então candidato Lula com ditadores de esquerda, quando censurou um documentário da produtora Brasil Paralelo sobre a facada em Bolsonaro em 2018. Essas ações teriam feito toda a diferença em um resultado tão apertado no segundo turno. O Tribunal Superior Eleitoral, frise-se, era comandado pelo mesmo Alexandre de Moraes, hoje algoz de Bolsonaro.
O resultado ilegítimo da eleição, na cabeça de todo esse pessoal, precisava de uma reação à altura e, se possível, dentro das leis. Daí invocam o famigerado artigo 142 da Constituição que as Forças Armadas se destinam “à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, quando legalmente convocadas, à garantia da lei e da ordem”. Ou seja, a solução para o roubo que desmoralizou estaria dentro da lei. Não faria sentido, portanto, falar em golpe de Estado. O que chamamos de “minuta de golpe”, para o bolsonarismo, era hipótese factível e legal para salvar o País.
Mas o presidente foi traído por parte da cúpula das Forças Armadas e seu plano legalista não pôde ir para frente. Não assinou documento nenhum. Nesse meio tempo, milhares de patriotas foram para frente dos quartéis exigindo a necessária intervenção no sistema. Nada ocorreu. O presidente vai para os Estados Unidos e não dá a posse ao ilegítimo Lula, um corrupto, líder de esquemas bilionários, “descondenado” pelo mesmo Tribunal que hoje quer a cabeça de Bolsonaro.
No fatídico dia 8/1, os patriotas desesperados descem até a sede dos Três Poderes. Ingênuos, não perceberam a infiltração de elementos de esquerda – talvez comandado pelo então ministro da justiça, Flávio Dino, hoje no STF! – que iniciaram a depredação nos prédios públicos. São vítimas, não criminosos. Estão presos injustamente e merecem anistia.
A história contada pode ter variações aqui e ali, incongruências e mesmo absurdos do ponto de vista de quem não está com eles. Nessa matrix também podemos incluir a versão de que as vacinas contra a Covid, assim como as máscaras, foram inúteis e superamos a pandemia devido às imunizações de rebanho…
Mas pode ser que isso tudo fique, já que a luta da (extrema) direita mundial é pelas mentes e corações no longo prazo. Querem que um exército, no sentido figurado do termo, acredite em sua história por gerações. Talvez por isso, no momento em que Bolsonaro e companhia sejam condenados, o pior a fazer é comemorar efusivamente a vingança contra um golpista de uma página infeliz de nossa história. O fundamental é pensar em como voltar a unir o País.