Bolsonaro oferece caminho que confirma delação de Cid e denúncia e se aproxima da condenação
Quando um réu não colaborador senta-se diante do juiz para um interrogatório, é esperado que negue qualquer acusação de crime. Com Jair Bolsonaro não seria diferente. Na única oportunidade de se defender, ele esforçou-se para dar às suas ações um ar de normalidade que sempre indicou nos discursos com ataques às urnas e ao Judiciário e na contestação ao resultado das eleições. Mas ele não fez apenas isso. Em suas respostas, ao escolher focar em uma opinião de que tudo aquilo não se tratava de delito algum, o que não lhe cabe, acabou por oferecer um caminho que confirma exatamente os pontos principais da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, e da denúncia do procurador-geral da República, Paulo Gonet.
Bolsonaro admitiu, por exemplo, que procurou os militares para discutir alternativas para invalidar a eleição. Reconheceu até mesmo a motivação: o fato de o PL ter perdido na Justiça a ação em que contestava o resultado e pedia invalidação da apuração em algumas urnas. Afirmou que, depois da derrota judicial, “sobrou para a gente buscar uma alternativa na Constituição, que rapidamente, não foi discutida, foi conversada. Hipóteses de dispositivos constitucionais”.

Bolsonaro foi além. Admitiu que os considerandos da chamada “minuta golpista”, à qual ele evidentemente não dá esse nome, foram de fato apresentados aos militares. “Isso foi colocado na tela de televisão e mostrado de forma rápida ali”, disse. Para completar: “Mas a discussão sobre esse assunto já começou sem força, de modo que nada foi para a frente”. Ele chegou a explicar: “Alguns levantaram que seria um estado de sítio, por exemplo”.
A confirmação era tão cristalina, para um réu que não admite a culpa, que Moraes resolveu perguntar novamente no final: “O senhor está dizendo que a cogitação, a conversa, o início dessa questão de estado de sítio e estado de defesa teria sido em virtude da impossibilidade de recurso eleitoral, é isso?”. A resposta; “Sim, senhor”.
Antes, Bolsonaro explicou até o motivo pelo qual a proposta não foi adiante. Ao falar sobre o estado de sítio e o estado de defesa, reconheceu: “Não tinha clima, não tinha oportunidade e não tinha uma base minimamente sólida para fazer alguma coisa”. Ou seja: houve uma tentativa que não prosperou.
E por qual motivo não prosperou? Segundo a delação de Cid, a denúncia de Gonet e os depoimentos das testemunhas militares (Freire Gomes e Baptista Júnior), por não ter havido apoio suficiente, sobretudo do Exército. O que Bolsonaro também confirmou, de certa forma, ainda que usando outras palavras: “Eu ouvi o Paulo Sérgio, ouvi o Freire Gomes, ouvi o (Almir) Garnier e não pude ouvir muito o Baptista Junior. Inclusive, ele nem leu o que seria a tal da minuta”. Exatamente como disseram Freire Gomes e Baptista Júnior.
E Bolsonaro ainda completou: “E eu confesso que muita coisa que eles falaram eu absorvi, e chegou-se à conclusão rapidamente que não tinha nada a fazer. Que esse governo (o novo, de Lula) ia cair de maduro, como está caindo… Queria que não fosse assim, pois a população está sofrendo, e o retorno da direita, dos conservadores, diferentes da esquerda, acontecerá”.
Ao confirmar tudo isso, o ex-presidente usou o velho argumento de que são todos instrumentos constitucionais. É verdade, mas nenhum deles passível de utilização para virar a mesa das eleições, como ele admite que tentou fazer. Também negou, como esperado, que quisesse prender Moraes, intervir no TSE ou coisa do tipo. Mas qual seria a outra maneira de impor uma virada na mesa para, nas palavras dele: “atingir o objetivo que não tinha alcançado no TSE”?
No fim, em meio a tantas “confissões”, Bolsonaro tentou fazer tudo parecer apenas um desabafo, uma irritação própria de seu temperamento “explosivo”, como disse em certo momento. Ou “apenas retórica” para seu eleitorado. Seus apoiadores podem até tolerar, ainda que ele mesmo tenha confessado que os ludibriava fingindo que tinha mais do que de fato possuía. A Justiça, provavelmente, não vai.