1 de julho de 2025
Politica

No embate entre Bolsonaro e Moraes, esperava-se pugilismo, mas eles fizeram uma dança

Por razões diferentes, tanto o ex-presidente Jair Bolsonaro como o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, estiveram bastante contidos nesta segunda-feira, 10, no principal depoimento sobre o julgamento de tentativa de golpe de Estado, em tese ocorrida após as eleições de 2022. Bolsonaro respeitou o seu algoz, a quem sempre agrediu verbalmente. Tentou se apresentar como alguém que exagera na retórica, nos modos, mas que jamais conspiraria contra o Estado. Já Moraes quis evitar a fama de algoz que o acompanha, e se apresentou como alguém até mesmo gentil com o acusado.

Houve treino, houve preparo de Jair Bolsonaro. Foi respeitoso com alguém que já chamou de “canalha” em praça pública, que ataca em carros de som, que diz se recusar a obedecer. Que é o principal responsável pelo fato de milhões de brasileiros odiarem o ministro com todas as suas forças. Amar Bolsonaro é hoje quase sinônimo de odiar “Xandão”, o apelido do ministro nas redes e nas ruas. E quando os dois, finalmente, estão frente a frente em cadeia nacional de TV, o que vimos foi troca de gentilezas explícitas (porém bastante estudadas).

Jair Bolsonaro é interrogado pelo ministro Alexandre de Moraes
Jair Bolsonaro é interrogado pelo ministro Alexandre de Moraes

Bolsonaro fez o esforço de manter seu discurso habitual, porém de maneira, digamos, polida (para os referenciais que temos dele). As desconfianças com relação ao sistema eleitoral brasileiro, principalmente contra as urnas eletrônicas, seriam, algo usual ao Brasil. De gente de todas as ideologias. E nesse sentido, apresentou um argumento interessante ao mostrar que o atual ministro do Supremo, Flávio Dino, também era um habitual questionador das urnas, quando perdia eleições no Maranhão. Bolsonaro, portanto, tentou se mostrar como alguém que queria apenas aprimorar o sistema. Queria “ajudar” o Xandão e tudo mais é mal-entendido. Se colar, colou.

As conversas sobre questionar o resultado das eleições até podem ter ocorrido, disse o ex-presidente. Mas num modo informal. Com oficiais amigos que o visitavam no Alvorada após a derrota. Momento em que Bolsonaro teria sido praticamente abandonado pela classe política brasileira. Eram bate-papos sem qualquer consequência. Hipotéticos, abstratos. Repetiu a estratégia “mesa de bar”, do seu ex-ajudante de ordem, tenente-coronel Mauro Cid, que depôs na segunda. Ouvindo, raramente, o ministro do STF colocava o depoente em xeque. No máximo, contextualizava algo aqui e ali, mostrando algum erro de informação de quem se sentava no banco dos réus.

E assim foi. Cada grave acusação se tornava, pelo depoente, apenas uma opinião passageira sobre os assuntos políticos. Houve tentativa de subverter a ordem política brasileira? Nunca. Algo que Bolsonaro, segundo ele próprio, jamais faria, pois considera um golpe de Estado algo “abominável”. Só não entregou a faixa ao eleito Lula pelo receio de levar uma vaia. Colaborou com a transição. E Moraes a escutar, segurando, impassível, uma xícara de café.

Na lista de argumentos ilegítimos dos manuais filosóficos, há um deles denominado “falácia da piedade”. Quando alguém invoca a pena, o sofrimento, para conseguir a compaixão e o apoio das pessoas. Como político que chegou longe, Bolsonaro, apesar dos rompantes violentos, costuma variar entre o valentão sem medo e o sujeito acuado, que precisa da solidariedade dos seus. Nesta segunda, no interrogatório, escolheu a vítima e, é preciso admitir, controlou bem essa persona. Foi o personagem combalido que mostrou as vísceras nos hospitais, devido à facada de 2018.

Já a Moraes pesa a pecha de agir politicamente, de ser um censurador, um inimigo da liberdade de expressão. De já ter condenado o ex-presidente e que tudo o que a gente vê são obrigações litúrgicas. Se de alguma maneira tentasse humilhar ou fosse duro com o investigado receberia a pecha de injusto, um Torquemada moderno. No final, vimos foi até uma certa troca de sorrisos quando o ministro foi “convidado” a ser vice de Bolsonaro, o que só seria possível num metaverso estranho da história política brasileira.

Ou seja, vimos hoje duas figuras de estatura no nosso mundo político/jurídico em um confronto amarrado taticamente, jogando para as plateias amigas e também para as inimigas. Talvez não mude nada no resultado. Mas mostra que Bolsonaro segue como político que busca encantar quando precisa (e muitos o veneram); e Moraes foi rápido ao dar vazão controlada a esse personagem – reprimi-lo seria pior para o julgamento final. Não houve luta, houve dança. Um balé? Não, isso seria suave demais. Um tango (porque é coisa dramática, que envolve golpe e cadeia), contido, do argentino Astor Piazzolla, mas com bem menos refinamento.

 

 

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