30 de junho de 2025
Politica

Procurador diz que sentença faz ‘confusão’ e recorre da absolvição de piloto com 435 kg de cocaína

O procurador da República Thales Fernando Lima apelou à Justiça Federal para que reforme a sentença de absolvição do piloto Wesley Evangelista Lopes, flagrado em 16 de dezembro de 2024 com 431 quilos de cocaína no avião quando havia acabado de pousar no aeroporto de Penápolis, um pequeno terminal no interior de São Paulo por onde circulam apenas voos privados. Em apelação de 23 páginas, o procurador fustiga a sentença do juiz Luciano Silva, da 2.ª Vara Federal de Araçatuba, que considerou ‘ilegal’ a abordagem à aeronave e anulou todas as provas do processo. O piloto foi solto.

“Trata-se de uma decisão que privilegia o formalismo extremo, dissociado da função social do processo penal, que deve ser compreendido como meio de proteção não apenas de garantias individuais, que evidentemente devem ser observadas, mas também dos interesses difusos e coletivos”, acentua o procurador em apelação de 23 páginas.

Thales destaca que a sentença se choca com ‘o direito da sociedade a viver em um ambiente seguro, livre da degradação social causada pela narco traficância e atuação de organizações e facções criminosas’. “Por acaso, passou a ser admissível, no processo penal, a construção de uma verdade paralela, autossuficiente, fundada não nos fatos, nem na confissão do acusado, nem nas toneladas de provas materiais, mas em um estéril e vazio formalismo?”, questiona.

Ao absolver o piloto, o juiz federal cravou que não havia ‘fundada suspeita’ para justificar as buscas no avião e, por isso, em sua avaliação, as provas decorrentes da abordagem foram irregulares. “A existência da droga no avião não valida o procedimento de busca forçada no avião. É imprescindível que existisse uma suspeita fundada prévia, justificada, para a própria abordagem.”

Apreensão de mais de 400 quilos de cocaína em Penápolis (SP), em dezembro; Wesley Evangelista Lopes pilotava aeronave
Apreensão de mais de 400 quilos de cocaína em Penápolis (SP), em dezembro; Wesley Evangelista Lopes pilotava aeronave

“O sentimento, ao ler e reler os autos até aquele ponto, é de um livro começado pelo meio”, escreveu o magistrado. “Se inicia com a aeronave dos réus sendo abordada de maneira espetaculosa pela Polícia Militar, sem que exista qualquer motivo claro para a mobilização de diversas forças na captura do avião, senão uma informação repassada pela Polícia Federal, cuja origem é ignorada.”

Luciano Silva reconheceu o ‘caráter criminoso’ das atividades do piloto, mas o absolveu.

O procurador não se conforma, por isso apelou. “Não se pode ignorar a repercussão concreta e devastadora que a introdução de quase meia tonelada de cocaína no mercado ilícito traria para a sociedade. É necessário refletir seriamente: quantas vidas poderiam ser ceifadas em razão da disseminação desse entorpecente? Quantas famílias seriam desestruturadas pela dependência química? Quantos delitos secundários, furtos, roubos, homicídios, violência doméstica e desagregação social, seriam fomentados como externalidade direta desse carregamento de drogas?”

Thales Fernando Lima assinala que ‘o tráfico de drogas, especialmente em escala industrial, não é um crime de vítima individualizada, mas sim um fenômeno que irradia efeitos deletérios sobre toda a coletividade’.

“Cada grama de cocaína que circula no mercado ilícito representa risco à vida, à saúde e à dignidade de centenas ou milhares de pessoas, especialmente das camadas sociais mais vulneráveis, que são as primeiras a sofrer os efeitos da disseminação da droga, seja na condição de usuários, seja na de vítimas indiretas da criminalidade fomentada pelo tráfico”, alerta o procurador.

Segundo seu entendimento ‘o custo social disso é imensurável, mas também é econômico e objetivo.”

Ele pontua que ‘os impactos do tráfico de drogas para o Estado são profundos, repercutindo na sobrecarga do sistema de saúde pública – pelo atendimento de usuários dependentes -, no aumento da demanda do sistema de segurança pública e no sistema prisional, e também no enfraquecimento dos vínculos sociais e comunitários’. “São custos que a coletividade arca, enquanto organizações criminosas se enriquecem às custas do sofrimento humano”, segue. “Nesse contexto, não é possível admitir que, diante da apreensão de quase meia tonelada de cocaína em uma única operação, que por si só configura um golpe significativo contra o tráfico organizado, se priorize uma interpretação maximalista das exigências formais relativas à documentação da atividade policial, especialmente quando há, nos autos, elementos objetivos e suficientes que atestam a legalidade e a razoabilidade da diligência.”

O procurador aponta transgressão ao artigo 5.º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb). “Ao adotar uma leitura que sobrepõe exigências burocráticas formais à proteção de bens jurídicos de primeira grandeza, como a saúde pública, a vida e a segurança coletiva, a sentença viola frontalmente o comando normativo do artigo 5º, da Lindb, segundo o qual ‘na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum’.”

“Não se pode perder de vista que o que estava em jogo era a apreensão de aproximadamente meia tonelada de cocaína, substância cujo poder destrutivo sobre vidas humanas, famílias e comunidades é absolutamente incontestável”, ressalta Thales Lima. “A simples ponderação sobre quantas vidas poderiam ser ceifadas, quantas famílias seriam destruídas e quantos delitos secundários, homicídios, furtos, roubos, violência doméstica, tráfico de armas, seriam fomentados pela introdução dessa droga no mercado ilícito é suficiente para revelar a gravidade do desacerto da sentença.”

Segundo o procurador, ‘a prevalecer o entendimento absolutório, transmite-se à sociedade a mensagem perversa de que, ainda que se capturem drogas em quantidade suficiente para suprir mercados ilícitos inteiros, a persecução penal será obstada por formalismos que, embora mereçam cautela, não podem se sobrepor à defesa do bem jurídico mais relevante protegido pela Lei 11.343/06 (Lei de Drogas): a saúde pública, a integridade da vida e a paz social’.

O procurador considera que a manutenção da sentença representaria ‘não apenas um gravíssimo precedente jurídico, mas também um verdadeiro atentado contra a própria noção de justiça e contra o pacto civilizatório que sustenta o Estado Democrático de Direito’

CONFISSÃO

Thales Lima aponta para um outro detalhe do episódio: o piloto confessou o crime. “Há um aspecto que torna a sentença ainda mais desconcertante sob qualquer perspectiva que se adote: a completa e absoluta ausência de prejuízo à ampla defesa e ao contraditório. É preciso lembrar, e isso não é detalhe, que o próprio acusado, tanto em sede policial, quanto em juízo, sob as garantias do contraditório e da ampla defesa, confessou a prática do crime. Repetindo: confessou.”

A sentença afirma, segundo o procurador, ‘com toda convicção, que a ausência de um ato formal prévio que documentasse a fundada suspeita compromete irremediavelmente a validade da prova e, com isso, da própria acusação’.

“Ora, pergunte-se: desde quando a ausência de catalogação procedimental de atos administrativos, que serviria tão somente para burocratizar aquilo que é evidente, tem o condão de anular a realidade?”, indaga.

“Por acaso, passou a ser admissível, no processo penal, a construção de uma verdade paralela, autossuficiente, fundada não nos fatos, nem na confissão do acusado, nem nas toneladas de provas materiais, mas em um estéril e vazio formalismo?”, segue o procurador. “Não há aqui qualquer violação às garantias fundamentais da defesa. O réu sabia exatamente do que estava sendo acusado, teve pleno acesso aos elementos probatórios, pôde se manifestar sobre eles e, mais do que isso, admitiu, espontaneamente, sua responsabilidade penal.”

Para o procurador do Ministério Público Federal, ‘insistir na tese de que houve cerceamento de defesa é não apenas juridicamente insustentável, mas um exercício de negação da própria finalidade do processo penal’.

“É transformar o processo, que deveria ser um instrumento de realização da justiça, em um ritual autofágico, que se volta contra seus próprios objetivos e, ao final, serve apenas para premiar o crime e punir a sociedade”, afirma. “Sob uma perspectiva filosófica, inescapável em casos desse jaez, não se pode ignorar que este quadro reflete, com inquietante precisão, aquilo que Nietzsche denuncia em sua obra Genealogia da Moral: os efeitos degenerativos de uma razão excessivamente formalista, marcada pela incapacidade de distinguir entre o meio e o fim, pela substituição do conteúdo pela forma e pela abdicação da busca pela verdade em favor da preservação de ritos estéreis.”

LÓGICA CARTORÁRIA DO SÉCULO XIX

O procurador pergunta. “A ausência de um registro burocrático se sobrepõe à realidade dos fatos?”

Em outro trecho de sua apelação, ele reforça. “O registro veio aos autos, em sede de diligências complementares, circunstância, todavia, que não foi capaz de convencer o juízo acerca da legalidade da ação policial. A confissão do réu, a apreensão de quase meia tonelada de cocaína, os elementos de inteligência, tudo isso deve ser descartado, como se não tivesse existido, simplesmente porque não havia, antes da operação, um protocolo devidamente carimbado, rubricado e numerado? É curioso, para não dizer trágico, observar que, enquanto o crime organizado se reinventa todos os dias, utilizando tecnologia de ponta, drones, criptomoedas, redes encriptadas e operações transnacionais, o Estado não estar aprisionado em uma lógica cartorária do século XIX, segundo a qual o que não estiver protocolado, timbrado e carimbado simplesmente não existe.”

Thales Lima pede que seja reconhecida a validade das provas e a condenação de Wesley Evangelista Lopes por tráfico, com pena de 5 anos a 15 de reclusão.

O procurador segue em sua argumentação. “Confundir, como faz a sentença, ausência de prévia documentação formal da fundada suspeita com ausência da própria fundada suspeita é um equívoco conceitual grave, que subverte não apenas a lógica da persecução penal, mas também a própria viabilidade da atividade policial como função de Estado.”

Para ele, a fundada suspeita efetivamente existiu, ‘como se nota de decisão proferida em audiência de custódia, e foi posteriormente esclarecida e corroborada pela autoridade policial no curso da persecução penal, a partir de provocação do próprio magistrado, inclusive’.

Ele observa que foi juntado aos autos relatório subscrito pelo diretor da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (Ficco/SP), delegado de Polícia Federal Alexandre Custódio Neto.

A Força Integrada é coordenada pela PF e composta por policiais da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Secretaria de Administração Penitenciária e Secretaria Nacional de Políticas Penais. Sua missão é promover a cooperação interagências no combate ao crime organizado, por meio de trabalhos de polícia judiciária e de inteligência policial através do compartilhamento e análise de informações e bases de dados disponíveis nos órgãos de segurança pública que integram a força-tarefa.

Custódio informou que a equipe tomou conhecimento, por intermédio de um colaborador – denunciante que solicitou permanecer no anonimato – que o piloto iria realizar um voo para a região de Penápolis transportando ‘grande quantidade de cocaína’. Com base nessa denúncia, a PF passou a monitorar os planos de voo por meio do sistema DCERTA (Sistema Decolagem Certa) da ANAC.

No dia 16 de dezembro do ano passado, Wesley encontrava-se com a aeronave de prefixo PTEKC e, entre 08h:44min e 09h:47min, cadastrou sete planos de voo, todos partindo de Aquidauana/MS, porém, com diferentes destinos, o último deles o Aeroporto de Três Lagoas/MS.

Diante dessas informações, pontua Custódio, foram mobilizados policiais federais de Três Lagoas (MS), de Araçatuba (SP) e do 2º Batalhão de Polícia Rodoviária ‘para que fossem realizadas diligências no intuito de identificar e interceptar possível pouso da aeronave pilotada pelo narcotraficante, em face de possível transporte de cocaína’.

Entretanto, às 11h11min e às 11h17min daquela manhã, o piloto cadastrou outros dois planos de voo para a aeronave, informando saída do aeródromo de Tatuí (SP) às 11h:30min e às 12:00hs, com destino ao aeroporto da fazenda Pacuruxu, em Santa Mercedes (SP) – ‘rota e sentido totalmente diversa daquela cadastrada anteriormente para o voo da aeronave, fortalecendo os substanciais indícios de que os planos de voo cadastrados eram fictícios, visando burlar a fiscalização e a vigilância no momento do pouso e decolagem’.

Por essa razão, e considerando que a aeronave não havia pousado em Três Lagoas, a força-tarefa contra o crime organizado reforçou a mobilização das equipes da Polícia Federal e da Polícia Militar na região de Penápolis, notadamente nas proximidades do aeroporto da cidade, incluindo equipes da Base de Aviação da PM de Araçatuba (Águia), ‘cujas as diligências culminaram na abordagem e buscas que resultaram no flagrante questionado’.

“Esse contexto, minuciosamente detalhado, evidencia, de maneira clara, que a atuação das forças de segurança foi motivada por elementos concretos, objetivos e sindicáveis, como denúncia inicial efetuada por colaborador que optou por se manter em anonimato, denotando que Wesley Evangelista realizaria um voo para a região de Penápolis, transportando grande quantidade de entorpecentes”, diz o procurador Thales Lima.

Ele observa, ainda, que a denúncia apontava para ‘envolvimento anterior do investigado em crime de tráfico de drogas e lavagem de ativos do tráfico, incluindo aeronaves’. Além disso, informações recebidas do Setor de Inteligência, acerca do cadastro de diversos planos de voos, todos com destinos diferentes, e a consulta ao DCERTA (Sistema Decolagem Certa) da ANAC, confirmaram ‘a conduta do investigado, demonstrando seu claro objetivo de despistar eventuais fiscalizações’.

O procurador acrescenta que o piloto ‘ao visualizar a equipe policial no local, tentou manobrar a aeronave intentando garantir sua fuga e a Alexandre Roberto Borges, sendo impedido por operadores aerotáticos, que realizaram sua abordagem e mantiveram os dois tripulantes do avião no local, até a chegada da equipe da Polícia Federal e do Tático Ostensivo Rodoviário (TOR) da Polícia Rodoviária Militar’.

“Tais informações, embora absolutamente válidas e consistentes, não foram formalizadas previamente em um procedimento formal, como inquérito, termo circunstanciado ou notícia-crime em verificação, não por omissão da autoridade policial, mas por uma razão inerente à própria natureza dos fatos: a dinâmica urgente e célere que caracteriza as operações de inteligência, especialmente no enfrentamento ao tráfico internacional de drogas”, avalia o procurador.

Ele ressalta que ‘os policiais não procuravam um alvo aleatório, mas sim algo preciso’ – com detalhes e características pormenorizadas, a aeronave de prefixo PTEKC, conduzida por Wesley.

“Não saíram, portanto, procurando algum ‘suspeito’ para proceder a abordagem, tampouco visualizaram um suspeito com ‘aparente nervosismo’, situações que a jurisprudência acertadamente pacificou que não evidenciam fundada suspeita. Assim, o elemento objetivo que motivou a busca ocorreu em momento anterior à parada da aeronave na pista e à saída de seus ocupantes.”

Para Thales, ‘nessa perspectiva, as buscas pessoal e na aeronave traduziram em exercício regular da atividade de polícia repressiva promovida pelos agentes da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado, no exercício regular de suas funções constitucionais e legais, o que justificou a abordagem após a confirmação das características da aeronave relatadas nas informações de inteligência policial’.

Ele vai adiante. “Outro aspecto de fundamental relevância, que parece ter sido ignorado pela sentença, diz respeito à indevida suposição de que haveria obrigatoriedade de instauração de inquérito policial ou, ao menos, de procedimento investigativo formal, a partir da denúncia recebida. Tal premissa é absolutamente incompatível com a natureza da informação obtida e sobre os próprios limites da atividade de inteligência.”

Em seu entendimento, ‘a resposta operacional adequada e proporcional foi iniciar o monitoramento dos planos de voo do piloto investigado, conhecido narcotraficante, utilizando recursos próprios da atividade de inteligência, com o objetivo de verificar se o relato do colaborador efetivamente se confirmaria na prática, isto é, se haveria verossimilhança no conteúdo da informação e, consequentemente, se o crime anunciado de fato se consumaria’.

“A antecipação de condutas por meio da atividade de inteligência é, precisamente, o que distingue essa função das atividades tipicamente investigativas”, pontua. “Pretender que, diante de uma mera hipótese de crime futuro, se instaurasse um inquérito policial, com todos os atos processuais e formalidades que dele decorrem, seria não apenas juridicamente inadequado, como absolutamente contraproducente e desconectado da lógica que rege a repressão qualificada a organizações criminosas de alta complexidade.”

“Salta aos olhos a absoluta ausência de tempo hábil para adoção das providências formais sugeridas pela sentença, providências estas relativas a um evento criminoso que, àquele momento, se situava no campo da mera expectativa, pois poderia ou não se concretizar (…)”, anota o procurador. “É evidente que o desenvolvimento da ação operacional era absolutamente incompatível com qualquer medida de cunho burocrático prévio. Ou a polícia agia prontamente, de forma célere e eficiente, ou a repressão ao crime se tornaria inviável, permitindo-se a consumação do tráfico e a impunidade dos seus agentes. Aliás, é justamente essa urgência operacional, característica intrínseca da atuação contra crimes de execução rápida e de mobilidade elevada, como o tráfico aéreo de drogas, que justifica e legitima a adoção das medidas necessárias para impedir a concretização do delito.”

Para o procurador, ‘a exigência de que todos os atos preparatórios da diligência fossem formalmente documentados no exíguo intervalo entre o cadastramento do primeiro plano de voo, às 8h44min do dia 16 de dezembro de 2024, e a apreensão da aeronave, ocorrida às 12h30min do mesmo dia, não apenas beira o irrazoável, como traduz, na prática, uma abdicação das próprias funções constitucionais atribuídas às forças policiais’.

“A atividade policial, e isso não é um juízo de conveniência, mas uma imposição constitucional, engloba, necessariamente, a realização de abordagens, buscas e averiguações voltadas à localização de objetos ilícitos e de pessoas que cometeram ou estão na iminência de cometer delitos”, assinala Thales. “Subverter essa lógica é subverter, na prática, a própria razão de ser da polícia enquanto instituição de Estado. Portanto, é forçoso reconhecer que a exigência feita pela sentença não apenas contraria a lógica jurídica e a legislação vigente, mas também desconsidera, por completo, a dinâmica dos fatos, a realidade operacional e, sobretudo, o dever constitucional do Estado de prevenir e reprimir condutas criminosas, especialmente aquelas perpetradas por organizações de altíssima complexidade e elevado poder de mobilidade, como é o tráfico internacional de drogas por via aérea.”

Ele sustenta que ‘o crime de tráfico de entorpecentes é dotado de natureza permanente, de modo que sua consumação e, via de consequência, o respectivo quadro de flagrância, se protraem ao longo do tempo’.

“Enquanto encontrar-se na posse da droga, permanecerá, o agente, em flagrante delito. Essa circunstância admite que a autoridade policial proceda a buscas (domiciliar, pessoal ou veicular) e aniquile a situação de flagrante delito com a prisão de seu autor, exigindo-se para tanto tão somente contexto fático a demonstrar que havia fundadas suspeitas para se concluir pela ocorrência do delito.”

E volta a questionar. “Como poderia um policial, em patrulhamento ostensivo, abordar um suspeito que apresente comportamento indicativo de porte de arma ou tráfico de drogas, se antes fosse necessário instaurar um procedimento formal para justificar a fundada suspeita? Como poderiam policiais rodoviários federais efetuar abordagens de veículos suspeitos nas rodovias, conduta cotidiana e amparada por décadas de jurisprudência, se cada suspeita exigisse, previamente, um procedimento formal documentado? A resposta é evidente: não poderiam.”

“O raciocínio da sentença, se aplicado de forma geral, resultaria na completa paralisia da atividade policial no país”, supõe. “É preciso compreender que a exigência constitucional e legal de fundada suspeita tem por objetivo evitar abusos e arbitrariedades, protegendo os cidadãos contra intervenções estatais desproporcionais. Mas essa exigência se satisfaz com a demonstração, mesmo que a posteriori, de que havia elementos objetivos e razoáveis que justificavam a intervenção. Jamais se exigiu, e nem se poderia exigir, que tais elementos estivessem previamente formalizados em procedimento burocrático. Mais do que isso, a própria natureza da atividade de inteligência, que precede a investigação formal, exige agilidade, discrição e dinâmica operacional, sendo absolutamente incompatível com a imposição de burocracia formal como condição para a atuação preventiva do Estado. Submeter a inteligência policial às mesmas amarras processuais da investigação criminal formalizada seria, além de tecnicamente equivocado, um verdadeiro cheque em branco às organizações criminosas, que naturalmente operam com níveis de mobilidade, flexibilidade e rapidez muito superiores aos da máquina estatal.”

Para Thales, ‘a sentença incorre em grave equívoco ao exigir que a fundada suspeita que legitimou a atuação policial estivesse formalizada previamente em procedimento escrito e documentado, como condição para a validade da busca veicular e dos atos subsequentes’.

Ele se reporta à audiência de custódia de Wesley. “É necessário consignar que a existência da fundada suspeita foi reconhecida expressamente pelo magistrado responsável pelo conhecimento do flagrante e realização da audiência de custódia (Juízo de Garantias), oportunidade em que consignou: ‘Verifica-se que os agentes (Wesley e o outro tripulante) foram presos no momento em que realizavam a prática da suposta infração penal, sendo surpreendidos no transporte das drogas no interior da aeronave particular. Assim, a prisão em flagrante está justificada pela ocorrência da hipótese prevista no artigo 302, I, do Código de Processo Penal. Além disso, foram obedecidas as determinações previstas na Constituição (artigo 5.º, LXII, LXIII e LXIV) e cumpridas as formalidades do Código de Processo Penal (artigos 304 e 306). A fundada suspeita para a abordagem e para a busca veicular resultou na percepção por parte da autoridade na tentativa de fuga.”

 

 

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