30 de junho de 2025
Politica

‘Vai feder’, ‘juízes vão dançar’; leia diálogos que levam PF à pista de vazamentos no STJ

Conversas entre o prefeito de Palmas, Eduardo Siqueira Campos (Podemos), e o advogado Thiago Marcos Barbosa de Carvalho, sobrinho do governador do Tocantins Wanderlei Barbosa (Republicanos), reforçam suspeitas da Polícia Federal sobre venda de sentenças e vazamento de dados de ações sob sigilo no Tribunal de Justiça do Estado e no Superior Tribunal de Justiça. Os diálogos foram recuperados pela PF na Operação Sisamnes – juiz corrupto, segundo a mitologia persa.

Os diálogos indicam acesso privilegiado a informações sigilosas de inquéritos em curso no STJ. A PF apura a origem dos vazamentos. Servidores do Superior Tribunal de Justiça são investigados.

Há dez dias, o ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou o capítulo 9 da Sisamnes. O prefeito de Palmas foi alvo de buscas em sua residência e em seu gabinete. Ele nega envolvimento com vazamentos e afirma que não tem fontes privilegiadas em tribunais ou em qualquer outra instância do Judiciário.

Thiago está preso preventivamente desde abril. A defesa também nega que ele tenha tido acesso irregular a investigações sigilosas e afirma que não vê razão para a prisão.

As conversas entre o advogado e o prefeito estão transcritas na representação da Polícia Federal a Zanin.

Em um diálogo, Siqueira Campos antecipa que a Operação Maximus, que investiga suspeitas de corrupção no Tribunal de Justiça do Tocantins, seria deflagrada em agosto de 2024 – o que efetivamente ocorreu – e cita nominalmente alvos da investigação.

Outra operação da PF, a Fames-19, liga o governador do Tocantins a suposta fraude e desvios na compra de cestas básicas durante a pandemia. Wanderlei Barbosa nega envolvimento.

Personagens citados nas duas operações, a Maximus e a Fames-19, estão sob suspeita de terem tido acesso a dados sigilosos.

O prefeito de Palmas, Eduardo Siqueira Campos (Podemos), foi alvo de buscas na fase 9 da Operação Sisamnes.
O prefeito de Palmas, Eduardo Siqueira Campos (Podemos), foi alvo de buscas na fase 9 da Operação Sisamnes.

‘Agosto começa a ruir no Estado’

“Vai feder. Eu acho que tem desembargador que vai perder o cargo”, afirma Siqueira Campos. “Há quem diga que agosto começa a ruir no Estado.”

O prefeito de Palmas diz que o governador do Tocantins está “extremamente iludido, equivocado e desinformado” e não teria conhecimento da investigação que, segundo ele, envolveria juízes, desembargadores, escritórios de advocacia e até “gente que está lotada em gabinete em Brasília”.

Siqueira Campos então contextualiza os motivos que levaram a Polícia Federal a iniciar a investigação. Segundo ele, o ponto de partida do inquérito teria sido a suposta venda de uma decisão por intermédio do advogado Rafael Sulino de Castro, ex-assessor da desembargadora Angela Issa Haonat.

“Isso começa com a venda de uma sentença para um cara se apresentar e não ser preso. E aí o cara paga, só que paga só metade. E aí eles começam a apertar o cara, o cara dá mais, mas acaba que o cara não tem mais dinheiro pra dar”, conta Siqueira Campos.

“Era pra ele não ser preso, e o cara foi preso, porque eles executaram o contrato e botaram o próprio juiz pra dar a preventiva dele que depois se transformou em condenação. Esse cara não tem mais o que perder. Só que aí os fatos foram se sobrepondo, com a entrada dessa pessoa que você citou, ela andou atuando em alguns feitos. Quem era o chefe de gabinete dela? O próprio Sulino.”

O sobrinho do governador afirma que “o grande operador” do esquema seria na verdade o advogado Thiago Sulino de Castro, irmão de Rafael, que chegou a ser preso em agosto de 2024 na Operação Maximus, mas depois conseguiu habeas corpus para aguardar em liberdade a conclusão da investigação.

Thiago Marcos Barbosa de Carvalho, sobrinho do governador do Tocantins Wanderlei Barbosa, foi preso pela Polícia Federal.
Thiago Marcos Barbosa de Carvalho, sobrinho do governador do Tocantins Wanderlei Barbosa, foi preso pela Polícia Federal.

‘O grande operador’

“O Thiago é o grande operador e o Rafael, na realidade, ele foi ser o assessor jurídico, o cara que escreve os votos pra ela”, afirma Thiago Barbosa. “Agora quem eu acho mais sério aí nessa situação é a Haonat.”

O prefeito concorda. “Também, por causa dos Sulinos, por causa dos Sulinos. E também por ela ter sido nomeada pelo Wanderlei mediante aquela situação que construíram, de que assumiria se assumisse os compromissos, que ele cumpriu todos.”

Siqueira Campos alerta: “Isso vai virar outro elefante branco.”

A desembargadora Angela Issa Haonat não foi implicada pela Polícia Federal no relatório final da Operação Maximus. A PF afirma que o inquérito “não evidenciou práticas delituosas que em tese pesavam” sobre a magistrada.

Na sequência de diálogos recuperados pela PF, o prefeito de Palmas antecipa que o ministro João Otávio Noronha, do STJ, seria o relator do inquérito.

“Para os desembargadores eu já até sei quem é o relator, eu já até sei um outro cara duro, por sinal. O relator é Noronha, Brasília.”

No diálogo, ele menciona um encontro com o ministro João Otávio de Noronha “há 15 ou 18 anos”, em Brasília. Siqueira Campos diz que recebeu um alerta do ministro.

“Falou para mim: ‘Siqueira, só para avisar ao teu pai que vão ser afastados quatro desembargadores’“, relatou. (Ex-governador do Tocantins, José Wilson Siqueira Campos, pai do prefeito, morreu em 2023).

O prefeito também dá detalhes sobre a Operação Fames-19, que investiga suspeitas de desvios na compra de cestas básicas na pandemia e que levou o ministro Mauro Campbell, corregedor nacional da Justiça, a autorizar a Polícia Federal a fazer buscas na residência e no gabinete do governador do Tocantins.

“No que a Polícia Federal começa a fazer uma investigação, eles acabam descobrindo que o Sulino ficou responsável pela área da saúde, de umas UTIs que o governador acabou deixando ele negociar, sabe? Então isso hoje envolvendo o próprio governador”, explica o prefeito.

Siqueira Campos antecipa a Thiago que ele estava entre os investigados.

“O seu caso lá em Brasília ele está um pouco pior do que a gente pensa, porque o que acontece, a Procuradoria falou no seu processo e você não está mais como apenas uma parte, você figura como um polo de investigação, você está sendo investigado dentro daquele esquema, e isso já saiu oficialmente.”

Siqueira Campos o aconselha a contratar o advogado Michelangelo Cervi Corsetti, também investigado.

“O amigo nosso em Brasília, ele tem acesso ao Felipe”, afirma o prefeito. “Então ele tá entrosado com esse Felipe, nesse intuito.” Felipe, segundo suspeitam os investigadores, seria assessor no Superior Tribunal de Justiça.

Wanderlei Barbosa nega ter buscado ou obtido informações privilegiados sobre investigações no STJ.
Wanderlei Barbosa nega ter buscado ou obtido informações privilegiados sobre investigações no STJ.

‘Vão dançar dois juízes’

O prefeito acrescenta: “O cara que tem condição de amanhã fazer um despacho e avançar na tua tese, que o cara que faz o voto, amanhã ele tá sabendo (sic). O governador, Thiago, ele não tá nem aí prá isso, você sabe por quê? O problema dele é outro, ele tá lá em Portugal, pagando mico, você tá vendo o que a imprensa nacional tá fazendo?”

Siqueira Campos sugere, em outro trecho da conversa. “Agora, olha só uma coisa, dia 3 já estará em recesso, recesso das Cortes Superiores. O despacho que o Michelangelo deveria fazer entre…amanhã, depois e depois, seria dele ir nesse Felipe e dizer a ele, já mostrar a ele que.. ele tem elementos o suficiente prá mostrar que trata-se de um homônimo, que você não tem relação com os autos, que você está ali por um mero equívoco e também má-fé da própria polícia, e ele dar essa informação. Esse cara é o cara que vai escrever as coisas para a própria menina que deu esse parecer para o gabinete. Então, ele (Michelangelo) tá entrosado com esse Felipe, nesse intuito. Eu não quero mais falar com o…o coisa, porque o doutor Jair já tá lá atrás é de outras coisas grandes, de desembargador, de juiz, vai feder, eu acho que tem desembargador que vai perder o cargo.”

“Aqui é o seguinte, aqui vão dançar dois juízes, pelo menos três advogados (…)”

‘Espera teu tio não’

Outros trechos são destacados pela PF. Neles, o prefeito de Palmas fala novamente do advogado de Brasília. “Então irmãozinho, urge, espera teu tio não, cara, liga você e fala você para o doutor Michelangelo. ‘Mich, vamos começar a agir, marca teu despacho lá que eu tô me ajeitando por aqui’. Não se importa com a parte financeira não, Thiago, que ali não é…se ele fosse um sanguessuga, se ele fosse um escroto, ele nunca ia cobrar 300 mil de qualquer caso relativo a esse, nunca. Isso não é preço, isso não é preço. Fez por consideração. Eu só tô mal nessa história porque o cara pediu os acessos, ele tava certo, ele ganhou os acessos, ele tá com a informação e você é o paciente e tá pensando em esperar o seu tio. Você tá errado, eu vou falar prá você com a liberdade que eu tenho com você, você tá errado. Você tinha que ligar prá ele, não adianta você pedir papel prá ele, Thiago. O que adianta é você botar seus olhos, é você analisar, você é advogado e vocês traçariam uma linha.”

Em outro momento do diálogo, Siqueira Campos diz que “Helvécio (desembargador do Tribunal de Justiça do Tocantins) tá correndo um risco sério”. E insiste na orientação a Thiago para recorrer a Michelangelo.

“Bom , faz a ‘mensagenzinha’ pra o Mich, fala prá ele: ‘Mich, meu pai chega hoje à noite, amanhã eu falo contigo’. E esquece dinheiro, tem é trato. Muitas vezes eu fiquei 8 meses sem pagar o Mich…’Mich me aguenta’. e era coisa grande, não era bobagem. então o que eu acho ruim só é você ficar de bobagem, ficar sem falar com o cara. O cara que tem condição de amanhã fazer um despacho e avançar na tua tese, que o cara que faz o voto, amanhã ele tá sabendo. Ele fala. ‘Doutor, o senhor me aguardar que eu vou fazer aqui uma petição, pedindo a exclusão do meu cliente, meu cliente tá aí de graça, tá aí à toa, tá aí pelo sobrenome.”

“Então, começa a construir a tua defesa, tá?”

Em sua decisão que autorizou a Operação Sisamnes, capítulo 9, o ministro Cristiano Zanin alertou sobre o acesso prévio a informações sob sigilo.

“Como é possível perceber, ao menos em 26 de junho de 2024, Eduardo de Siqueira Campos tinha conhecimento de detalhes do trâmite da investigação relacionada à Operação Maximus e a repassou a Thiago.”

O ministro enfatiza os pontos que põem o prefeito de Palmas e o sobrinho do governador do Tocantins no centro da investigação sobre vazamento de dados sigilosos no STJ.

“Há três elementos bastante significativos, indicativos da antecipação indevida de informações envolvendo a atuação de Siqueira Campos. 1) informa a condição de investigado de Thiago; 2) indica saber o momento em que será deflagrada a operação (agosto de 2024); 3) sugere, de forma concreta, os alvos da operação, o que, de fato, ocorreu.”

‘Pra eu sair de casa’

“Mais que isso”, segue Zanin, agora se referindo à Operação Fames-19, que tem no governador Wanderlei Barbosa o principal alvo. “Prosseguindo ao exame do aparelho celular de Thiago, a autoridade policial verificou trecho de conversa entre Thiago e o contato ‘Andre Genro do Arimateia 2’, correspondente a aparelho celular de propriedade da Secretaria do Trabalho e de Desenvolvimento Social. Nessas mensagens, Thiago relata que teria trazido alguém de Brasília e mostrado os inquéritos para ‘Manim’, a fim de avisar o governador Wanderlei.” Esse diálogo ocorreu no dia da deflagração da Operação Fames-19, em 21 de agosto de 2024.

Thiago: ‘Me ligaram 6 hs da manhã’

André: ‘Povo aqui na secretaria só fala disso’

Thiago: ‘Prá eu sair de casa. é por causa que eu sou investigado e achavam que poderia ser levado também para prestar esclarecimentos’

Thiago: ‘Mostrei o inquérito para ‘Manim’. Tem 15 dias. Eu tive acesso ao inquérito inteiro. Trouxe um cara de bsb e mostrei para o ‘Manim’. Ele fez foi rir. Dizendo que não daria nada. O cara era do STJ’

Ainda Thiago: ‘O des. Helvécio é investigado em outro processo, arrumei esse adv prá ele, aí trouxemos ele aqui. Aí aproveitei para mostrar o inquérito para o ‘Manim’’

Organização criminosa

Para o ministro Zanin que os diálogos são “elementos bastante significativos, indicativos da antecipação indevida de informações sigilosas”.

“Todos esses trechos mencionados denotam que os investigados tiveram acesso a informações sigilosas. Há, ainda, elementos robustos a indicar que essas informações foram repassadas a terceiras pessoas, com propósito de frustrar medidas cautelares adotadas no curso de investigação complexa, referente a possível organização criminosa, tanto que o próprio Thiago saiu de casa no dia da deflagração da operação”, apontou o ministro.

A PF pediu a prisão do prefeito de Palmas e seu afastamento do cargo, mas Zanin não consentiu. Ele autorizou os agentes a fazerem buscas “nos endereços residenciais e funcionais do investigado, uma vez que, ao que se verifica dos diálogos, a atuação (de Siqueira Campos) pode ter ocorrido durante exercício de expediente, com possibilidade de coleta de elementos úteis à investigação nestas localidades”.

COM A PALAVRA, O PREFEITO EDUARDO SIQUEIRA CAMPOS

A Operação Sisamnes investiga o vazamento de informações sigilosas de demais Operações Judiciais, que envolvem terceiros.

Eduardo Siqueira Campos esclarece que não é alvo das investigações que tiveram informações vazadas e que não mantém fontes privilegiadas em tribunais ou em qualquer outra instância do Poder Judiciário.

Os diálogos divulgados pela imprensa são parte de conversas informais com Thiago Marcos Barbosa, que o procurou buscando orientações e a indicação de um advogado para constituir defesa no processo em que responde.

O prefeito Eduardo Siqueira Campos afirma que ter indicado um advogado para Thiago, por si só, não configura qualquer tipo de vazamento de informação privilegiada e nem representa conduta contrária à legislação vigente. Além disso, esclarece ter conversado sobre informações (que supostamente haviam sido vazadas), e que este fato não pode imputar à Eduardo a autoria ou responsabilidade pelo vazamento das mesmas. Depois de vazadas, certas informações ganham o mundo e viram alvo de comentários de todo o meio político.

O Prefeito de Palmas coloca-se à disposição para quaisquer demais esclarecimentos e aguarda que os verdadeiros responsáveis por vazamento de informações sigilosas e tentativas de obstrução de justiça, caso tenham ocorrido, sejam responsavelmente investigados, descobertos e revelados.

COM A PALAVRA, O ADVOGADO LUIZ FRANCISCO DE OLIVEIRA, QUE DEFENDE THIAGO MARCOS DE BARBOSA CARVALHO

A defesa não se conforma com o fato de Thiago Marcos de Barbosa Carvalho estar preso desde 9 de abril, embora seja primário, com bons antecedentes. Ele não tem personalidade voltada para o crime. Medidas cautelares diversas da prisão, tais como monitoramento eletrônico, são suficientes. A defesa protocolou pedido de revogação da prisão preventiva. Mesmo havendo provas de que dados foram repassados a ele por um advogado de Brasília o único preso até hoje é só ele.

A irresignação da defesa é que existem tantas pessoas com envolvimento maior nas investigações e nada aconteceu com elas. Thiago foi indicado para conversar com o advogado de Brasília. O prefeito é que passou para ele todos os dados da Operação Maximus. No entanto só o Thiago está preso. Pior, quase 60 dias se passaram sem que o pedido de revogação da prisão tenha sido apreciado.

 

 

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