PT reorganiza oposição a Tarcísio e mira em programa de combate à pobreza para tentar reagir em SP
Depois de um longo período de queda de braço sem resultados na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), o PT quer virar o jogo na oposição ao governo Tarcísio de Freitas (Republicanos). Sob a nova liderança da deputada Thainara Faria (PT), que assumiu o comando da minoria no mês passado, o grupo busca mais unidade para tentar desgastar Tarcísio e já escolheu seu primeiro alvo: o programa SuperAção, principal aposta do governo para o combate à pobreza.
A ofensiva da oposição chega em meio a uma renovação das lideranças na Casa. Aos 30 anos, Thainara tornou-se a mais jovem a ocupar o posto de líder da minoria — além de ser a primeira mulher negra e LGBT+ a liderar a oposição. Com base eleitoral em Araraquara (SP), ela é uma das principais aliadas do ex-prefeito Edinho Silva, favorito na disputa pela presidência nacional do PT. Outra mudança foi a substituição de Paulo Fiorilo (PT) por Donato (PT) na liderança da Federação PT/PCdoB/PV.
Petistas avaliam que o partido tem falhado ao tentar desgastar Tarcísio no principal colégio eleitoral do País, deixando o presidente Lula em uma posição fragilizada em São Paulo. O diagnóstico é que a oposição, ao contrário da bancada bolsonarista, não possui um discurso uniforme e alinhado; na prática, cada deputado acaba defendendo suas próprias bandeiras de forma desorganizada e sem estratégia.

“Em diálogo com os demais deputados da oposição, percebemos a necessidade de alinhar os discursos e elevar as ações em conjunto para um patamar de maior visibilidade”, diz Thainara.
Desde que assumiu o governo de São Paulo, Tarcísio teve vida fácil na Alesp, aprovando todos os projetos que enviou, inclusive os mais espinhosos, como a privatização da Sabesp e a PEC que flexibiliza o gasto mínimo com educação. Paralelamente, o governador tem conseguido manter sua aprovação acima dos 40%, mantendo-se como favorito para disputar a reeleição e sendo apontado como nome até mesmo para a presidência da República.
A primeira ofensiva dessa nova fase da oposição será atacar o programa SuperAção. O PT vê na iniciativa uma tentativa de Tarcísio, cotado para a Presidência, criar uma versão própria do Bolsa Família. O governador, no entanto, afirma que a ideia não é rivalizar com o programa federal, mas propor um modelo que vá além da transferência de renda. Serão três frentes de ataque: expor o orçamento limitado do programa, seu alcance restrito e ausência de método.
“Como pode o projeto de lei não especificar quem serão os beneficiários, quais os critérios, quem são os municípios que mais precisam? Não existe esse diagnóstico, nem a exposição das regras do programa. A única coisa que o governo diz é que vai decretar as regras depois da aprovação do projeto”, diz a deputada, acrescentando que o projeto enviado à Assembleia tem “duas páginas de formalismo, sem detalhe algum” e que “parece apenas marketing”.
Em nota, a gestão Tarcísio disse que o programa é destinado a famílias residentes em São Paulo, com inscrição no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) realizada ou atualizada nos últimos 24 meses e renda familiar per capta inferior a meio salário-mínimo (R$ 759), sem rendimentos de auxílios sociais.
O governo disse ainda que os municípios serão selecionados com base em três indicadores socioeconômicos: Índice Absoluto de Pobreza (IAP), Produto Interno Bruto (PIB) e Capacidade de Absorção de Mão de Obra (Taxa de Ocupação).
Vice-líder do governo na Alesp, o deputado Guto Zacarias (União Brasil) diz que o PT é contra o programa de Tarcísio porque tem medo de perder o “monopólio da pobreza”. “O Lula transformou o Bolsa Família em ferramenta eleitoral e nunca quis emancipar o povo — quer mantê-lo dependente”, disse ele. O SuperAção, diz Zacarias, busca o contrário: formar, capacitar e libertar. “O programa é um passo para dar dignidade a quem precisa, sem aparelhamento, sem politicagem e com responsabilidade”, finaliza o parlamentar.
O programa de Tarcísio tem um custo estimado de R$ 500 milhões, sendo que R$ 135,7 milhões são destinados à transferência de renda em si — há um benefício médio de R$ 450 para famílias com insegurança alimentar, além de ajuda de custo e bônus por metas alcançadas. O restante vai para a operação do programa e repasses aos municípios.
Para se ter ideia, no mês de maio, mais de 2,4 milhões de famílias paulistas receberam o Bolsa Família, segundo estimativa do governo federal. O repasse totalizou cerca de R$ 1,6 bilhão, com um benefício médio de R$ 658,40.
Auxiliares do governador rechaçam a comparação entre o SuperAção e o Bolsa Família. Eles ressaltam que o programa estadual é mais amplo, pois vai além da simples transferência de renda, e que não há como comparar a escala dos dois programas, já que o Bolsa Família é nacional, atende a milhões de famílias e dispõe de recursos muito maiores.
Ao mesmo tempo, reconhecem que, se o programa funcionar em São Paulo, o modo como foi desenhado permite a replicação a nível nacional. Porém, assim como Tarcísio, esses aliados negam qualquer relação entre o SuperAção e uma eventual candidatura presidencial do governador, que insiste em ser candidato à reeleição.
Oposição terá Instagram próprio
Além de questionar o SuperAção, a oposição busca unificar o discurso e a comunicação contra o governo. A ideia é ter um “QG da oposição” na Assembleia, com uma equipe dedicada a produzir vídeos e conteúdos críticos à gestão estadual, que serão distribuídos a todos os deputados para reforçar suas redes sociais. Também será criado um perfil oficial da oposição no Instagram.
A iniciativa, porém, é vista com ceticismo por aliados de Tarcísio. Para o deputado Lucas Bove (PL), da bancada bolsonarista, a nova estratégia do PT não deve prosperar, pois a esquerda não tem mais pauta e o governo Tarcísio é bem avaliado pela população.
“O PT do Estado de São Paulo é reflexo do PT nacional: eles não têm pauta. Só falam do Bolsonaro. E as pautas importantes, como reduzir a pobreza e melhorar a qualidade da educação, aqui em São Paulo vêm caindo pelas tabelas — basta ver a esquerda protestando contra o fim da Cracolândia”, diz o deputado.
Bove sustenta que o governo Tarcísio “é muito positivo” e que “não há muito o que criticar”. Tanto que, segundo ele, o PT critica no discurso, mas na prática vota a favor das iniciativas do governador — lembra, por exemplo, que o partido de Lula apoiou duas vezes a eleição do presidente da Assembleia, André do Prado, que é do PL e aliado de primeira hora de Tarcísio.
“É uma oposição de festim. Thainara tem bastante competência, teria plenas condições de fazer um bom trabalho, se não fosse o fato de que a esquerda perdeu a pauta e o governo Tarcísio tem aprovação recorde, caminhando a passos largos para uma reeleição tranquila”, afirma o deputado.
O objetivo do PT com a reorganização da oposição é que os deputados deixem de atuar isoladamente, focados apenas em seus projetos e bases eleitorais, para falarem num mesmo tom sobre o governo. Com isso, a oposição espera ampliar seu alcance e fortalecer sua presença digital.
Outro tema que a oposição quer destacar na comunicação conjunta é o reajuste de 5% dos servidores, abaixo da inflação acumulada, além da violência no Estado — uma das principais preocupações da população, segundo pesquisas. A bancada pretende reforçar que a responsabilidade pela segurança pública é do governo estadual, não do federal, e abordar questões como o aumento da criminalidade, a violência policial e a defasagem salarial dos policiais.
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