PT recusa evento com big techs enquanto Lula cobra militância influencer e PL multiplica seminários
BRASÍLIA — “Muitas vezes a extrema direita faz a gente recuar. Vamos fazer uma revolução na rede digital. Cada um de vocês tem que virar um influencer na internet”, discursou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em um evento no 1º de junho. Ele defendia que a militância da esquerda se dedicasse mais à batalha no meio digital, ambiente em que lideranças da direita têm levado larga vantagem em termos de engajamento e audiência.
A vontade de Lula, entretanto, esbarra na disposição do próprio Partido dos Trabalhadores de se mobilizar para a missão. Enquanto o Partido Liberal (PL), legenda que abriga o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus principais aliados, multiplica seminários com empresas de tecnologia para aperfeiçoar seus quadros na comunicação digital, os petistas engavetaram a mesma ideia após oposição de alas mais à esquerda da sigla.

Ao menos a Meta (dona de WhatsApp, Instagram e Facebook) e a Alphabet (Google e YouTube) ofereceram ao PT, durante a transição das gestões de Gleisi Hoffman (PR) para Humberto Costa (PE), oficinas sobre boas práticas de uso das redes sociais. A ideia era que os filiados ao PT aprendessem sobre quais tipos de conteúdo, formato, frequência e reembalagem permitem maior distribuição e alcance nas mídias digitais. Houve uma “grita” de setores do partido contrários à iniciativa, relatam reservadamente membros da cúpula, e o plano ruiu.
Nesse meio tempo, o PL já realizou dois seminários com palestras de lideranças bolsonaristas que são referência na atuação online e de profissionais das empresas de tecnologia. Em 21 de fevereiro, na edição de Brasília, estiveram presentes Bolsonaro e seu filho Carlos, vereador pelo Rio de Janeiro e tido como o grande artífice da eleição do pai em 2018 em razão da estratégia digital.
Os ensinamentos que os próprios parlamentares jovens do PL compartilharam, no entanto, ofuscaram o manual de boas técnicas das próprias big techs — além de Meta e Alphabet, o TikTok participou. Presidente do PL Jovem, o deputado estadual do Ceará Carmelo Neto (547 mil seguidores no Instagram), por exemplo, ensinou as centenas de pessoas presentes que “por trás dos cortes (deve haver) mensagens diretas e simples que as pessoas entendam bem”.
Thiago Medina (69,3 mil), vereador em Recife, ensinou como usar os três primeiros segundos dos vídeos para chamar a atenção dos usuários com alguma cena inusitada — e, em seguida, passar a mensagem mais importante. “As pessoas não se conectam com ideias, mas com pessoas”.
A vereadora de Fortaleza Bella Carmelo (191 mil seguidores) contou como o TikTok foi primordial para sua ascensão nas redes sociais. “Eu pegava as trends (formatos que se tornam virais na plataforma, podendo ser músicas, danças, hashtags ou desafios, por exemplo) genéricas e incluía política. Postava vídeos engraçados para atrair seguidores para verem os vídeos com teor político”, afirmou na ocasião. Ela sugeriu aos presentes evitar vídeos de chegadas a reuniões de trabalho e cumprimentos a aliados — que políticos mais analógicos costumam publicar.
Outro vereador de Recife, Gilson Machado Filho (70,9 mil seguidores), cujo pai, Gilson Machado, foi ministro do Turismo da gestão Bolsonaro, disse não se importar em perder votos, e que seu objetivo nas redes é “defender Deus, família, pátria, liberdade e o presidente Bolsonaro”. E compartilhou o modus operandi de seu pai na internet: “Meu pai busca o sensacionalismo, ele se conecta com as pessoas tocando sanfona”. Gilson Machado foi preso na sexta-feira, 13, acusado de envolvimento num suposto plano para a fuga do delator no processo por tentativa de golpe, o tenente-coronel Mauro Cid.
Bia Borba (43,7 mil seguidores), vereadora de Biguaçu (SC) de 19 anos, seguiu a mesma tática de Bella: para ganhar seguidores e disseminar sua atuação pelo bolsonarismo, a catarinense usava trends famosas para falar de política.
O aplaudidíssimo Rafael Satiê (326 mil), vereador negro do Rio de Janeiro, exibiu trechos de um debate em que questionava um petista se este queria lhe “ensinar a ser preto”, contra-atacando a esquerda com temas da chamada pauta identitária. Ele se notabiliza pelo humor autodepreciativo em relação à raça. O carioca, por sua vez, defendeu que os bolsonaristas saíssem do Instagram e fossem para outras mídias, como revistas e canais de TV e rádio, apesar de citar apenas veículos pró-Bolsonaro.
Sucesso de público, o seminário voltou a ser feito em Fortaleza em 30 de maio — e também chamou a atenção pela presença das plataformas. Nas redes sociais, usuários de esquerda criticaram o que viram como uma “aliança entre as big techs e a extrema direita”. As empresas, no entanto, dizem se tratar de treinamentos oferecidos para outros partidos, autoridades e empresas. No evento em Brasília, as palestras dos profissionais dessas empresas se restringiram a técnicas de uso, sem viés político.
No último dia 4, a deputada Luizianne Lins (PT-CE) acionou a Procuradoria-Geral Eleitoral e a Polícia Federal acusando o PL de usar empresas como a Meta, o Google e a CapCut para treinar seus militantes políticos. Luizianne alegou que o PL chamou as bigh techs para ensinar à sua tropa as mais avançadas técnicas digitais, com o objetivo de impulsionar mensagens e desconstruir adversários na disputa eleitoral de 2026.
Na representação, a deputada petista citou o seminário nacional de comunicação do PL, realizado em Fortaleza, no dia 30 de maio, com participação do próprio Bolsonaro. As oficinas realizadas no seminário incluíram impulsionamento com WhatsApp Business, uso de deepfakes de áudio e automação com inteligência artificial.
Oferecer aos quadros do PT especialização no uso das redes sociais ainda é defendido por muitos dirigentes, apesar de a ideia ter empacado. O secretário de Comunicação do PT, o deputado federal Jilmar Tatto (PT), disse que o partido não desistiu de organizar curso sobre redes sociais para seus dirigentes e parlamentares.
“Vamos deixar a próxima direção do PT cuidar disso. Mas não vai ser só com a Meta. Vamos ter cursos com os chineses também”, afirmou ele, referindo-se a TikTok e Kwai.
A discrepância entre o tratamento dado por PL e PT aos treinamentos com as plataformas se torna mais crítica uma vez que aliados de Lula vêm se preocupando com a dificuldade em comunicar os feitos do governo à população. Uma pesquisa Datafolha divulgada nesta quinta-feira, 12, mostrando que a recuperação na imagem do governo Lula estancou após uma leve melhora em abril, e continua bem atrás da avaliação negativa. Os dados mostram que 40% das pessoas considera sua gestão ruim ou péssima, enquanto 28% a consideram ótima ou boa.
Kent Walker, presidente de assuntos globais do Google, diz haver um mal-entendido na suposta relação de parceria com os bolsonaristas. Ele afirma que a companhia oferece com frequência treinamento sobre todas as suas ferramentas para partidos políticos e para governos, inclusive democratas e republicanos nos Estados Unidos.
“Aqui, (oferecemos) para o Partido Liberal, o Partido dos Trabalhadores, todos os partidos. E para órgãos governamentais, caso tenham interesse em usar nossas ferramentas. Da mesma forma que fazemos com empresas interessadas em usar as ferramentas do Google de diferentes maneiras. Portanto, estamos muito comprometidos com a ideia de sermos, digamos, totalmente imparciais”, afirmou durante um almoço com jornalistas em Brasília na quarta-feira, 11, promovido pelo próprio Google.