Você se importa com o Museu do Bixiga? Então, leia isso com atenção
Não é exagero afirmar que o Museu Memória do Bixiga, no morro dos Ingleses, é a terceira instituição mais conhecida e importante do bairro após a igreja de Nossa Senhora da Achiropita, fundada por imigrantes italianos, e a escola de samba Vai-Vai, criada por negros onde antes havia o quilombo do vale do Saracura. Não é exagero afirmar também que o museu sempre foi a entidade mais frágil do bairro, chegando ao ponto de viver atualmente um “imbróglio” que torna incerto seu futuro.

Armando Puglisi, o popular “Armandinho do Bixiga”, pioneiro agitador cultural do bairro, fundou o museu no início da década de 1980 na casa da rua dos Ingleses número 165, onde nasceu e mantinha, na época, um escritório de despachante. Alguns anos depois levou o acervo composto de lembranças de famílias do bairro – fotos, brinquedos infantis, uma geladeira de madeira e outras raridades – para a rua dos Ingleses número 118, onde permanece até hoje.
O Morro dos Ingleses tem esse nome porque lá, no início do século XIX, ficava o campo do São Paulo Golf Club. Provavelmente por isso, a casa 118 é um “palacete” de arquitetura vitoriana, posteriormente restaurado em estilo eclético. Trata-se de um imóvel pertencente ao Patrimônio da União que, então, estava desocupado e foi cedido provisoriamente para o museu, que aguarda até hoje a concessão em definitivo, a título de comodato.

Até o falecimento de Armandinho, em dezembro de 1994, tudo correu razoavelmente bem. Ele próprio atendia jornalistas, pesquisadores e excursões de escolares, emprestava objetos e vestuários para novelas de TV e recebia visitas de estrangeiros. Um deles, o professor Salvatore Carbone, autoridade mundial em arquivos históricos, disse para a TV Globo: “Eu conheço todos os museus do mundo e em todos vejo as fotos da rainha, do rei, do príncipe, do homem rico do lugar, do poder econômico. Aqui não, aqui se vê o pedreiro, o sapateiro”.
Era esse exatamente o desejo de Armandinho: preservar a memória dos “varridos da História”, os verdadeiros heróis do país como disse Jorge Amado, citado com frequência por ele.
Sem modéstia, Armandinho dizia que ele – que visitara na vida só um museu, o do Ipiranga, quando criança – tinha mudado a museologia do mundo ao permitir que os visitantes tocassem nos objetos expostos.
Para concretizar seu sonho e manter o museu aberto, Armandinho – “um homem de alma livre”, como descreve a filha Maria Paula – precisou vender bens, investindo em pequenas reformas no casarão, além de dedicar tempo em idas-e-vindas ao Patrimônio da União para não perder a posse do casarão, cobiçado por muitos.

O museu nunca recebeu qualquer verba de incentivo público. Hoje sobrevivendo graças à pequena ajuda ocasional do comércio local e de voluntários, ele nem sempre está aberto para visitas. Consta que não deve nada na praça, mas sua situação é precária: o casarão está se deteriorando e as goteiras da chuva e vidros quebrados das janelas estão levando o acervo pela mesma vereda.
Consta também que não faltam empresas, instituições de ensino e políticos querendo ajudar, mas o último registro de uma diretoria eleita oficialmente é de 2017 e sua atualização é essencial para a obtenção de qualquer patrocínio privado e para a cessão do imóvel em comodato pelo Serviço do Patrimônio da União.
Nova tentativa para constituição de uma diretoria será feita em assembleia marcada para o dia 26. Ocorre que há um impasse sobre o futuro do museu entre os associados legalmente habilitados (poucos) para votar e a eleição pode até não acontecer por falta de candidatos.
A filha de Armandinho e o fotógrafo Paulo Santiago, co-fundador do museu, pensam de forma diferente sobre o que fazer com o imóvel. Eles não estão propriamente em “pé de guerra”, mas digamos assim em meio a uma “discussão em família”, pois laços de afeto os unem, além da luta pela valorização da história dos moradores do bairro.
Maria Paula julga melhor abrir mão do imóvel, cuja manutenção legal foi um fardo para seu pai e seguiu sendo para os que o sucederam. Paulo acha que abrir mão do casarão é decretar o fim do museu.
Para ela, outra instituição da comunidade poderia dar uso mais adequado ao imóvel. Isso, diz ela, não significaria o fim do museu. “Nós temos um imóvel, uma associação jurídica, que é a Associação Museu Memória do Bixiga, e o que, de fato, interessa, que é o acervo. São três coisas separadas. Enquanto mantemos o foco principal na posse da casa, o acervo fica em segundo plano e se deteriora”.
Sua ideia é manter o projeto Museu Memória do Bixiga no formato de um museu-território com uma sede pequena para mostrar itinerantes, onde os visitantes receberiam informações sobre como vivenciar o “território Bixiga”. Seria um centro de apoio para ações que abordassem o bairro como um todo como um “museu vivo”, tipo caminhadas, edições de guias e colocação de placas em imóveis e pontos culturalmente significativos.
“Meu pai sempre disse que o museu não era casa. O museu era o bairro todo, que a gente tinha que preservar o bairro, a história do bairro, a união entre as pessoas do bairro, as tradições do bairro, enfim… “, diz Maria Paula.
Paulo Santiago pensa ao contrário. Ele julga fundamental a instituição manter a posse do imóvel, pela simbologia que o lugar já adquiriu. “O museu está ligado afetiva e intrinsecamente à imagem dessa casa”.
Segundo ele, “seria uma perda irreparável depois de mais de 40 anos de existência do museu. Um enorme passo atrás. Não podemos esquecer que montamos o mais antigo museu de bairro do Brasil e tirar o acervo daqui significará, na prática, acabar com ele”.
Tem gente no bairro que concorda com um e com outro, só que os associados são poucos e apenas eles podem votar no dia 26.
Se não for possível montar uma diretoria disposta a assumir um imóvel em situação de risco, concluir o processo de regularização de sua posse e conseguir recursos para seu restauro, o despejo pode ser iminente, o que deixaria no limbo o acervo e a memória das famílias do bairro.
Você se importaria? Opine escrevendo para armandinhodobixiga@gmail.com