Congresso surfa na polarização entre Lula e Bolsonaro para fazer o que quer, ampliando privilégios
O Congresso brasileiro tem se aproveitado bem da polarização entre os eleitores para, longe de uma pressão social mais sólida, ampliar seus privilégios, seja engordando emendas e o fundo partidário, seja reforçando imunidades que possam lhe garantir o máximo de impunidade. Se no Brasil atual tudo é culpa dos desgastados Lula e Bolsonaro e toda a discussão se dá sobre a ruindade do atual governo e o desapreço pela democracia do que passou, há uma cômoda situação em que o Parlamento de Davi Alcolumbre e Hugo Motta, pendendo para um lado ou para outro e unindo os dois em suas pautas corporativistas, sente-se à vontade para avançar em uma pauta que não beneficia o País.
Caso que se viu durante a votação dos vetos presidenciais no Congresso nesta terça-feira quando, em meio a uma guerra contra um governo nas cordas, aprovou o aumento do já turbinado valor do fundo partidário. O Congresso, que jura estar a serviço de um equilíbrio fiscal, não se constrangeu em tomar uma decisão que, na prática, aumenta as verbas dos partidos em R$ 164,8 milhões, ao conceder um ganho real para a verba com correção pela inflação desde 2016, em vez de 2023 como proposto pelo Executivo.

Na mesma sessão, os parlamentares deixaram um presente para os brasileiros que vai elevar a conta de luz para beneficiar um lobby de geradores de energia e contrariaram o Tribunal de Contas da União (TCU) para garantir que emendas indicadas por comissões e bancadas estaduais na saúde possam ser usadas para pagar pessoal nas prefeituras, em vez de serem usadas em investimentos ou no atendimento direto ao cidadão. Isso para garantir que R$ 12,6 bilhões do Orçamento deste ano sejam liberados e possam ser repassados para uso à vontade pelas administrações estaduais e municipais, driblando o piso da saúde.
A engorda das emendas não é de hoje. Como o próprio Estadão mostrou, elas representam mais do que os recursos livres de 30 ministérios do governo somados. Ainda assim, os parlamentares fizeram questão de recuperar até o que não foi gasto no passado, caso de R$ 2 bilhões em verbas do orçamento secreto. Aquele que o Congresso luta, com unhas e dentes, para manter o mais secreto possível mesmo após decisões do STF. Na proposta de isenção do imposto de renda, como mostrou o repórter Daniel Weterman, uma comissão do Congresso incluiu um jabuti que autoriza o gasto desse dinheiro com obras com problemas técnicos, como falta de licitação e licenciamento ambiental e o repasse para municípios inadimplentes com a União, em um verdadeiro “libera geral”.
No mesmo projeto do IR foi incluída também uma brecha para facilitar a criação das novas vagas de deputados. O aumento do número de parlamentares, já aprovado pela Câmara, vai custar, só em salários e verbas, R$ 64,8 milhões. Isso sem falar nas obras para adequação da Casa e no efeito cascata que terá sobre as assembleias estaduais em todo o País assim que o Senado também aprovar a proposta.
Esses novos parlamentares, quem sabe, já vão poder contar, como também os antigos, com a oportunidade de ouro de acumularem salário e aposentadoria parlamentar, como propôs a Mesa Diretora, enquanto curtem os benefícios de sempre, tais quais um plano de saúde pomposo que gerou um rombo de R$ 36 milhões nos cofres do Legislativo no ano passado.
E as oportunidades serão para todos. Inclusive aqueles que, eventualmente condenados, vão poder voltar ao poder mais rápido se o alcance da Ficha Limpa for mesmo reduzido como está no escopo do projeto de um novo código eleitoral em discussão no Senado.
Mas se uma vez no mandato algum deles for implicado na Justiça, basta usar a cláusula Ramagem, adotada pela primeira vez na história pela Câmara para tentar limitar a investigação contra um parlamentar.
Se ele mesmo assim ele for processado e condenado e fugir do País, como fez Carla Zambelli, independentemente do trânsito em julgado da condenação, a perda do mandato não será automática como diz a jurisprudência do STF. Vai ser escalado um relator, de preferência aliado da causa, aberto um processo no Conselho de Ética e, se os colegas tiverem boa vontade com a Justiça, aí sim ele perderá a função em definitivo. Afinal, a prioridade é a imunidade.
Tudo isso, claro, sem pressa, como foi com o orçamento de 2025, aprovado só em março deste ano. Ou com a discussão sobre o fim dos supersalários, empurrada para o segundo semestre. Afinal, tem folgão das festas juninas nesta semana e, quando os trabalhos voltarem, será coisa rápida. Vem o recesso de meio de ano aí. Ninguém é de ferro.