29 de junho de 2025
Politica

Lula ganhou com folga nas cidades mais católicas em 2022; Bolsonaro venceu por pouco nas evangélicas

Nas cidades com maior concentração de católicos no Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ganhou com folga nas eleições de 2022. Por outro lado, as mais evangélicas deram maior votação ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), embora com vitória menos expressiva.

Levantamento produzido pelo Estadão cruzou dados dos 5.571 municípios, da nova publicação do Censo 2022 Religiões do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados na semana passada, com os votos válidos do segundo turno das eleições presidenciais, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Rivais no plano nacional, os partidos de Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL) aumentaram o número de filiados antes das eleições municipais de 2024
Rivais no plano nacional, os partidos de Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL) aumentaram o número de filiados antes das eleições municipais de 2024

Os resultados comprovam uma tendência que já era apontada nas pesquisas de intenção de voto, mas que geralmente consideravam apenas capitais, além dos votos não serem aqueles efetivamente concretizados.

O levantamento inédito considerou os 500 municípios mais católicos e os 500 mais evangélicos, com base na porcentagem dos habitantes que declararam seguir as religiões. No grupo com concentração de católicos, Lula conquistou 68,37% da soma dos votos, enquanto Bolsonaro conseguiu menos da metade, apenas 31,63%.

Já no recorte dos municípios com maior número de evangélicos, Bolsonaro venceu com 55,51% dos votos válidos, aproximadamente 11 pontos porcentuais a mais que Lula.

Quando localizados no mapa, os municípios das duas listas mostram um País dividido geograficamente: na Região Nordeste e no Norte de Minas Gerais, estão as cidades em que há maior concentração de católicos e, simultaneamente, maior votação em Lula. No Sudeste, no Sul e nas faixas fronteiriças do Centro-Oeste, há predominância de cidades com os maiores porcentuais de população evangélica e, ao mesmo tempo, aquelas que deram maior votação a Bolsonaro.

Considerando somente a opção religiosa e a quantidade de votos em cada candidato, o cruzamento mostra que há uma correlação entre as variáveis, indicando que, quando uma aumenta, a outra também tende a subir.

Municípios mais católicos têm uma tendência moderada de votar mais em Lula, enquanto nas cidades com mais presença evangélica, a propensão em votar em Bolsonaro é ainda mais forte. Os cálculos mostram que, estatisticamente, a chance dessa relação ser por acaso praticamente não existe.

Apesar de cada religião “dar match” com um candidato específico, o cientista político e professor do IDP em São Paulo Vinícius Alves destaca que a preponderância de evangélicos em muitos casos não se traduz em abundância de votos para Bolsonaro.

Na cidade mais evangélica do Brasil, Arroio do Padre, no Rio Grande do Sul, por exemplo, 88,7% da população se declarou evangélica. Lá, Bolsonaro recebeu 83,2% dos votos. Apesar do alto índice, o apoio resulta em 1.922 votos, uma vez que a população local é de apenas 2.599 habitantes. De colonização por descendentes de pomeranos, a maioria dos moradores do município é membro de igrejas luteranas – vertente evangélica. No mapa, é possível ver mais de dez templos num raio de dez quilômetros do ponto central da cidade.

Sede da Prefeitura de Arroio do Padre (RS)
Sede da Prefeitura de Arroio do Padre (RS)

O cientista político relembra que, por ser historicamente a religião predominante no Brasil, o catolicismo ainda é muito presente mesmo nas cidades onde os evangélicos estão mais concentrados, o que pode indicar votação expressiva também para o petista nas localidades.

Por outro lado, destaca, o voto católico não é transferido “automaticamente” para Lula, e também está em disputa pelo bolsonarismo. “Dentro do grupo católico, também há conservadores, e essa preferência por um candidato que traduza esses valores aparece nas urnas”, analisou Alves.

Como exemplo, quando combinadas as cidades mais católicas e, ao mesmo tempo, mais bolsonaristas, as 109 primeiras da lista elegeriam o ex-presidente, hoje sentado no banco dos réus do Supremo Tribunal Federal (STF) por golpe de Estado, com mais de 70% dos votos.

Alves destaca, entretanto, que há diferença entre o apoio dos “fiéis” dos dois grupos. Pela tradição religiosa no Brasil, cidadãos que se declaram “católicos” ao IBGE não necessariamente são praticantes, deixando em aberto a hipótese de outros fatores pesarem muito mais na hora do voto do que a religião, ao se observar esse grupo específico.

Culto evangélico em frente à Granja do Torto para o então presidente eleito, Jair Bolsonaro, em 2018
Culto evangélico em frente à Granja do Torto para o então presidente eleito, Jair Bolsonaro, em 2018

Segundo o doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e diretor do Observatório Evangélico Vinicius do Valle, os dados corroboram com as pesquisas de opinião produzidas na véspera do segundo turno de 2022, e com os levantamentos dos principais institutos de pesquisa sobre aprovação do governo Lula – que mostram maior desaprovação entre o grupo de evangélicos.

“Se os evangélicos continuarem, nessa escala, votando contra a esquerda, com o crescimento desse eleitorado será muito difícil para o campo, especificamente do PT, disputar eleições majoritárias”, avaliou o pesquisador.

Lula durante a sanção do projeto de lei que institui o Dia Nacional da Música Gospel, em cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília, em outubro do ano passado
Lula durante a sanção do projeto de lei que institui o Dia Nacional da Música Gospel, em cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília, em outubro do ano passado

De olho nos segmentos religiosos, o governo tem dado uma série de acenos ao público cristão, embora ainda “tímidos” e sem um retorno até o momento. Segundo pesquisa Datafolha divulgada no último dia 12, 37% dos católicos avaliam o governo como “ruim” ou “péssimo”, enquanto 50% dos evangélicos têm essa avaliação.

Do ano passado até agora, o presidente sancionou leis com temas simbólicos, por exemplo, criando o Dia do Pastor Evangélico e o Dia Nacional da Música Gospel, data em que o ex-vice-líder do governo Bolsonaro, deputado federal Otoni de Paula (MDB-RJ), orou por Lula.

Bolsonaro segue a mesma receita, mas o foco continua nos evangélicos. Inelegível até 2030, é sua mulher, Michelle Bolsonaro (PL), quem tem sido a porta-voz do bolsonarismo com o público, levantando bandeiras conservadoras que mobilizam o voto dos crentes.

Para Valle, a proporção de evangélicos pró-Bolsonaro pode ter chegado ao teto do que é possível angariar de apoio. “Os evangélicos são bem heterogêneos, mas em termos eleitorais é difícil você ter um grupo tão inclinado a votar por um candidato. Mas, considerando toda a campanha política que vimos nesses últimos anos no interior do universo evangélico, parece que eles estão ali trabalhando no limite das forças.”

Neste ano, nem Lula nem Bolsonaro participarão da Marcha Para Jesus em São Paulo, marcada para esta quinta-feira, 18, feriado de Corpus Christi. O evento tem estimativa de reunir 2 milhões de evangélicos de todo o País no centro da capital paulista.

Sobre a Marcha, o cientista político acredita que ela tem se mostrado um ambiente cada vez mais hostil ao campo da esquerda e que, mesmo para mostrar que não são adversários do segmento, os políticos precisam se aproximar desse público.

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