30 de junho de 2025
Politica

A ‘ameaça de paz’ é maior do que a ameaça à paz no Irã, diz ex-embaixador do Brasil em Teerã

Ex-embaixador do Brasil em Teerã, Eduardo Gradilone acompanha o avanço do conflito entre Israel e Irã com certo pessimismo. No período em que esteve no cargo, ele afirma que tudo levava a crer numa moderação do regime, principalmente em razão da eleição do presidente Masoud Pezeshkian, de viés reformista, em julho de 2024. Mas agora já não demonstra essa expectativa.

“Parece que é sempre assim: quando as coisas parecem que vão melhorar, existe um temor à paz. A ‘ameaça de paz’ é maior do que a ameaça à paz. Aí os radicais aparecem”, analisa em entrevista à Coluna do Estadão.

Gradilone lembra que, já na campanha de Pezeshkian, quando ele acenava por liberação dos costumes, as “patrulheiras de xador” (traje feminino muçulmano) apareciam controlando o hijab (véu) das mulheres. “Depois, houve o assassinato do líder do Hamas (pelo governo israelense) e os ataques recíprocos, mas, principalmente, o ataque de Israel ao Irã“.

No atual cenário, o diplomata considera inverossímeis as condições impostas por países europeus e por Donald Trump para intermediarem um acordo de paz. Na contramão desse resultado, Gradilone acredita que, ao exigir a mudança de regime iraniano, o presidente dos Estados Unidos pode ampliar a força dos grupos extremistas.

“Diante desses arroubos do presidente Trump, a população fica mais a favor dos radicais, que detesta, do que a favor de forças externas que querem impor uma situação no país e que afrontam os brios”, observa.

Na noite deste sábado, 21, Trump anunciou que os Estados Unidos atacaram Fordo, as instalações nucleares altamente fortificadas do Irã, bem como dois outros locais.

Para Eduardo Gradilone, uma conjuntura de fatores faz com que talvez nunca tenhamos vivido num período de tamanho perigo. Ele reclama que as bases do direito internacional estão se corroendo, prevalecendo a lei da selva. “Não tendo as Nações Unidas funcionando, sem controles internacionais para balizar a conduta dos governantes, é impossível fazer previsões. De modo que eu, às vezes, fico pessimista pelo que vai acontecer”, lamenta.

O diplomata, entretanto, não vê uma Terceira Guerra Mundial à porta, como afirma o presidente Russo, Vladimir Putin. “Os atores que entrariam numa possível guerra mundial estão meio ocupados com outras coisas. A Rússia lá com a Ucrânia, a China preocupada em manter o esquema de paz que favorece os seus negócios. Há tantos interesses em jogo que isso acaba sendo uma contenção”, pondera.

Eduardo Gradilone, que atualmente é vice-presidente do Irice – Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior, foi o mais recente embaixador do Brasil em Teerã. Desde que se aposentou em janeiro, o cargo está vago. A embaixada em Israel também está vaga, mas esta por razões políticas.

Nesta entrevista à Coluna do Estadão, o ex-embaixador fala sobre o impacto dessa vacância. Também aponta a postura que o Brasil deve adotar frente ao conflito. “A nós interessa que o mundo esteja em paz, inclusive para que possamos projetar a nossa cultura, o nosso comércio e, enfim, a nossa forma brasileira de ser, que é um cartão de visitas. Graças a ela, nós somos aceitos em todos os grupos e podemos participar e ter uma participação construtiva em todos eles”.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista

Eduardo Gradilone, ex-embaixador do Brasil em Teerã
Eduardo Gradilone, ex-embaixador do Brasil em Teerã

A nomeação do novo embaixador do Brasil no Irã, André Veras Guimarães, já foi publicada, mas não há data para ele assumir o posto. Estar sem embaixador no posto neste momento gera que tipo de prejuízo para o Brasil?

Olha, quando eu saí, a resposta do Itamaraty foi colocar provisoriamente lá a Lígia Maria Scherer, que é uma diplomata. Ela foi embaixadora na Palestina, foi embaixadora em Omar. Tem uma tese de curso de autos estudos sobre Jerusalém, é uma expert nos assuntos da região. E quem está agora, depois que ela saiu, aguardando a chegada do novo embaixador, é um diplomata que já serviu no Irã, é casado com uma iraniana. De modo que eu acho que eles estão dando continuidade ao que a gente estava fazendo, com extrema competência e sem nenhum prejuízo para nós.

O Brasil também está sem embaixador em Israel.

Israel já foi uma decisão política de rebaixar o nível do relacionamento, por causa dos atritos. E assim vai continuar, enquanto essa situação complicada entre os dois países em termos de relacionamento não se resolver. Mas os que estão lá têm todas as condições de levar avante o trabalho da embaixada. A interlocução em alto nível já estava prejudicada, então, no fundo, você toca os assuntos normais administrativos e, agora, por exemplo, todo esse envolvimento com a repatriação dos brasileiros.

O senhor ficou no Irã por quase dois anos. No período, o cenário apontava para essa guerra, ou algo mudou após o retorno de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos?

Eu peguei um período muito rico de acontecimentos. Primeiro, a eleição de um presidente (Masoud Pezeshkian) com uma plataforma reformista que recebeu a maior parte dos votos da população. Tudo fazia crer que poderia haver uma moderação do regime. Nós temos vários grupos, de embaixadores ibero-americanos, de diplomatas das Nações Unidas, a maior concentração de agências da ONU acho que está no Irã.

Agora, parece que é sempre assim: quando as coisas parecem que vão melhorar, existe um temor à paz. A ameaça de paz é maior do que a ameaça à paz. Aí os radicais aparecem. Já na campanha do presidente Pezeshkian, quando ele acenava por liberação dos costumes, etc., apareciam já nos shopping centers aquelas patrulheiras de xador (traje feminino muçulmano) controlando o hijab (véu) das mulheres que entrassem.

Quando o ministro das Relações Exteriores, que foi designado, assinou com possibilidades de avanço na área nuclear, também foi obrigado a mudar o tom, porque os radicais de dentro do próprio Irã o forçaram a isso. E aí, quando as coisas estavam melhorando e a gente tinha a posse do novo presidente, houve o assassinato do líder do Hamas que estava presente. Depois, nós tivemos outras coisas, como os ataques recíprocos, mas, principalmente, o ataque de Israel ao Irã.

Esses ataques que estão agora ocorrendo, de lado a lado, já tiveram origem no tempo em que eu estava lá. Essa é uma segunda etapa muito mais grave, porque, agora com a presidência de Donald Trump (nos Estados Unidos), há uma conjuntura ainda mais difícil, principalmente pela retórica do presidente, que é muito ofensiva e de um modo quase que impossível de ser aceita pelos iranianos. Não só pelo governo, não só pelo regime, mas também pelo povo iraniano.

Donald Trump exige uma mudança de regime. Pela sua vivência no Irã, como é que a própria população iraniana reagiria em relação a isso?

Se você viaja pelo Irã, é um povo culto, educado, eles pedem permissão para fazer poesia. É uma coisa que dificilmente as pessoas de longe conseguem entender como o Irã é diferente desse Irã maligno e terrorífico que aparece em algumas reportagens. O povo é muito diferente. O povo, em geral, é contra o regime, é contra o aiatolá, é contra conflitos e gostaria de viver em paz.

Tudo indicava que poderia haver uma mudança de regime, mas por forças internas, não por forças externas. Porque se há uma coisa que os iranianos odeiam mais do que o regime, as restrições e tudo mais, é justamente Israel e os Estados Unidos.

Então, todos esses arroubos do presidente Trump, de ameaças, de exigência de rendição incondicional, acabam aproximando essas correntes que, de outra forma, seriam mais favoráveis a uma mudança do regime. E agora, nos últimos dias, você vê (Binyamin) Netanyahu repetindo essa incitação ao povo para se revoltar contra o regime.

Diante disso, a população fica mais a favor dos radicais, que detesta, do que a favor de forças externas que querem impor uma situação no país e que afrontam aos brios, ao orgulho, todo o passado do Irã como Pérsia, como cultura e como civilização, que hoje tem 90 milhões de habitantes altamente educados e, no fundo, muito pacíficos.

E qual pode ser a consequência de atitude mais invasiva dos Estados Unidos?

Uma atitude mais invasiva dos Estados Unidos contra o Irã pode mobilizar toda a população. Vamos lembrar o seguinte: o líder supremo não é o líder só do Irã, ele é líder de 200 milhões de xiitas espalhados pelo mundo muçulmano. Por exemplo, matar o líder supremo seria uma coisa simbólica que provavelmente teria um efeito contrário em termos de angariar apoio dessa situação. E você tem que pensar no day after. Como é que vai ser? Vai se repetir o fracasso do que houve no Iraque, o fracasso do que houve no Afeganistão?

E vamos lembrar que cada um desses generais que foram cirurgicamente assassinados pelo governo de Israel viram mártires. Eles têm outro tipo de atitude com relação à morte. Então, todos se engajariam com um tipo de determinação que nós não conhecemos, de modo que seria um problema muito grande para administrar no dia após um eventual conflito.

Se o plano de Trump é se mostrar um pacifista e fazer a paz, eu acho que ele poderia ter uma postura muito mais moderada e conseguir concessões do Irã na área nuclear, que é o mais importante, e talvez com resultados muito mais possíveis do que os que agora existem.

O senhor ainda acredita em uma via diplomática para a desescalada desse conflito?

O resultado das conversas com os europeus (na sexta-feira, 20) não foi muito conducente a alguma solução, porque as exigências que são feitas ao Irã são praticamente inaceitáveis, de renunciar completamente ao enriquecimento de urânio. Isso é muito mais do que qualquer outro país que esteja sujeito às regras da Agência Internacional de Energia Atômica está sujeito. Então, (o caminho seria) voltar ao acordo de 2015, que estava funcionando, controlando o enriquecimento de urânio pelo Irã. Esse problema agora do enriquecimento a mais do que seria desejável só ocorre porque, desde a saída do Trump do acordo, o Irã se sentiu mais à vontade para enriquecer além do que seria permitido dentro do acordo.

O problema é que Israel não confia que o Irã esteja cumprindo o acordo e acha que haverá sempre alguma forma sigilosa, escondida, de desenvolver algum tipo de armamento nuclear. É o pretexto que Israel usa para convencer os Estados Unidos a se envolverem mais efetivamente nessa guerra.

O senhor está cético com o atual cenário?

Com o presidente Trump ameaçando invadir e conquistar, se assenhorar de outros territórios, até do Canadá, de incorporar a Groenlândia; de completo desrespeito ao direito internacional, inclusive de assassinar líderes, como o líder supremo do Irã; com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, invadindo a Ucrânia, e tendo Israel fazendo justiça pelas próprias mãos, eu acho que as próprias bases do direito internacional se estão corroendo. Nesse cenário, é praticamente impossível fazer qualquer tipo de previsão.

Não tendo as Nações Unidas funcionando, não tendo controles internacionais para balizar a conduta dos governantes, é impossível fazer previsões. De modo que eu, às vezes, fico pessimista pelo que vai acontecer. Porque nesse clima de selva da lei dos mais fortes, todos os países hoje estão vendo que se não tiverem armamento, se não tiverem arma nuclear, ou então, se a inteligência possível não produzir armamentos tão letais quanto as armas nucleares, o mundo será de caos e os cenários pessimistas prevalecem.

Por outro lado, eu como diplomata não posso deixar de ser otimista. Só é preciso estabelecer algo que satisfaça a Israel em termos de segurança e satisfaça o Irã em termos de poder desenvolver energia nuclear para vias pacíficas. Inclusive, porque existe uma ordem do líder religioso que o Irã não pode ter armas nucleares.

Enfim, que nós possamos voltar ao convívio internacional com base em normas que sejam respeitadas por todos, não só pelos mais fracos, mas pelos países mais poderosos e por eles principalmente.

Vladimir Putin disse que estamos próximos da 3ª guerra mundial.

Eu acho que os atores que entrariam numa possível guerra mundial estão meio ocupados com outras coisas. A Rússia está ocupada lá com a Ucrânia, a China está preocupada também em manter o esquema de paz que favorece os seus negócios, e a China cada vez se desenvolve mais graças a isso. Há tantos interesses em jogo que isso acaba sendo uma contenção.

Mas acho que nós estamos vivendo num mundo muito perigoso. Outro dia eu estava vendo uma entrevista do embaixador Celso Amorim (assessor-chefe da presidência da República) dizendo que talvez nós nunca estivéssemos num período de tamanho perigo de alguma coisa acontecer, porque há muitas variáveis.

Pode parecer uma comparação meio forçada, mas hoje você tem um mundo que funciona com algoritmos, mídia, as pessoas só ouvindo o seu grupo, essas bolhas de informação. E os algoritmos e os radicais parecem que se alimentam mutuamente. A paz, o zen, a tranquilidade, a falta de atrito, não interessam aos radicais, não interessam a essas mídias. Tudo parece favorecer o conflito, a agitação, a guerra.

De modo que, nesse mundo desses imponderáveis, é difícil dizer o que vai acontecer.

Qual deve ser o papel do Brasil neste momento?

O papel do Brasil é costurar esses tipos de entendimentos. Nós tínhamos sempre a tradição de criador de consenso, de estar tentando aproximar as partes. Veja bem, o Brasil sedia a reunião do G20, o Brasil preside a reunião de agora dos BRICS, o Brasil sedia a COP30. Nós estamos atuando em vários tabuleiros, e a nossa meta que tem sido seguida é criar vínculos, ligações, pontes de entendimento e fazer com que se possa chegar a situações que sejam aceitáveis por todas as partes.

Por exemplo, o nosso grupo do BRICS agora está enorme, com países com interesses conflitantes, e o Brasil procura um pouco aproveitar o que há de comum e deixar um pouco as coisas mais problemáticas para, quando um ambiente mais favorável entre os atores permitir, esses assuntos serem tratados.

É isso que a nossa diplomacia está fazendo, e eu acho que assim deve continuar a fazer, sem se envolver diretamente, sem se aliar diretamente a nenhum dos lados, porque a nós não interessa a radicalização. A nós interessa que o mundo esteja em paz, inclusive para que possamos projetar a nossa cultura, o nosso comércio e, enfim, a nossa forma brasileira de ser, que é um cartão de visitas. Graças a ela, nós somos aceitos em todos os grupos e podemos participar e ter uma participação construtiva em todos eles.

 

 

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