1 de julho de 2025
Politica

Grupo ‘Amigos’ de juízes sob suspeita de venda de sentenças apagou 7 mil conversas de ‘zap’, diz PF

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A Polícia Federal suspeita que juízes e advogados de Mato Grosso do Sul criaram um grupo denominado ‘Amigos’ para tramarem venda de sentenças no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado. Os investigadores verificaram que usuários da comunidade restrita de bacharéis – criada em 2015 – deletaram 6.986 mensagens, provavelmente para eliminar provas de conluio e fraudes.

O controlador do grupo ‘Amigos’ teria sido o advogado Fábio Castro Leandro, ex-procurador-geral da prefeitura de Campo Grande e filho do desembargador Paschoal Carmello Leandro – integrante da 1.ª Seção Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, o desembargador presidiu a Corte no biênio 2019/2020.

Ao Estadão, Fábio Leandro rechaçou taxativamente a linha de investigação da PF. “O grupo não foi criado por mim. As ilações feitas nessa operação são simplesmente absurdas. Trata-se de um grupo de WhatsApp com cerca de 30 pessoas, entre advogados, empresários, juízes e pessoas que sequer conheço pessoalmente. O grupo simplesmente tem finalidades aleatórias e amenas” (LEIA ABAIXO A ÍNTEGRA DE SUA MANIFESTAÇÃO).

'Indícios de recebimento de vantagem indevida para prolação de decisões', aponta Corregedoria
‘Indícios de recebimento de vantagem indevida para prolação de decisões’, aponta Corregedoria

Além de Fábio Leandro, segundo a Operação Ultima Ratio, fizeram parte do grupo ‘Amigos’ o juiz Paulo Afonso de Oliveira – afastado das funções na 2.ª Vara Cível de Campo Grande -, o ex-juiz Aldo Ferreira da Silva Júnior, sua mulher, a advogada Emmanuelle Alves Ferreira da Silva, e o desembargador Júlio Roberto Siqueira Cardoso – aposentado, em cuja residência a PF apreendeu quase R$ 3 milhões em dinheiro vivo.

Outros juízes e advogados são citados.

No último dia 10, por unanimidade, o Conselho Nacional de Justiça abriu um processo administrativo disciplinar contra o juiz Paulo Afonso, apontado como um dos artífices do esquema que se teria instalado na Justiça de MS e um dos principais usuários do ‘Amigos’.

Contra Paulo Afonso pesam ‘fortíssimos indícios de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro’. Alvo da Operação Ultima Ratio, ao lado de cinco desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul e de um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, Paulo Afonso está afastado das funções desde outubro do ano passado.

Foram trocadas 6.986 mensagens no grupo de WhatsApp, 'todas deletadas', afirma relatório
Foram trocadas 6.986 mensagens no grupo de WhatsApp, ‘todas deletadas’, afirma relatório

A Corregedoria Nacional de Justiça indica que o magistrado ostenta um patrimônio alentado e incompatível com seus rendimentos, incluindo uma fazenda de mil hectares no Estado, avaliada em pelo menos R$ 30 milhões, e um avião, cujo preço pode alcançar R$ 1,2 milhão. A PF rastreia ainda uma proposta de Paulo Afonso para aquisição de uma outra fazenda por R$ 18 milhões, ‘em manifesta dissonância com o patrimônio licitamente auferido’.

Paulo Afonso nega ligação com atos de corrupção. Ele alegou ao CNJ ausência de ‘qualquer indicativo de sua efetiva adesão ao esquema supostamente delitivo’. (LEIA ABAIXO OS ARGUMENTOS DE SUA DEFESA À CORREGEDORIA)

O advogado Fábio Leandro é ligado também a Rodrigo Pimentel, filho do desembargador Sideni Soncini Pimentel – um dos cinco desembargadores do TJ-MS sob suspeita de envolvimento com venda de sentenças. O advogado teria feito repasses a Rodrigo depois que levantou valores de depósitos judiciais.

DESCOBERTA FORTUITA

‘Amigos’ foi descoberto casualmente pela PF em meio a uma outra operação, denominada ‘Lama Asfáltica’ – aberta em 2015 para investigar desvios, fraudes em licitações e superfaturamento em contratos de obras de pavimentação de rodovias do governo estadual, na época.

Defesa afirma que juiz Paulo Afonso de Oliveira não integrava grupo de conversas, registra o relatório
Defesa afirma que juiz Paulo Afonso de Oliveira não integrava grupo de conversas, registra o relatório

Na sexta fase da operação, batizada ‘Computadores de Lama’, desencadeada em novembro de 2018, os agentes federais recolheram computadores de suspeitos que atuavam na prestação de serviços de informática e produção gráfica.

Em meio a todo o material confiscado, os investigadores encontraram em um computador o grupo ‘Amigos’. Para a PF, foi uma ‘descoberta fortuita’.

A PF descobriu remessas clandestinas de valores para o exterior que teriam sido executadas por empresários que venciam licitações direcionadas, aquisições fictícias de produtos e uso de ‘laranjas’ para ocultação patrimonial.

O ciclo completo de fraudes levou a um prejuízo estimado em R$ 430 milhões ao Tesouro estadual, segundo estimativas que abarcam a seis etapas da ‘Lama Asfáltica’.

No capítulo 6 da operação, a PF apreendeu um notebook do advogado Fábio Leandro.

Ao submeter o aparelho celular de Fábio Leandro à perícia, a Polícia constatou. “Os investigados costumavam criar e esvaziar grupos de mensagens sucessivamente, havendo o registro de um grupo denominado ‘Amigos’, criado por Fábio Castro Leandro.”

‘Amigos’ foi instalado em 12 de julho de 2015. Segundo a PF, o advogado era o ‘owner’, ou seja, proprietário. “Foram trocadas 6.986 mensagens, todas deletadas.”

Investigados integravam mesmo grupo de WhatsApp, segundo relatório da Corregedoria
Investigados integravam mesmo grupo de WhatsApp, segundo relatório da Corregedoria

O registro de mensagens evidenciou que o advogado era ‘convocado com frequência’ para os gabinetes dos magistrados Aldo Ferreira e Paulo Afonso, ‘os quais, estranhamente, mantiveram conta conjunta entre 2003 e 2006’.

Com o esvaziamento do grupo, nele permaneceram apenas três integrantes, segundo a Operação Ultima Ratio: Fábio Leandro, Aldo Ferreira e um contato registrado com o número de prefixo 66.

1.489 SAQUES

Com a desativação do primeiro grupo de mensagens, foi constituído um novo pelo advogado Fábio Leandro, novamente apontado pela plataforma como ‘owner’, com o mesmo nome ‘Amigos’, com a mesma imagem de perfil, e com 37 participantes – dos quais constavam expressamente, ao tempo da quebra telemática, Fábio Leandro e Paulo Afonso.

Para a PF é provável que ‘tais grupos de mensagens estruturados pelo advogado Fábio Leandro fossem o meio utilizado para a troca de informações, tendo havido sua nova constituição apenas para excluir o grupo anterior, que contava com a presença de Aldo Ferreira, notadamente, após o desenrolar da ação penal que alcançou sua pessoa e sua esposa Emmanuelle”.

“Ambos os magistrados (Paulo Afonso e Aldo Ferreira) figuraram em um grupo de mensagens denominado ‘Amigos’ a indicar efetiva proximidade entre eles. Provável proximidade entre o reclamado (Paulo Afonso) e advogado filho de desembargador (Fábio Leandro), a indicar possível atuação com desvio de função intermediada pelo causídico”, diz a PF.

Investigação cita grupo 'Amigos' no WhatsApp de juízes sob suspeita
Investigação cita grupo ‘Amigos’ no WhatsApp de juízes sob suspeita

A quebra do sigilo bancário de Fábio revelou que no intervalo de três anos, entre 2016 e 2019, ele fez 1489 saques, apenas três em valor superior a R$ 50 mil. A PF suspeita que o intenso fluxo financeiro teria ligação com propinas por venda de decisões judiciais. Para os investigadores, a sucessão de saques em espécie prejudica a eventual identificação da origem e destino do dinheiro.

Da leitura de mensagens trocadas via WhatsApp no ‘Amigos’, os federais chegaram a ligações próximas de magistrados com advogados e descobriram combinações entre os integrantes do grupo.

Por essa via, a PF descortinou um caso emblemático, o desvio de R$ 5 milhões de um engenheiro aposentado do Rio de Janeiro que vendeu uma fazenda em Mato Grosso do Sul e acabou vítima de um ‘estelionato judicial’.

Apontado como o ‘líder’ do grupo, o ex-juiz Aldo, sob suspeita de corrupção, acabou aposentado compulsoriamente – a mais ‘severa’ medida prevista na Lei Orgânica da Magistratura, que afasta o magistrado de vez da carreira, mas com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço.

A PF supõe que o esquema teria sido ‘capitaneado’ por Aldo Ferreira.

Vasculhando as mensagens via WhatsApp, a Operação Ultima Ratio indica que o advogado Fábio Leandro ‘concorreu de alguma maneira’ para um pagamento indevido no valor de R$ 5 milhões em favor da advogada Emmanuelle Alves, mulher do ex-juiz Aldo Ferreira.

Esse valor estaria ligado ao ‘estelionato judicial’ aplicado contra o engenheiro aposentado do Rio.

No computador de Fábio Leandro, os investigadores resgataram um e-mail de Emmanuelle, datado de 22 de junho de 2018, identificado pelo assunto ‘documentos alvará, honorários’, com a mensagem ‘petição inicial, procuração, decisão para liberação e alvará’.

Segundo os investigadores, Emmanuelle mantinha contato com Fábio Leandro, ‘para o qual foram direcionados recursos subtraídos da vítima do estelionato judicial’.

Corregedoria destaca 'processos
de duvidosa juridicidade'
Corregedoria destaca ‘processos
de duvidosa juridicidade’

Nos autos de reclamação disciplinar da qual é alvo no CNJ, o juiz Paulo Afonso foi questionado sobre mensagens no ‘Amigos’ que indicaram contato direto dele com o escritório de advocacia de Fábio Leandro. Ele alegou que ‘estava apenas retornando contatos do advogado, sem que houvesse qualquer relacionamento interpessoal que pudesse infirmar sua atuação como magistrado nos processos conduzidos pelo causídico’.

A PF descobriu também que Paulo Afonso mantinha conta bancária conjunta com o colega Aldo Ferreira. “Segundo elementos de convicção reunidos fortuitamente, o juiz Paulo Afonso teria proferido decisões judiciais com desvio de função, em favor da advogada (Emmanuele) que, por sua vez, era esposa de outro magistrado (Aldo Ferreira) da mesma Corte estadual, com o qual o reclamado (Paulo Afonso) manteve conta conjunta em momento pretérito”, diz a investigação.

A PF fez a análise das conversas obtidas por meio da quebra de sigilo telemático dos investigados. E descobriu os detalhes de ‘decisões que resultaram na subtração de mais de cinco milhões de reais de um engenheiro aposentado baseado no Estado do Rio de Janeiro’.

Segundo a investigação, as conversas recuperadas ‘indicaram a provável proximidade do magistrado com o grupo investigado’.

Ao votar pela abertura de processo administrativo disciplinar, o corregedor-geral de Justiça, ministro Mauro Campbell, foi taxativo com relação à conduta do juiz Paulo Afonso. “Tais elementos, quando somados com a constatação da existência de patrimônio manifestamente sub declarado ao Fisco, em aparente dissonância com os rendimentos licitamente auferidos consubstanciam, aos olhos desta Corregedoria Nacional, a chamada justa causa para a instauração de Processo Administrativo Disciplinar.”

Em relatório da Operação Ultima Ratio, a PF põe sob suspeita também o desembargador Júlio Roberto Siqueira Cardoso no caso do ‘estelionato judicial’.

“Constam dos autos que após o cumprimento da 6ª fase da assim denominada ‘Operação Lama Asfáltica’, com a realização de medidas cautelares de busca e apreensão e medidas cautelares pessoais foram encontrados, fortuitamente, elementos de convicção que apontaram para o possível envolvimento do desembargador Júlio Roberto Siqueira Cardoso, integrante da 4ª Seção Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, e do juiz estadual Paulo Afonso de Oliveira, titular da 2ª Vara Cível da Comarca de Campo Grande, em atos supostamente qualificados como corrupção passiva.”

A PF diz que o desembargador, agora aposentado, e Paulo Afonso possivelmente receberam ‘vantagem indevida para proferir decisões judiciais que resultaram no pagamento fraudulento de mais de cinco milhões de reais à advogada Emmanuelle Alves Ferreira da Silva’.

O corregedor Mauro Campbell observou que ‘inicialmente, tais elementos foram identificados após análise de dispositivos eletrônicos de propriedade do advogado Fábio Leandro, de sorte que, em face de tais informações, o delegado federal que presidia as investigações houve por bem encaminhar notícia de fato para a Procuradoria-Geral da República que, por sua vez, requereu perante o Superior Tribunal de Justiça a instauração de inquérito policial’.

Segundo o Ministério Público Federal, Fábio Leandro ‘possui bom trânsito na Corte Estadual, havendo a suspeita, por parte da autoridade policial, de que o advogado concorreu de alguma maneira para o pagamento indevido realizado em favor da advogada Emmanuelle’.

A Operação Ultima Ratio constatou que o marido de Emmanuelle, o ex-juiz Aldo Ferreira, atuou como juiz auxiliar do desembargador Paschoal Carmello Leandro – pai do advogado Fábio. Na ocasião, em 2014, o desembargador exercia a magistratura no Departamento de Precatórios.

“Ambos os magistrados responderam perante o CNJ por possíveis desvios de conduta durante a gestão dos precatórios no Estado de Mato Grosso do Sul”, assinalou o Ministério Público. Aldo foi aposentado compulsoriamente.

A investigação mapeou uma série de procedimentos – ação de execução de título extrajudicial, embargos à execução e agravo interno -, ‘cujas decisões resultaram no pagamento indevido de mais de cinco milhões de reais à advogada Emmanuelle Alves’.

Consta dos autos que, em razão de uma suposta confissão de dívida em favor de João Nascimento dos Santos, cliente de Emmanuelle, foi ajuizada a execução de título extrajudicial para a cobrança do valor não atualizado de R$ 6.987.891,00, em desfavor de Salvador José Monteiro de Barros, idoso aposentado, engenheiro, residente no Estado do Rio.

Surpreendido com o bloqueio de R$ 5.317.003,95 em suas contas, que ‘representavam as economias de toda a sua vida’, o engenheiro foi à Justiça e requereu, liminarmente, que fosse obstada a transferência da quantia, ‘pugnando ainda por remessa de cópia dos autos ao Ministério Público Estadual, em razão dos indícios de ilicitude na demanda judicial’.

Na impugnação apresentada pelo aposentado ‘é salientado a todo momento que a demanda foi ajuizada por estelionatários e que a assinatura lançada na documentação é grosseiramente falsificada’.

No dia 19 de junho de 2018, mesmo estando ciente da investigação por estelionato e das sucessivas notícias de possível fraude na documentação que embasou a ação de execução, ‘violando os deveres de prudência e cautela, o juiz Paulo Afonso autorizou o levantamento imediato dos valores depositados em favor de João Nascimento dos Santos, por meio de conta bancária de titularidade da sociedade individual de advocacia de Emmanuelle Alves’.

Expedida guia de levantamento no montante de R$ 5.507.310,23, a quantia foi integralmente transferida para a conta bancária da advogada.

A vítima do ‘estelionato judicial’ comunicou a prisão do estelionatário que, supostamente, teria se passado por João Nascimento. Ele afirmou que ‘a fraude teria sido integralmente orquestrada pela advogada Emmanuelle, esposa de Aldo Ferreira, à época integrante do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul’.

Intimada da decisão, antes de promover a restituição, a advogada disse que teria transferido o valor de R$ 1.519.882,49 para a conta de seu cliente, João Nascimento, e a quantia de R$ 80 mil para a conta de Diego Bittencourt Pécora, ‘a pedido de seu cliente’.

Por essa razão, manifestando a intenção de não restituir a integralidade da quantia, a advogada requereu a devolução do montante de R$ 3.907.427,76 – dos quais 2 milhões seriam imediatamente restituídos e o ‘restante seria devolvido ao lesado em até dez parcelas’.

Segundo os autos da reclamação disciplinar contra o juiz Paulo Afonso no CNJ, ‘em face de tal manifestação, reveladora de seu escopo de devolver parceladamente aquilo que recebeu de maneira indevida, foi determinado o arresto eletrônico em suas contas bancárias, no valor limite de R$ 3.507.210,25, o qual foi infrutífero’.

Em 30 de julho de 2018, a prisão preventiva de Emmanuelle foi decretada pela 3ª Vara Criminal de Campo Grande, nos autos do inquérito policial 104/2018. A advogada foi presa sob acusação de estelionato e formação de associação criminosa.

Dias depois, em 9 de agosto, após Paulo Afonso despachar nos autos de execução ordenando a devolução dos recursos subtraídos ele enviou mensagem ao escritório de Fábio Leandro, ‘manifestando preocupação e urgência em saber se o advogado iria pessoalmente ao seu gabinete’.

“No feito em discussão, foi constatado que o advogado Fábio Leandro possuía bom trânsito na Corte, possivelmente, por ser filho do desembargador Paschoal Carmello Leandro, integrante da 1.ª Seção Criminal daquela Corte, que presidiu o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul no biênio 2019/2020, havendo a suspeita, por parte da autoridade policial, de que Fábio concorreu de alguma maneira para o pagamento indevido realizado em favor da advogada Emmanuelle Alves Ferreira da Silva, com a indispensável atuação de Paulo Afonso de Oliveira e do desembargador Júlio Roberto Siqueira Cardoso”, saliente o ministro Mauro Campbell.

Um acordo foi firmado entre Emmanuelle e Salvador para extinguir o processo cível, com a devolução parcelada da integralidade dos valores subtraídos. Com a prisão de José Geraldo Tadeu de Oliveira, que se passara por João Nascimento dos Santos – suposto exequente da ação que resultou na subtração dos valores das contas de Salvador – e com a prisão de seu falso ‘procurador’, Delcinei de Souza Custódio, ‘novos elementos de convicção foram reunidos’.

Ao depor na Polícia, Delcinei afirmou expressamente que a tarefa de procurador no contexto da ação fraudulenta teria sido atribuída a ele a pedido do juiz Aldo Ferreira, ‘o qual conheceu por acaso, pelo fato de o magistrado frequentar o Haras Barcelona, na cidade de Campo Grande’. Delcinei trabalhava no haras.

A Polícia diz que o advogado Fábio Leandro foi o ‘elo’ com o juiz Paulo Afonso e o desembargador Júlio Roberto Siqueira Cardoso ‘na prolação de decisões que favoreceram a apropriação pela advogada Emmanuelle Alves dos recursos ilicitamente extraídos da vítima Salvador Monteiro de Barros’.

Segundo a Corregedoria Nacional de Justiça foi constatado que a movimentação bancária do juiz Paulo Afonso ‘apresentava fortíssimos indícios de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro’.

“Foram identificados diversos comprovantes de depósitos em espécie supostamente realizados por Paulo Afonso em favor de terceiros, sem que tivesse havido o respectivo saque da quantia depositada, para fazer frente a tais pagamentos”, acentua a Corregedoria.

A quebra do sigilo bancário e fiscal de Paulo Afonso demonstra, ainda, saques em espécie em data próxima à prolação da decisão importante nos autos da execução extrajudicial, que totalizaram R$ 580 mil.

“Também foi registrado, de maneira atípica, o pedido de provisionamento para saque da quantia de R$ 100 mil, feito em 2 de abril de 2018, mesmo dia em que o investigado (o juiz) rejeitou os embargos à execução opostos por Salvador José Monteiro de Barros, vítima do estelionato praticado pela advogada Emanuelle Alves Ferreira”, sustenta a Corregedoria.

Sobre Emmanuelle, a PF verificou que ao receber a quantia superior a R$ 5 milhões em meio ao ‘estelionato judicial’ do qual foi vítima o engenheiro aposentado do Rio, ela repassou a quantia total da conta do seu escritório de advocacia para sua conta pessoal, ‘pulverizando tais valores em diversas outras contas’.

Uma parte, R$ 275 mil, foi destinada a uma empresa de consultoria e projetos que tem como um dos sócios Rodrigo Gonçalves Pimentel, filho do desembargador e também integrante da 4.ª Seção Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, Sideni Soncini Pimentel.

Emmanuelle também repassou R$ 105 mil para o advogado Fábio Leandro. A quebra de sigilo revelou que Emmanuelle transferiu R$ 550 mil para a conta de seu marido, o ex-juiz Aldo Ferreira. Outros R$ 505 mil a advogada repassou a uma agropecuária que seria de propriedade do próprio marido.

“O ex-juiz estadual foi agraciado com mais de R$ 1,1 milhão do valor ilicitamente subtraído por sua esposa, podendo ter partido daí, o direcionamento em espécie de valores para outros beneficiários”, destaca a PF.

“Todos estes elementos reforçaram a percepção desta Corregedoria Nacional de Justiça, de que Paulo Afonso de Oliveira, muito possivelmente, recebeu vantagem indevida para proferir decisões judiciais, manifestando patrimônio incompatível com seus rendimentos formais, a justificar a instauração de Processo Administrativo Disciplinar em seu desfavor”, anotou o ministro Mauro Campbell.

COM A PALAVRA, O JUIZ PAULO AFONSO DE OLIVEIRA

Ao Conselho Nacional de Justiça, o juiz Paulo Afonso de Oliveira, afastado da titularidade da 2.ª Vara Cível de Campo Grande sob suspeita de corrupção, negou ligação com venda de sentenças, enriquecimento ilícito e sonegação fiscal.

Sobre a alegação de ‘íntimo e rotineiro’ contato com o ex-juiz Aldo Ferreira e o advogado Fábio Leandro, a defesa do juiz esclareceu que teria havido um equívoco na análise da quebra de sigilo. Em suas palavras, havia dois grupos de mensagens com o nome ‘Amigos’. O primeiro grupo, já desativado e esvaziado, com apenas três integrantes remanescentes, era composto pelo advogado Fábio Leandro, pelo ex-juiz Aldo Ferreira da Silva e por um ‘contato desconhecido’ de número com prefixo 66.

Segundo a defesa, ‘não há provas de que Paulo Afonso de Oliveira integrava aludido grupo’ – para o qual foram enviadas 6.986 mensagens, todas elas apagadas, segundo a Operação Ultima Ratio. Paulo Afonso informou à Corregedoria Nacional de Justiça que integrava um segundo grupo criado por Fábio Leandro e outras 35 pessoas, também denominado ‘Amigos’, em que ‘constaram apenas 24 mensagens, nenhuma delas apagada’. O ex-juiz Aldo, segundo a defesa, não fazia parte desse núcleo.

“Não há registro de troca de mensagens entre Paulo Afonso e o advogado Fábio”, afirma a defesa.

Ao abordar as menções ao nome de Paulo Afonso – durante a interceptação da Operação Ultima Ratio -, pelo escritório de Fábio Leandro, a defesa salientou. “Colhem-se apenas duas ocasiões em que o magistrado Paulo Afonso, provavelmente retornando contato do advogado, que buscava despachar algum processo, entrou em contato com o escritório do advogado.”

A defesa do juiz destaca. “Diz-se ‘provavelmente’ porque o peticionário (Paulo Afonso) não se lembra de referidos contatos, porém, era uma prática corriqueira na Vara ocupada por Paulo Afonso retornar a advogados que buscassem o magistrado para despachar processos enquanto ele estava em audiência ou momentaneamente ausente do gabinete.”

Ainda segundo a defesa, ‘foram aglutinadas numa só informações diversas e, como visto, totalmente distorcidas, nada havendo nos autos que justifique a afirmação de que Paulo Afonso, Aldo Ferreira e Fábio Castro mantivessem contato entre si a partir de grupo de WhatsApp e posteriormente apagassem suas mensagens’.

Paulo Afonso afirma que despachou em apenas cinco processos patrocinados pelo advogado filho do ex-presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, ‘todos com valor da causa de pequena monta’.

Em relação aos advogados Rodrigo Gonçalves Pimentel – filho do desembargador Sideni Soncini Pimentel – e Divoncir Schreiner Maran Júnior – filho do desembargador de mesmo nome -, a defesa de Paulo Afonso afirma que ‘a maioria dos feitos foi julgada improcedente, não havendo qualquer indício de favorecimento’. (A vice-presidência do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul apresentou à Corregedoria a relação de processos julgados por Paulo Afonso, envolvendo os advogados Fábio Castro Leandro, Rodrigo Gonçalves Pimentel e Divoncir Schreiner Maran Júnior).

Paulo Afonso pediu o arquivamento da reclamação disciplinar ‘por ausência de justa causa, na medida em que sua atuação se pautou na análise objetiva dos autos, estando ausente, em seu entender, qualquer indicativo de sua efetiva adesão ao esquema supostamente delitivo, capitaneado pelo então magistrado Aldo Ferreira, sua esposa Emmanuelle Ferreira, e o desembargador Júlio Roberto Siqueira Cardoso’.

Com relação ao advogado Fábio Castro Leandro – filho do desembargador Paschoal Carmello Leandro -, com o qual Emmanuelle mantinha contato, e para o qual foram direcionados recursos subtraídos da vítima do estelionato judicial, o juiz Paulo Afonso salientou que ‘manteve relacionamento puramente profissional com o causídico’.

A defesa insiste na versão de que, com relação às mensagens de WhatsApp que indicavam o contato direto de Paulo Afonso com o escritório de advocacia de Fábio Leandro, o juiz ‘estava apenas retornando contatos do advogado, sem que houvesse qualquer relacionamento interpessoal que pudesse infirmar sua atuação como magistrado nos processos conduzidos pelo causídico’.

COM A PALAVRA, O ADVOGADO FÁBIO CASTRO LEANDRO

À reportagem do Estadão, o advogado Fábio Castro Leandro negou enfaticamente qualquer ligação com grupo de WhatsApp para ajustar venda de sentenças ou qualquer tipo de favorecimento. Leia a íntegra da nota que ele enviou ao Estadão.

“As ilações feitas nessa operação são simplesmente absurdas. O tal do grupo, denominados AMIGOS, se trata de um grupo de WhatsApp onde se tem cerca de 30 pessoais, entre eles advogados, empresários, juízes, pessoas que sequer conheço pessoalmente e que por um infortúnio fazíamos parte eu e o juiz Paulo Afonso. O mencionado grupo não foi criado por mim e simplesmente tem finalidades aleatórias e amenas.

Quanto aos saques, algumas informações são importantes:

  1. Os saques apontados não teriam sido em breve período, e sim durante anos.
  2. Os saques eram feitos não na minha pessoa física e sim na pessoa jurídica.

Os saques foram realizados por vários anos em um tempo que não existia Pix. Nessa época realizávamos praticamente todos os pagamentos do meu escritório, como pessoal, compras, contas mensais, diligências, viagens… Evidentemente, após o Pix praticamente desapareceu.

O próprio relatório aponta que não existiu saques significativos, o que indica que eram de pequeno valor.

Importante informar que não existe no inquérito absolutamente nenhuma demonstração de que eu tenha entrado em contato seja pessoalmente ou por WhatsApp com o mencionado juiz para que fizesse qualquer negociação. Também não existe e nunca existiu qualquer ligação ou relação minha com qualquer questão patrimonial do magistrado. Em um levantamento junto ao sistema do TJ (inclusive informado ao CNJ), em 5 anos, meu escritório somente representou 5 (CINCO) processos na competência do magistrado e ainda todos esses cinco, de valores irrelevantes, ou seja, causas que não discutiam valores significativos.

Evidentemente, conheço diversos juízes em decorrência da minha atividade como advogado e como advogado tenho o direito e dever de levar as demandas daqueles que eu represento aos julgadores, sempre de forma ética e lícita.”

Fabio Leandro

COM A PALAVRA, OS OUTROS CITADOS

O Estadão busca contato com as defesas da advogada Emmanuelle Ferreira, de seu marido, o ex-juiz Aldo Ferreira, e do desembargador Júlio Roberto Siqueira Cardoso. O espaço está aberto para manifestações. (fausto.macedo@estadao.com; rayssa.motta@estadao.com)

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