30 de junho de 2025
Politica

O confronto moderno entre liberdade e corrupção

No meu último artigo para essa coluna, publicado em fevereiro, dediquei todas as linhas para enaltecer o legado da liberdade como uma herança civilizacional da modernidade. No intuito de absorver esse tema junto a proposta fundamental de refletir acerca da corrupção, em seus mais variados estilos e culturas, proponho com esse novo texto demonstrar como a ideia de liberdade moderna se fundamentou como uma luta contra os abusos do poder e suas formas corruptas de impor tais prerrogativas.

Na obra “A Ética da Liberdade” (Ed. Instituto Ludwig von Mises Brasil), o economista norte-americano Murray N. Rothbard afirma que “ao longo de toda a história, grupos de homens que se autodenominaram “o governo” ou “o estado” tentaram – geralmente com sucesso – obter um monopólio compulsório do alto comando da economia e da sociedade” (p. 231-232, 2010). Do monopólio da violência à presença de uma religião oficial, o Estado sempre criou maneiras de coagir seus habitantes em troca de um suposto sentido de ordem e segurança.

O problema é que em quase todos os momentos a construção de um aparato estatal muitas vezes estendeu-se para um poder concentrador de riquezas, punições e cerceamento das liberdades. E foi na gênese do tempo moderno em que o Estado mais concentrou poder e se utilizou disso para corromper sua sociedade em diversas instâncias.

Ao prefaciar o livro “A corrupção na História do Brasil”, brilhantemente organizado pelos professores Roberto Livianu e Rita Biason (Ed. INAC; Mackenzie), o filósofo Roberto Romano afirma que o poder absoluto do Estado moderno foi marcado por suas relações de favor, compadrio, escolha por cargos, concentração de ordens. Em sua visão, trata-se de um de um dos tempos mais sombrios daquilo tudo que venha a ser a res publica.

Não foi por acaso, portanto, que tantos autores ganharam evidência ao combaterem os mandos e desmandos do absolutismo. Diversos mecanismos de restrições ao poder foram sendo pensados ao longo dos séculos XVII, XVIII e XIX. O caldo cultural efervescente na Inglaterra pós-Carlos I fez surgir um novo mundo do outro lado do Atlântico, quando protestantes radicais ousaram em pensar uma sociedade sem um poder absoluto. Os próprios ingleses estabeleceram limites aos futuros reis, sendo que essas duas sociedades ficariam marcadas por criar diversos espaços para o pensamento livre, seja nas universidades, seja na imprensa.

Mais tarde, fruto de ideias plantadas por homens como Rousseau, Voltaire e Hume, a Revolução Francesa surgiu como a maior redentora da liberdade contra a corrupção do Estado. Todavia, Romano nos alerta que recentes pesquisas demonstraram que os maiores combatentes da corrupção, os jacobinos, na mesma proporção que diziam lutar contra o autoritarismo, “molhavam as mãos em proveito pessoal nos bens do Estado francês, em casos de ladroagem explícita” (p. 12).

Miximilien de Robespierre liderou um importante processo na luta contra a corrupção em seu país. Eleito deputado pelo Terceiro Estado, em 1789, Robespierre logo ganhou grande espaço na política revolucionária francesa, sendo responsável por organizar diversas sentenças contra membros do Antigo Regime. O sentimento de esperança alastrou-se por toda a França. Porém, uma visão de liberdade acabaria sendo eclipsada por uma desilusão com a verdade. Após sentenciar e executar diversos oponentes, Robespierre juntou-se aos seus inimigos no panteão da guilhotina. Alçado ao posto de incorruptível, o revolucionário francês acreditou ser possível endeusar sua liderança secular.

Posteriormente, nos últimos dois séculos, a partir do fim do absolutismo e o espraiamento do poder do Estado em novas instâncias culturais, sociais e político-institucionais, ampliava-se a ideia de que liberdade deveria ser cultivada em diferentes novos domínios da vida. Desse modo, uma nova relação dialética surgia na trama da modernidade: liberdade e segurança passaram a compor uma complexa gramática social, responsável por criar a ideia de liberdade feminina e totalitarismo em um mesmo século.

Subjaz desse processo, uma luta entre cão e gato, onde ambos sempre estão correndo atrás de seus próprios rabos, pois a velocidade com a qual cada objeto se desenvolveu em uma velocidade tão acelerada produziu uma espécie de ornitorrinco felino-canino. Quanto mais liberdade criamos, mais instrumentalizamos a concentração do poder estatal e mais sofisticada a corrupção se retroalimenta nessa quadratura dialética. Romper com isso requer uma nova concepção de liberdade, capaz de não criar novos instrumentos de coerção estatais, presentes em todos os espectros políticos da sociedade.

Embora as teorias liberais buscassem enaltecer o papel do indivíduo na História, como forma de combater a corrupção venal e arterial de todo o tecido social, é fundamental que uma nova ideia de liberdade seja pensada de forma coletiva. O fortalecimento do indivíduo não provocou o fim do absolutismo, apenas o republicanizou e o democratizou, além de tê-lo secularizado.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

 

 

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