Toffoli recorreu a ‘Código do Marechal’ para defender Moraes dos ataques de comandantes militares
Em agosto de 2022, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli e o então procurador-geral da República, Augusto Aras, foram convidados para uma reunião reservada com os comandantes militares na casa do chefe da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Júnior, em Brasília. Havia no ambiente a preocupação de que as tropas fugissem do controle se Jair Bolsonaro perdesse as eleições.
Mais do que isso, um sentimento parecia prevalecer na cúpula militar às vésperas do 7 de Setembro: a irritação com o ministro Alexandre de Moraes, que acabara de assumir a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O general Freire Gomes, à época comandante do Exército e hoje testemunha da Procuradoria-Geral da República na ação da trama golpista, estava exasperado. Dizia que Moraes usurpara suas atribuições ao chamar os 27 comandantes das polícias militares para discutir a segurança das eleições sem nem mesmo consultá-lo. Queria providências. Além disso, afirmava que o inquérito das fake news, conduzido pelo magistrado, deveria ser encerrado e arquivado o mais rápido possível.
O convite para os coronéis, todos chefes da PM, era mesmo incomum. Desde 2021, porém, ministros do STF e Aras mantinham conversas com os fardados, pois viam indícios de conspiração em curso. Um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, por exemplo, mostrava que as interações dos quartéis com as redes de apoiadores de Bolsonaro só aumentavam.
O almirante Almir Garnier, comandante da Marinha e disposto a colocar tropas à disposição de Bolsonaro – como se soube depois –, fez coro com Freire Gomes. Baptista Junior, o anfitrião, achava que o risco de tudo desandar era forte. Aras, por sua vez, mais ouvia do que falava.
Foi então que Toffoli lançou mão de um argumento caro às Forças Armadas para defender Moraes. “O que o Alexandre fez está estritamente dentro da lei. Tudo isso consta do Código do Marechal”, disse ele.
Era uma referência à lei 4.737, sancionada pelo marechal Castello Branco, que em 1965, na ditadura militar, instituiu o Código Eleitoral. Aras também afirmou que não havia ali qualquer conflito com a Constituição.
Baptista Júnior confidenciou depois a interlocutores que, após aquela reunião, os três chefes das Forças fizeram um pacto: não apoiariam nenhuma ruptura se Luiz Inácio Lula da Silva ganhasse as eleições.
Após a vitória de Lula, o brigadeiro foi ainda mais enfático durante conversa com o general Augusto Heleno, então ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), em dezembro. “Se alguém for bancar isso, saiba quais são as consequências”, avisou.
Quase três anos depois, o anfitrião daquele jantar de agosto e o general Freire Gomes são hoje testemunhas de acusação de Bolsonaro. O ex-presidente, Heleno e Garnier viraram réus. Mas, ao que tudo indica, esta história ainda terá muitos capítulos no ano eleitoral de 2026.