30 de junho de 2025
Politica

Barroso nega acesso a documentos de assédio sexual e moral no STF em drible à lei de transparência

BRASÍLIA – O Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu 35 denúncias de assédio moral e sexual envolvendo seus servidores e funcionários nos últimos cinco anos, conforme dados obtidos pelo Estadão. Mas o acesso aos detalhes dessas ocorrências foi barrado por decisão do presidente do STF, Luís Roberto Barroso. O ministro negou o compartilhamento via Lei de Acesso à Informação (LAI) da íntegra dos casos já finalizados.

Dentre as 15 ocorrências de assédio concluídas, não é possível identificar com precisão quantos foram casos de violações morais ou sexuais, e se envolveram relações de hierarquia e poder em cada investida.

Os dados sobre o número de ocorrências foram fornecidos pelo STF em resposta a um pedido formulado pelo Estadão, mas apenas com informações sucintas. Somente 11 processos contam com a descrição do crime denunciado e informes das providências tomadas.

No mesmo pedido, o jornal solicitou também acesso aos processos já concluídos que, segundo a LAI, poderiam ser objeto de consulta. Isso foi negado pela Corte. Em pedidos correlatos apresentados ao Poder Executivo, esse tipo de processo costuma ser liberado, conforme orientação da Controladoria Geral da União (CGU).

Plenário do STF: Corte negou acesso a informações de denúncias
Plenário do STF: Corte negou acesso a informações de denúncias

Nos 11 casos, há registros, por exemplo, de uma denúncia de assédio sexual cometido por funcionário de uma das empresas terceirizadas que prestam serviço à Corte. A partir da denúncia, o diretor-geral do STF comunicou a terceirizada, que demitiu o assediador. Existem ainda sete relatos de assédio moral na mesma unidade da Corte.

Com o veto de Barroso à disponibilização dos documentos, é impossível saber se as ocorrências foram em algum setor administrativo ou no gabinete de um dos 11 ministros, por exemplo. Segundo a Corte, a alta administração optou por reunir os sete procedimentos e iniciar uma apuração conjunta dos casos com indícios de autoria e materialidade.

A partir das denúncias, a Ouvidoria do STF e a Ouvidoria da Mulher realizaram uma instrução preliminar que culminou na adoção de “medidas estruturais de combate ao assédio” e “reestruturação da gestão local”, de acordo com a resposta ao pedido de informação em primeira instância. A Corte citou como exemplo dessas medidas a Semana de Combate ao Assédio, ocorrida entre os dias 12 a 16 de maio deste ano.

Em relação aos outros quatro casos, a única informação fornecida pelo STF é de que três denúncias foram apresentadas ao Conselho de Ética e uma diretamente ao diretor-geral da Corte. Todas culminaram em “providências administrativas para correção das condutas inapropriadas”, segundo o STF.

O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF)
O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF)

Na resposta ao pedido de informação formulado pelo Estadão, o Tribunal disse que em apenas um desses casos houve abertura de Processo Administrativo Disciplinar (PAD), que resultou na demissão de um servidor “com fundamento no art. 132, inc. V, da Lei 8.112/1990”.

O texto da referida lei fala em “incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição”. Em razão do veto de Barroso, não é possível saber qual teria sido a conduta escandalosa do servidor. Os demais processos do Conselho de Ética não resultaram em apurações disciplinares por “falta de materialidade”.

Especialistas apontam que há dificuldades recorrentes em identificar a materialidade de crimes sexuais ou morais, pois ocorrem, geralmente, sem a presença de testemunhas e sob coação da vítima.

Sigilo e ‘estrutura reduzida’

Em caso de processos com informações pessoais, a Lei de Acesso estabelece que esses dados são restritos. Mas o texto da LAI também autoriza os órgãos públicos a franquear o acesso a documentos com informações sigilosas, desde que sejam tarjados os elementos que identificam as pessoas envolvidas no caso.

A lei diz, por exemplo, que “quando não for autorizado acesso integral à informação por ser ela parcialmente sigilosa, é assegurado o acesso à parte não sigilosa por meio de certidão, extrato ou cópia com ocultação da parte sob sigilo”.

No entanto, o presidente do STF justificou no despacho que a divulgação parcial das informações, com tarja nos trechos com a referência a dados pessoais, conforme solicitado, “violaria a proteção de dados sensíveis das vítimas, que são de acesso restrito independentemente da classificação de sigilo”.

“Considerando que o Supremo Tribunal Federal possui quadro funcional e estrutura reduzidos, a simples exposição dos fatos e circunstâncias narrados nos processos, ainda que sem a identificação direta, poderia permitir a individualização dos envolvidos”, justificou o presidente do STF.

O magistrado ainda citou um trecho da lei que criou o regime jurídico dos servidores públicos, na qual está escrito que “os processos disciplinares correm em sigilo”. Na sequência, Barroso justificou que “há manifesto interesse da administração em preservar o sigilo das informações”. Porém, uma vez concluída a tramitação das denúncias, não há mais sigilo, de acordo com a LAI e a jurisprudência da CGU aplicada no Poder Executivo.

“Mesmo não sendo desprezível o argumento do STF, gera o desconforto de, no limite, a sociedade nunca vir a conhecer a situação real envolvendo casos de assédio moral e sexual no STF”, avaliou a professora de direito Vera Monteiro, que é professora da ong República.Org .

A Justiça, escultura localizada em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal, em Brasília
A Justiça, escultura localizada em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal, em Brasília

Um parecer publicado pela CGU em fevereiro de 2023 reforça que a existência de dados pessoais em um documento não deve ser utilizada como argumento para impedir o acesso a documentos públicos.

A pasta, que é responsável pela supervisão do cumprimento da LAI no governo federal, ainda publicou uma nota técnica em novembro de 2023 reforçando que “os processos administrativos disciplinares são de acesso restrito enquanto estiverem em curso, mas, uma vez concluídos, passam a ser públicos, sem prejuízo da proteção das informações pessoais e legalmente sigilosas”.

O documento estabelece que “a divulgação de informações pessoais contidas em documentos, bases de dados e registros que sejam necessários para o controle da governança de órgãos e entidades públicas (…) e a promoção de interesse público preponderante não deve ser restringida com base no artigo 31 da LAI”. Esse trecho da lei define que dados pessoais são de acesso restrito.

“Deve-se enfatizar, ademais, que há certa relativização do princípio da privacidade em relação ao princípio da transparência quando o objeto do pedido de acesso à informação se referir a agentes públicos”, declarou a CGU no parecer. “A relativa perda de privacidade, nesses casos, é a consequência do exercício de funções públicas no seio do Estado Republicano”.

A diretora de programas da Transparência Brasil, Marina Atoji, especialista em transparência, afirma que a justificativa fornecida pela presidência do STF não encontra respaldo nas melhores práticas de atendimento à LAI.

“Deve-se apontar o interesse específico da administração em preservar esse sigilo e não apenas sob a guisa de proteger os dados dos envolvidos. Ela, por si, não é uma justificativa válida para negar o acesso a essa informação”, afirmou. “A negativa do Barroso ignora um artigo da LAI que diz que, a partir do momento que uma decisão é tomada, os documentos preparatórios são de livre acesso”, completou.

O Estadão formulou um pedido de acesso à informação ao Itamaraty nos mesmos moldes do apresentado ao STF. O Ministério, diferentemente da Corte, forneceu a íntegra dos documentos com tarjas nos dados pessoais dos envolvidos e apresentou o “Termo de Classificação de Informação” nos processos que foram colocados sob sigilo. O documento expõe o grau de sigilo dos documentos, por quanto tempo ficará proibido de ser acessado e a justificativa utilizada na classificação.

Segundo Atoji, o STF deveria ter fundamentado quais dos 15 processos concluídos representam risco de exposição dos envolvidos e liberado os demais para garantir o acesso à informação.

“O sigilo só deve ser aplicado se realmente não há como fazer a anonimização de certas partes dos dados sem que implique na violação da vida privada ou da imagem da pessoa. O processo já foi concluído, presume-se, de forma regular e legal. Houve uma decisão tomada em relação àquilo. É de interesse da sociedade saber as condições em que aquele processo se deu, o que motivou a abertura do processo e como foi a tomada de decisão”, disse.

Já Guilherme France, pesquisador e gerente de advocacy na Transparência Internacional Brasil, avalia que o STF supriu o interesse público com a apresentação das informações sintéticas e a exposição das medidas estruturais realizadas após os episódios de assédio.

 

 

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